E a natureza disse...
O vento soprava o mato alto com suavidade e Luzia, sorrindo e de olhos fechados, cantarolava e rodopiava pelo campo, girando seu vestido leve e amarelado e seus cabelos encaracolados e negros. Seu cântico era um agrado aos elementais do vento, silfos, que perambulavam sobre o mato e agraciavam a jovem Luzia com sua presença e suas caricias. As pequenas criaturas róseas e translucidas tocavam seu vestido e seus cabelos, sussurrando para Luzia histórias de outras eras e de outros povos.
Cansada e ofegante, Luzia deitou-se na grama e os silfos sentaram ao redor de sua cabeça, contando as histórias suavemente e sem pressa. Ela sorria ao saber sobres os persas e seus tapetes mágicos, sobre os índios americanos e suas magias poderosas, sobre a Inglaterra e seu povo elegante, sobre Paris e suas fantasias… Contava também sobre a China, sobre como foi feito uma muralha gigantesca que protegeu um grande imperador. Luzia apenas ouvia, com os olhos encarando as nuvens moldadas por esses mesmos seres, que ilustravam com prazer cada história que lhe era contada.
Ao se sentar, viu uma figura branca e pequena, como uma criança, porem magra e cheia de rugas como um velho, de orelhas longas e pontudas, careca e com uma barba branca que ia até o chão. Seus olhos eram grandes para o pequeno rosto, amendoados e amarelados, de íris cor de âmbar. Esse era um velho espirito da floresta, uma antiga entidade que ensinava as jovens bruxas o necessário para entrar em contato com os elementais e os outros avatares e entidades. Ela se espantou por um momento dele estar ali, mas sorriu com sinceridade por vê-lo mais uma vez.
Seu sorriso, que antes era tão grande no rosto miúdo, estava contorcido e nervoso, mas ainda parecia um sorriso. O espirito então falou para Luzia que o dia de amanha não viria, que o povo da ignorância iria tirar a jovem bruxa do caminho da iluminação e destruir seus livros que escrevera para as gerações vindouras. Disse também que havia se espalhado pela Espanha uma era de trevas e escuridão, onde a sabedoria se perderia se não fosse guardada. Luzia entendeu que a inquisição finalmente havia alcançado a longínqua vila em que morava e seu coração bateu mais forte. O espirito continuou, com um sorriso mais tranquilo, dizendo que ela nada sofreria, pois quando chegasse o momento, estaria ele ali, para tranquiliza-la, para tirar sua dor e para leva-la de volta para a floresta, onde lá ficaria e faria parte, junto de outras bruxas que já haviam partido.
O rosto de Luzia se cobriu de lagrimas, mas mantinha um sorriso mínimo. Disse para o espirito que gostaria de ver sua filha crescer, mas que ela não deveria ter o mesmo destino da mãe. A pequena criança de apenas 3 anos não precisava daquilo. O espirito então tocou seu ombro e sorriu de forma confortante, a criança não sentiria o fogo ou a espada da ignorância, teria uma vida plena e uma incrível tutora. Disse também que, quando a hora chegasse, essa criança continuaria o legado da mãe, ainda que todo seus livros e receitas já não mais existiriam na manhã seguinte.
Luzia estão respirou fundo, os silfos ainda cantarolavam e o espirito da floresta se juntou ao coro, cantando uma canção suave e delicada, acalmando o coração da jovem bruxa. Luzia então acompanhou seus amigos no cantigo, se pondo de pé e aceitando seu destino dignidade e coragem, com a convicção do que sempre foi, uma bruxa que conhecia os segredos da natureza, e seria sacrificada para que um culto a um deus novo pudesse controlar a sociedade através do medo e da força. Luzia então, após ter seu coração e espirito acalmados, perguntou para o espirito o que seria deles. Ele sorriu da mesma forma e levitou até ficar a altura dos olhos da moça, e com uma simplicidade majestosa, disse:
“Ainda que os homens, primitivos e covardes como são, ignorantes em sua própria natureza, destrua tanto conhecimento como vontade, tanto vida como sabedoria, ainda não venceram, pois no fundo, todos vocês tem a capacidade de amar, a chama da sabedoria e a divindade do criador que infunde toda a criação. Pois eu sou feito como você e você vai se tornar como eu, e todos os seres humanos terão sua chance, chance após chance, colhendo cada semente plantada, des da saudável e glamorosa, a doente e podre. Portanto, não se preocupe jovem bruxa, pois seus dias nesse involucro que a detém já não mais perduraram, seu espirito estará livre e sua missão poderá ser concluída.”
Dois anos depois, a pequena criança brincava na entrada da floresta, em um pequeno riacho rodeado de pedras musgosas e flores pequenas. Seus cabelos encaracolados como os da mãe e seu sorriso inocente encantada belo brilho da agua e da pequena ondina que fazia círculos e caminhos na agua para entreter a criança. Então, na outra margem, a alguns metros da criança, o espirito da floresta surgi, sorridente e acompanhado de uma mulher luminosa, cujos cabelos encaracolados pareciam ser acariciados por uma brisa constante, de vestido amarelo e sorriso ainda mais carinhoso e acolhedor. A criança não se assusta, pelo contrario, sorri e se alegra pela presença dos dois. O espirito então, com a permissão da mulher, caminha sobre as aguas, acompanhado de sua companheira, e diz a criança:
“Você é uma criança maravilhosa, assim como as outras crianças em torno do mundo. De hoje em diante, lhe ensinaremos coisas que apenas você pode saber, e ninguém mais. Ainda que queira compartilhar toda essa majestade, já que é bela de coração, deve conter apenas para ti, pois apenas você tem a capacidade de compreender. Essa mulher ao meu lado será sua tutora, sua mestra nas artes mais sagradas da natureza. E com o tempo, passara a entender o mundo ao seu redor e toda sua vida e natureza, assim como a nossa e a si própria. Agora vá criança, e volte quando tiver sede, pois estaremos aqui para ti. Hoje, e sempre, assim como estará para as próximas gerações.”
A criança ainda sorridente se afasta, perseguindo um pequeno esquilo, sorridente e brincalhona. O espirito então se senta a margem, acompanhado da mulher. Silfos saem das moitas, a ondina tira a cabeça para fora da agua e todos eles começam a cantar uma canção suave, cheia de ternura e paz.
A criança então volta e começa a acompanhar, do jeito inocente e desajeitado de toda as crianças. O espirito então sorri para a mulher e sussurra em seu ouvido:
“Não a motivo para preocupação, Luzia. Sua filha não terá o mesmo destino que o seu, mas após sua passagem, se juntará a nós, para que sua neta então seja ensinada, e assim por diante, até que todos entendam sua parte na natureza, e finalmente, nos tornemos todos um.”