A pescaria da menina amarrada na árvore


Os pais queriam pescar.
Ela tinha só cinco anos e não sabia bem o que era aquilo.
Uma vez observou com curiosidade o pai. Ele mexia em uma vara fina e comprida com uma linha que terminava em um pedaço de arame, coisa que ele chamou de “anzol”. Aquilo - ele explicou - era uma “vara de pescar”.
Quando a minhoca nervosa foi tirada de uma latinha de terra e espetada no anzol, ela prendeu a respiração.
Coitada da minhoca - disse assustada.
Ela nem sente - falou o pai baixinho.
Sente sim, mas não tem boca para falar - ela pensou sentindo um nó na garganta.
Mas o fato é que pescar parecia mágica na época.
O pai jogava a minhoca na água e logo em seguida um peixe brilhante e também nervoso vinha grudado onde antes estava a minhoca. Ela ficava pensando se a minhoca tinha escapado ou trocado de lugar com o peixe.
Um dia, o pai explicou que a minhoca era comida pelo peixe segundos antes do anzol entrar na garganta do bicho.
Ela ficou em pânico. Coitado do peixe. E da minhoca.
Mas pescaria era assim mesmo - explicou o pai.
Agora eles queriam pescar novamente e não sabiam bem o que fazer com ela.
Levar ou não levar?
Levaram por fim.
Quando chegaram no rio, os pais que queriam que ela ficasse quietinha enquanto pescavam, tiveram uma ideia brilhante.
Com uma corda grossa e longa o suficiente para alcançar o rio mas a uma distância que não atrapalhasse a pescaria, amarraram a menina em uma árvore.
Ah, sim. E deixaram uma goiaba caso ela tivesse fome. Quanto zelo daqueles pais!
A menina ficou quieta por uns minutos, mas logo lembrou da minhoca e percebeu que também estava presa na ponta de uma linha.
Era a minhoca da vez. Isca para algum bicho feio e faminto.
E munida da coragem típica do medo, meteu os dedinhos na corda até que o nó se soltou.
Livre, esperou em silêncio pelo bicho que não veio. Se viesse, correria, mas jamais gritaria para não atrapalhar a pescaria dos mais velhos.
Sozinha na beira do rio, não sabia bem o que fazer. Ir até os pais era impossível. Então decidiu que também queria pescar.
Caminhou até uma casa de pescadores, achou rente a uma parede, vara, linha anzol e até uma lata com iscas.
A minhoca coitada, nem se debateu. Solidária à menina que também tinha sido amarrada como isca, se grudou ao anzol e partiu orgulhosa para sua sina que terminava na boca de um peixe qualquer.
A menina agora era alegria. Os olhos que nunca decidiram pelo verde ou pelo azul, avaliavam o rio. E, munida de coragem e da minhoca destemida que agora já se achava a heroína da heroína, partiu para a beira do rio em busca da mágica do peixe brilhante.
Com vontade e a força que só alguém de cinco anos possui, lançou a brava minhoca na água.
Foi questão de segundos.
O peixe guloso logo apareceu.
A vara ficou curvada e a linha esticada.Sem saber bem o que fazer e sentindo que o peixe queria lutar, começou a andar para trás até puxar o bicho do rio.
Lindo, brilhante como as cores do arco-íris e com muitos dentes afiados.
O peixe ficou muito irritado quando se viu na areia e começou a se debater tentando se livrar do anzol.
A menina, agora corada e com os olhos arregalados, batia no peixe com a vara para que ficasse quieto e não atrapalhasse os pais que estavam longe mas ouviriam aquela bagunça.
O peixe por fim aquietou. A menina suada e com os cabelos vermelhos grudados no rosto, foi dar uma olhada mais de perto no pobre bichinho.
E o peixe, mesmo cansado ainda reagiu. O grito veio quando os dentes do bicho quase arrancaram um pedaço do dedo.
Os pais, enfim, alertados correram para árvore onde devia estar a menina.
E lá estava ela, cansada, assustada, sem entender bem o que tinha feito.
Levou puxões de orelha por ter fugido da árvore. Ouviu um sermão e as palavras “castigo” “irresponsável” e “desobediente” enquanto olhava ora para o pai, ora para a mãe.
Ganhou também elogios pelo peixe que foi o maior de toda a pescaria.
Em casa, soube que pescara uma piranha. Um peixe danado de bravo e muito perigoso.
Soube também que tinha feito uma coisa muito feia quando fugiu da árvore como se amarrar crianças fosse algo muito comum, já escapar... bem era algo muito terrível.
Aquela pescaria foi um divisor de águas.
Para a minhoca, para o peixe, para a menina.
Muitos anos depois veio a saber que aquele dia havia definido para sempre muitas decisões que tomou e que ainda tomaria no decorrer de toda a vida.







 
Edeni Mendes da Rocha
Enviado por Edeni Mendes da Rocha em 15/01/2013
Reeditado em 15/01/2013
Código do texto: T4086622
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