A velha ordem da estória
Agora, era um Moço.
De muita finesse e exemplares modos. Estava travestido de executivo, portando terno cinza com leves riscas de giz, sapatos pretos bem lustrados, relógio banhado à ouro, cabelos lisos bem penteados. Saíra há alguns segundos do 'ristorante' onde acabara de degustar uma iguaria especial do dia. Caminhava em direção a um café onde costumava tomar um 'espresso macchiato', sempre antes do turno vespertino na empresa onde trabalhava. Após alguns passos, adentrou pelo calçadão central da cidade, famoso por comportar uma enorme gama de lojas, lanchonetes e diversos artistas de rua que escolhiam aquela passarela para apresentarem o seu trabalho e venderem o seu peixe. No meio do caminho, passara esse Moço por uma pequena concentração de bancos públicos que serviam de assentos aos transeuntes da XV. Tais assentos estavam inteiramente ocupados por homens deitados com os rostos cobertos.
Eu considero isso um tremendo absurdo. Esses caras ficam dormindo durante o dia e depois reclamam que não podem se sustentar. Como pode um negócio desse? É a população trabalhadora que acaba pagando a vagabundagem desses e de outros tantos. Ainda bem que pelo menos vão dar início a uma necessária reformulação desse quadro. Já era hora.
A indignação do Moço era tanta. Parou mais à frente e conversou com um funcionário de uma farmácia que estava na porta lendo jornal. Aproveitava o instante de fraco movimento para se inteirar das novas do dia, como os novos cortes na saúde, cultura e educação.
Você vê isso aí? Olha só como estão bem tranquilos esses camaradas deitados em pleno centro da cidade. Cercado de tanta gente que está buscando se sustentar com essa crise que vivemos. Dormindo ao meio dia. Isso é o cúmulo!
Aquele funcionário ouviu o distinto Moço contar a sua observação, juntamente com a sua opinião. Fechara rapidamente o diário impresso. E então falou também.
- Olha, Senhor. Não sei de muita coisa não. Mas, esses homens aí trabalham numa obra aqui perto. Acho que de algum desses prédios empresariais aqui do centro. Eles geralmente aproveitam esses bancos aí para descansar um pouco depois do almoço. Um dia desses mesmo eu vi eles na fila do Restaurante Popular. Estão sem a roupa do serviço. Mas é porque deixaram ela no trabalho.
O Moço, no exato instante, ajeitou seu cachecol e olhou o relógio que brilhava no pulso esquerdo. 12:47h. Lembrou do seu 'espresso macchiato' que o aguardava mais alguns metros à frente.
Ah! Eh? Hum! Sei. Está ficando mais frio. Deixa eu ir para não me atrasar.