O CANTO DO SABIÁ
Era uma vez um sabiá que vivia a cantar, dia sim, dia não, nas árvores do quintal da Dona Sinhá, mas como já era de se esperar de um simples pássaro silvestre, diferentemente da ave papagaio que tende a repetir tudo o que ouve, ele ainda não sabia assobiar.
Assim, em todos os dias sim, ele tentava encantar, com o seu mavioso canto, um gavião faminto que nesse dia, por uma questão de gratidão própria do seu ser para com o seu amigo cantor, decidia caçar outros pássaros menores e, desta forma, indiretamente, poupava a vida daquele sabiá que só sabia cantar.
Alternadamente, justamente nos dias em que o sabiá ficava sem exibir o seu canto, aquele gavião faminto ficava apreensivo, em meio aos galhos das árvores do quintal da Dona Sinhá, aguardando o momento certo para novamente se encantar com o canto do sabiá, o que para sua frustração isso não acontecia.
Durante esse dia não, o sabiá geralmente aproveitava o seu tempo ocioso para descansar e, por precaução, se escondia em um oco existente no tronco de uma árvore velha do pomar da Dona Sinhá, onde o gavião não o pudesse encontrar.
O sabiá desconfiava que aquela ave de rapina, que há já algum tempo vinha passando a falsa impressão de que muito o admirava, estivesse por ali, tentando encontrar nas folhagens das árvores daquele pequeno bosque algum pássaro que tivesse um porte físico menor que o dele, que também estivesse a cantar, evidentemente, dia sim e dia não, como o fazia o sabiá.
Por sua vez, aquele gavião, apesar de sua aparência de violento e astuto deveria se sentir inferiorizado, porque não sabia cantar como o fazia o sabiá; ele mal sabia piar para, deste modo, chamar a atenção de pássaros menores que pudessem lhe servir de alimento diário.
O tempo foi passando no seu compasso natural e, certo dia, esse gavião decidiu desafiar o sabiá a cantar, todos os dias, sem parar, mas o pequeno pássaro cantor que já desconfiava da má intenção do seu suposto amigo de bosque, não aceitou o desafio: preferiu se manter como sempre o fazia a ter de mudar drasticamente a sua rotina diária.
Na verdade, a intenção do gavião era vir o sabiá exausto de tanto cantar, e ali tentaria se passar por um bom samaritano e, decerto, se ofereceria para cuidar por algum tempo da saúde e do bem-estar do seu amigo cantor, o que lhe seria muito vantajoso a longo prazo, mas não recomendável para o frágil sabiá.
Aquele sabiá continuou cantando, naturalmente, dia sim e dia não, sob a vigilância implacável daquela ave de rapina e, nas horas do seu descanso, ficava amoitado lá no seu canto, no oco daquela velha árvore, cujo esconderijo apenas ele sabia.
Permaneceu ali, por muito tempo, dia sim e dia não, sem cantar e sem ao menos tentar aprender a assobiar para não chamar a atenção do temido gavião e, desta forma, o pássaro cantor e seu suposto amigo e admirador, viveram felizes para sempre.
Moral da história: vivamos, pois, mesmo que seja dia sim e dia não, nossa própria rotina de vida, sem a necessidade de aceitarmos os desafios instigantes que nos são impostos por outrem, com objetivos diversos..