A sombra de Deron

O sol brilhava forte e constante naquele lugar. Ali o tempo não era separado por dias, pois a luz do sol não ia nem vinha, apenas estava. O sol era demasiadamente brando, não trazia sofrimento para Deron, um cara que fazia de confidente sua Sombra e a solidão.

Deron não confiava nas pessoas, não se sentia confortável diante dos olhos de qualquer coisa que respirasse. Mas de fato ele nunca esteve só, Sombra andava junto a ele. Os dois eram basicamente um, numa matemática que não priorizava a razão. Sempre que alguém se aproximava dos dois, Deron se retirava, seguido sempre pelo fiel Sombra.

Existia ali um lugar onde ninguém andava. Podiam então se enclausurar no nada. Debaixo de uma figueira seca, Sombra dedilha uma canção fúnebre num velho violão, enquanto Deron cantava versos desconexos de solidão, uma solidão que os acompanhava, era melancolia gritada suave, angustiados cantavam suas vidas, e se iludiam anestesicamente com o eu lírico em terceira pessoa. Ninguém escutava aquela canção. Apenas existia a luz do sol de comum ao resto.

Deron achava tudo muito chato, começou até sentir sua solidão ameaçada por Sombra que sempre estava por onde ele andasse. Ele não suportava mais a ideia de estar com alguém, mesmo com Sombra que sempre lhe ofereceu fidelidade. Fez então uma proposta ao amigo.

Deron: meu bom amigo Sombra, peço que não mais me siga, pois eu seguirei o meu caminho, e este será só meu.

Sombra pouco falava, não abriu a boca. Mas quando Deron saiu foi seguido pelo amigo, como de costume. Então Deron correu, fugindo como se fosse essa única possibilidade de vida, enquanto corria percebia Sombra se enfraquecendo junto com o Sol, cada passo dado soava como um golpe de carrasco no peito do antigo parceiro, a mesma dor parecia abalar o sol que se esvaía, sentiu-se surpreso, pois julgava que o sol pra sempre ficaria. Corria e apenas corria, assassinando com a escuridão a única forma de amor que conheceu, mas a traição a ele nada dizia. Então ele parou diante da primeira noite. No céu a lua tinha a companhia de incontáveis estrelas. Tudo era escuridão.

Sentiu um alivio funesto por estar só pela primeira vez, até o sol havia se retirado. Então ouviu a voz familiar de Sombra, a única que ele seria capaz de reconhecer, sua mente logo se perturbou.

Sombra: existe motivo para me deixar? Fui eu de alguma maneira um amigo ruim?

Deron olhava para todos os lados e não podia enxergar seu antigo camarada, tal qual um esquizofrênico se assustou. Percebeu então que tudo ali era Sombra. Estava cercado por quem o perseguia.

Deron: Maldita és tu lua, incapaz de iluminar este lugar! Maldito és tu sombra, que não me deixa recluso a minha solidão, não é o meu direito de me afastar maior que o seu de aproximar? O meu direito a solidão não é maior do que o teu a amizade? Deixe-me só para que com a morte eu possa ter.

Mais uma vez sombra nada disse. Deron voltou a correr, correu em direção ao sol, mesmo sem saber que não existia tal direção. O sol porem começou a aparecer quebrando toda a escuridão, logo viu Sombra de novo o seguindo e ganhando forma, mas não parou de correr, a cada passo se aproximava do sol, pensou “há tanta luz no sol que sombra não resistirá”. Ele entendeu que a escuridão só é ausência de luz. Não percebera que Sombra era produto da equação em que ele e a luz eram fatores. A medida que corria em busca de luz e solidão seu corpo se dissolvia em calor. O sol se insinuava para Deron como a forca se insinuava para o suicida. Se alguém pudesse ver a cena de longe notaria apenas uma silhueta, era Sombra quem veriam. Tal silhueta existiu enquanto Deron existiu, mas logo a estrela de fogo havia consumido ambos. Deron, Sombra e o sol, agora apenas o sol solitário, com mesmo brilho ilumina aquele lugar.