QUANDO A GALINHA CANTA DE GALO

Dizem que certa vez, numa floresta muito densa e bonita, existia uma velha raposa cansada de todos os dias ter de caçar galos e galinhas para o seu almoço e jantar. Certo dia, ao acordar muito cedo, devido aos cantos dos galos, em um dos galinheiros próximo à sua toca, ela teve uma brilhante ideia.

- Ora, porque não pensei nisso antes, vou aproveitar o canto dos galos para atrair toda a raça galinácea para a minha toca...

Dizem que essa velha raposa, valendo-se de sua esperteza, resolveu inventar uma maneira de como fisgar os galináceos para a sua toca. Ela, todavia, inventaria fazer um baile em sua toca em homenagem aos galos desde aqueles que viviam nos galinheiros mais simples até aos que viviam nos galinheiros mais requintados daquela floresta.

- Um baile, isso mesmo. Vou inventar um baile em homenagem aos galos, os cantores do alvorecer desta floresta.

Dona raposa preocupou primeiramente com os bichos da floresta, quais, sem dúvida alertariam aos galináceos a não aceitarem o convite dela, julgando a sua intenção de astuta e malvada.

- Só falta agora a bicharada estragar os meus planos...

Ela, porém, sabia que os bichos daquela floresta viviam enciumados uns com os outros e que se eles soubessem que ela prestaria uma homenagem aos galos de todos os galinheiros de lá, logo ficariam com ciúmes. E pensou.

- O ciúme bem que ajudaria a compor o meu plano...

E como não? Foi aí que ela pensou como deveria pensar uma raposa sábia e astuta.

- O ciúme ajudaria a reforçar o meu plano, pois a bicharada, ao saber do convite que eu farei aos galináceos, logo os procurará e tentarará convencê-los a não aceitarem o meu convite. E os galináceos, como não são muitos astutos, quanto a mim e a outros bichos, pensarão que os conselhos da bicharada seria apenas um pretexto de ciúme ou de inveja e acabarão aceitando o meu convite...

Ela, portanto, sabia que por lá naquelas bandas da floresta existia um bando de araras azuis, quais eram tagarelas e que possivelmente poderia ajudá-la a compor o tal plano. Batutou com a mente.

- Contarei às araras azuis o meu plano de homenagear os galos, elogiando-os o quanto eu puder e creio que logo a floresta inteira saberá do baile em que os convidados serão apenas os galináceos de todos os galinheiros desta densa e grande floresta...

Dizem que a dona raposa, velha e astuta encontrou com as araras azuis em uma frondosa árvore de um dos relvados da floresta e comentou a elas sobre o seu plano de homenagear os galos. Ela, todavia, enfatizava o motivo da homenagem falando sobre a importância dos cantos dos galos durante o alvorecer de cada dia naquela floresta.

- Admiro muito os galos desta floresta, amigas araras. Os galos são aves interessantes e muito úteis a todos nós. Eu admiro o ofício deles, pois todas as manhãs, chovendo ou não, eles cantam e nos fazem acordar tão docemente em nossas tocas ou em nossos ninhos... Creio que todos os animais da floresta deveriam prestar homenagens a eles, incluindo, pois, as esposas galináceas, os seus filhos frangotes e as suas filhas franguinhas. Como ninguém desta floresta nunca pensou em fazer uma homenagem aos galos, eu serei a primeira a fazê-la, por conta própria...

Uma das araras azuis ficou admirada com a preocupação da dona raposa em fazer aos galos a prometida homenagem e perguntou curiosamente.

- A senhora dona raposa irá prestar uma homenagem aos galos de todos os galinheiros desta floresta, com qual intenção?

A raposa sorriu astuciosamente e olhou para as araras azuis respondendo humildemente.

- Ora, com intenção de nada, prezadas araras. Quero dar um baile em homenagem aos galos em minha toca e pronto!

Uma das araras azuis descartando qualquer jogo de intenção da raposa, perguntou animada.

- E os outros bichos da floresta, inclusive nós, araras, seremos todos convidados também ao baile a ser realizado na toca da senhora?

A raposa coçou a cabeça com as patinhas dianteiras e retrucou.

- Não, não irei dar uma festa para os bichos da floresta. Apenas quero dar um grande baile para homenagear aos galos. Meus convidados serão, portanto, todos os galináceos, ou seja, os frangos e as galinhas.

As araras azuis, como eram conversadeiras, em poucos dias fez todos os bichos daquela floresta saberem sobre o grande baile que a dona raposa daria aos galos e suas famílias galináceas na toca dela.

Dizem que alguns bichos da floresta ficaram com inveja dos galos, devido à homenagem que eles receberiam da dona raposa. Inclusive a dona coruja, que, no alto do seu tôco, perguntou a uma das araras azuis.

- O que é que os galos fazem de tão úteis para serem homenageados por aquela velha raposa?

Uma das araras azuis respondeu à dona coruja.

- Ora, ora, segundo ela, os galos cantam lindamente ao alvorecer...

- Como lindamente, se eles nos acordam com os seus timbres agudos e dobrados, a ponto de fazer estourar os nossos ouvidos...

- Pois bem, a dona raposa acha que em razão de os galos fazerem isso, eles, merecem ser homenageados por todos nós da floresta...

A coruja demonstrou-se inconformada.

- Que raposa petulante! Se eu fosse uma galinha eu não deixaria que o meu galo aceitasse esse tipo de homenagem. Será se a família galinácea não percebeu que pode haver fermento nesse queijo?

Dizem que a dona coruja, assim como outros bichos da floresta, procurou os galos e as galinhas em seus devidos galinheiros e os alertaram, dizendo o seguinte.

- Dou-lhes conselhos úteis, amigos galináceos, a raposa é danada e astuta. Ela não deve estar bem intencionada ao planejar essa homenagem aos galos...

Uma velha galinha, que mais passou o tempo de sua vida chocando do que passeando na floresta, quis cantar de galo, respondendo um pouco zangada à dona coruja.

- Ora, ora, dona coruja, creio que como todos os outros bichos da floresta, a senhora também está com inveja, porque não é o seu marido quem vai receber a merecida homenagem. Eu pensava que a senhora era um tanto sábia para reconhecer o valor do canto dos nossos galos, mas não, sábia nesta floresta é somente a dona raposa. A ela, pois, devemos o reconhecimento da homenagem pelo canto do amanhecer dos nossos galos. Coisa que ninguém desta floresta nunca ousou fazer a eles.

A coruja arregalou os olhos e tentou convencer a velha galinha argumentando o seguinte.

- Todos nós reconhecemos o cantar dos seus galos, o cocorejar de suas galinhas e os piados de suas ninhadas e sabemos que todos os animais da floresta, cada espécie, tem o seu modo de expressar, ora cantando, gritando ou piando. Assim como dizem que cada coruja “gava o seu tôco”, cada espécie que gave ou homenageie a sua...

A velha galinha, porém, insistiu nervosamente.

- Mas nenhum outro canto igual ou similar ao dos nossos galos caiu no encantamento da dona raposa...

- É por isso que se deve estudar qual é a intenção dela, senhora dona galinha chocadeira...

- Ora, ora, dona coruja, cuide lá da sua vida, que nós cuidaremos da nossa. Recebemos o convite da dona raposa, aceitamo-lo e pronto!

A coruja ficou abismada com a resposta da velha galinha. Ela olhou para os galos daquele galinheiro e criticou.

- Ora, senhores galos, neste galinheiro que canta de galo são as galinhas?

A velha galinha não deixando que ninguém respondesse, tomou a frente.

- Todos nós, galináceos, iremos ao baile para prestigiar os nossos galos e pronto, assunto resolvido.

E a dona coruja dando-se por perdida saiu voando rapinamente pela floresta. A velha galinha voltou-se às amigas galináceas e comentou vaidosamente.

- Todos os bichos da floresta estão com inveja, porque os nossos galos serão homenageados pela dona raposa...

Todas as galinhas riram e comentaram umas com as outras sobre como seria o penteado de suas penas. Todas queriam ir ao baile da dona raposa, com os penteados de penas conforme a última moda vinda dos famosos galinheiros das demais florestas.

A dona raposa ficou feliz da vida ao saber que os galos aceitaram o convite dela para serem homenageados em sua toca. Ela, todavia, idealizou um projeto de reforma e procurou pelo mestre tatu, pedindo para que ele e a sua equipe de pebas fizessem algumas modificações em sua velha toca.

A dona raposa mostrou ao mestre tatu o projeto de reforma da toca, qual cresceria a sala principal, onde aconteceria o baile e acrescentaria um enorme labirinto, para que no final do baile os galináceos entrassem nele para sair da toca e não conseguissem nunca mais voltarem aos seus devidos galinheiros. Isso se dava ao fato de haver no final do labirinto um buraco onde os galináceos caíssem e não pudessem mais sair, de forma que, dali por diante, a dona raposa garantisse, por longos dias, o seu almoço e jantar.

Ela, um pouco chorosa do seu cansaço, desabafava ao mestre tatu, tecendo o seguinte discurso.

- Estou tão velha e cansada, mestre tatu. Não dou mais conta de andar caçando pela floresta galinhas e galos... Então, basta a mim, esse baile, para garantir por muito tempo o meu sustento. A raça galinácea é uma raça boba e ingênua e, conforme todos os bichos desta floresta estão presenciando, acabou caindo no louvor da graça em aceitar o meu prazeroso convite ao baile em homenagem ao canto dos galos e também do fim de toda a sua raça...

O mestre tatu se arrepiou ao ouvir o plano da dona raposa contra a vida dos galináceos, mas, como ele nada tinha a ver com aquilo tudo, de bem ou de mal, ele apenas aceitou ser contratado para fazer em poucos dias o serviço de reforma naquela toca.

Como a dona raposa dizia ter pressa em reformar a toca para realizar o grande baile, o mestre tatu teria de acordar cedo todos os dias para dar conta do trabalho. Ele, portanto, preocupado em acordar cedo para trabalhar todos os dias na toca da dona raposa, acabou mudando-se para perto de um dos galinheiros daquela floresta. Lá, com o cantar dos galos, ele acordaria cedo, reuniria-se com os demais de sua equipe e iria ao trabalho. Assim ele fez e em poucas semanas, acordando todos os dias mais cedo do que o habitual, com o cantar dos galos, ele e a sua equipe de tatu-pebas concluiu todo o trabalho na toca da dona raposa.

Dizem que em poucos dias, o mestre tatu e a sua equipe de pebas cumpriram todo o trabalho conforme o projeto da velha raposa. Eles ampliaram a sala, onde aconteceria o baile; fizeram o labirinto escuro e arrepiante e, no final deste, um buraco ou uma enorme armadilha, onde todo o reino galináceo cairia ali e sumiria daquela floresta para sempre...

- Para sempre?

Pensou o mestre tatu.

- Se os galos sumissem para sempre daquela floresta, quem acordaria os bichos pela manhã para as suas devidas tarefas? A velha raposa nada contribuia com isso, ao contrário, estaria fazendo extinguir uma raça inteira devido ao seu acomodismo e gula...

Lembrando-se de que o cantar dos galos foi útil para que ele acordasse todos os dias cedo para executar o trabalho na toca da velha raposa, o mestre tatu também pensou em ser solidário a toda a raça dos galos. Desse modo ele procurou a bicharada daquela floresta muito densa e bonita e contou-lhes o que se sucedia na toca da dona raposa.

- Se a dona raposa prender todos os galos, galinhas, franguinhas e frangotes em sua toca, logo a floresta ficará sem galo algum que acorde a bicharada pela manhã. Além disso, será outra espécie a tornar-se extinta nesta floresta...

As araras azuis, observando a gravidade do fato exposto pelo mestre tatu, inventaram rapidamente um plano.

- Podemos inventar outra festa em homenagem aos galos depois do baile na toca da velha raposa. Seria interessante que ao alvorecer todos nós fôssemos à porta da casa da velha raposa prestar uma homenagem aos galos, fazendo uma grande seresta. Assim a dona raposa teria de mandar todos os galos, galinhas, franguinhas e frangotes para fora da toca para receber as nossas homenagens. Quando todos ali se reunissem, nós sairemos pela floresta afora, terminando a nossa homenagem em um dos maiores galinheiros, com festa e tudo...

E um joão-de-barro alertou o seguinte.

- Nesse dia não teremos pela manhã nenhum galo cantando para nos despertar...

O urubu rei, que somente escutava a todos, falou precipitadamente.

- E se pela manhã a galinácea toda já estiver caída na armadilha da dona raposa?

O mestre tatu sorriu, respondendo.

- Invadiremos a toca da dona raposa e salvaremos todos os galináceos...

Dona coruja, quieta no seu canto, apenas opinou.

- Mas isso não será bom, pois acabará em guerra...

Um papagaio resolveu também dar a sua opinião.

- Seria melhor que o mestre tatu fosse “bichamente aos galinheiros da floresta e contasse aos galos e as galinhas sobre a intenção da velha raposa, inclusive o plano dela e a reforma feita pelos tatu-pebas na toca dela...

Um canário belga concordou, entoando o seu canto ao falar.

- Dona coruja está certa é melhor cortar o mal pela raiz.

Dizem que o mestre tatu fez conforme opinou a coruja, mas as galinhas de todos os galinheiros da floresta diziam que ele, assim como os outros bichos, estava com ciúme e inveja devido à homenagem que os seus galos receberiam da velha raposa. O mestre tatu, coitado, embora quisesse ajudar a raça galinácea, nada podia fazer. Ele retrucava nervoso.

- Inveja, veja lá se eu teria inveja de alguém? Ainda mais de alguém, que mesmo sendo avisado sobre um maldito plano, não quer dar a mínima importância para a vida...

O mestre tatu foi de novo ao encontro da bicharada na floresta. Lá, ele e a bicharada ficaram horas e horas estudando milhares de planos para salvar a raça galinácea da boca da perversa raposa. O que mais os intrigava era a questão das galinhas e dos galos não terem desconfiômetros para medir a situação a que todos estavam sujeitos a sofrerem com a má intenção da velha raposa. Como cada um tinha o direito de pensar e de agir conforme as suas conveniências, ninguém nada podia fazer para mudar o pensamento e a ação daquelas pobres criaturas do reino das galináceas.

A coruja criticava afiada.

- Em floresta que galinha canta de galo, somente podemos contar com desastres!

Chegou o dia do grande baile. Dizem que naquela noite todas as galinhas, faceirosamente bonitas, galos, devidamente vestidos, frongotes e franguinhas com suas últimas modas jovens, começaram a aparecer na toca da dona raposa para o grande baile. O salão estava todo decorado com espigas de milhos e grãos de várias espécies, quais agradavam os finos paladares daquela espécie de galinácea. Uma banda, liderada pelo maestro sabiá, tocava músicas “galinaciosamente” bacanas aos galos e galinhas, frangotes e franguinhas, cujos dançavam à vontade. A noite parecia curta para tanto divertimento e homenagens dadas aos galos cantadores, pela dona raposa.

Dizem que enquanto os galináceos dançavam e farriavam à custa do plano da dona raposa, os tatu-pebas, comandados pelo mestre tatu, entraram escondidos na toca para abrir urgentemente uma nova saída para que a raça galinácea não corresse o grave risco de se perder ali e cair nas garras da velha, sabia e astuta raposa.

Os tatu-pebas, trabalhando sigilosamente, fecharam a porta do labirinto e abriram um novo caminho capaz de os galináceos saírem da toca tranquilamente para tomar os rumos de seus respectivos galinheiros na floresta.

No final do baile, ao amanhecer o dia, cansados de tanto divertirem, os galináceos despediram-se um dos outros e também da dona raposa, a fim de voltarem aos seus respectivos galinheiros para, de lá, saudarem tradicionalmente a aurora com a alvorada de suas cantorias.

Dona raposa, toda feliz e cansada, certo de que agora realizaria a parte principal do plano dela, apontava a eles o local da saída. A saída era a do labirinto, que, graças à frota de tatus, não mais representava perigo algum aos galináceos. Galinhas, galos, franguinhas e frangotes, todos entraram tranquilamente pelo labirinto para sair da toca da dona raposa.

Dizem que os tatu-pebas, ainda ali, escondinhos, ao verem os galináceos fora de perigo, fecharam a portinhola que dava com a nova saída da toca e abriram a outra porta do labirinto, para que a dona raposa não descobrisse ter sido enganada. E quando os galináceos saíram da toca da dona raposa, lá no meio da floresta, eles receberam saudações de toda a bicharada que os aguardavam com uma grande festa.

E a dona raposa, dizem que essa, coitadinha, devido à falta do desconfiômetro, até hoje anda pelos labirintos de sua toca, perdida, procurando galinhas, galos, franguinhas e frangotes para a sua refeição do dia. Alguns bichos daquela floresta comentam que ela tenha morrido no seu horripilante labirinto, ora de velhice, de sede e de fome...

MORAL DA HISTÓRIA: “Quem usa desconfiômetro, não teme o tombo”

Shicko Rodrigues
Enviado por Shicko Rodrigues em 23/04/2012
Reeditado em 25/04/2012
Código do texto: T3628163