NO VOO DAS PALAVRAS
Todas as palavras se assemelham a pedras
Umas de corpo menor, outras de corpo maior;
Com elas se pode matar, ou pode fruir,
Com elas se pode chorar, cantar ou sorrir.
São pedras e todas elas, corpo de palavras
Que em liberdade saem das mãos do poeta;
São elas, só elas, que acabam com a guerra
Instalando p´ lo tempo a poesia na terra.
Há pedras de corpo menor, corpo de versos,
E, como se fazem casas, fazem-se os livros;
Elas vêm de longe ou encontram-se imersas
Nos pontos de encontro, de paixão e promessas.
Há pedras de grande corpo, como montanhas,
Que fazem abrigos ou, quem sabe, janelas;
E revelam-se em si no condão doutras vidas,
Vidas alternas, mas sempre vidas sentidas.
Palavras de estâncias vivas ou estâncias mortas
Feitas quimeras mas revestidas de esperança;
Incertos caminhos e sendas encruzilhadas,
Nos raios de luz que agitam as madrugadas.
Palavras lançadas no instinto do coração
Saltando as armadilhas que os corvos engendram;
Palavras fantasmas por entre nevoeiros
Nos gestos sonhados de poetas pioneiros.
Só os poetas indicam o rumo às palavras
Na louca estranheza das sagradas menções;
Eles dão-lhe a essência, dão-lhe o tom e o gosto
E levam-nas à frente moldadas no rosto.
O fel das palavras paira na brisa do vento
Que no seu bojo transporta um tempo vazio;
E o cantar do vento coloca na sua palma
O canto dos versos que lhes arde na alma.
Há tantos poetas por esse mundo de Cristo
Uns de aura distinta e outros meio sombrios;
E as palavras, como sopros ou tempestades
Concentram em si as inocentes verdades.
Palavras, palavras, sinfonias discretas
Revelam no poeta o seu dramático fado;
Há falas concretas que fantasias são
E há outras, todavia, que podem ser pão.
Palavras, palavras, são as falas do palco
Nos teatros da vida com recortes mendigos;
Onde estão os poemas dos quais não há canto?
São gaivotas sem asas em praias de espanto.
Palavras são trovas que transitam mensagens
Na face risonha das orquídeas silvestres;
Liras tangidas por jograis mais-que-perfeitos
Que esperam um dia serem chamados eleitos.
Palavras que sois a voz dos castos profetas
Desde sempre como testemunhas lançadas;
Sois a imagem do fim da batuta-harmonia
Na alcova divina de um livro de poesia…
Palavras corpo de história, feitas memória,
Em levedado fermento de água e de sal;
Sois oásis de vida, sois a água da fonte
Neste seco deserto de vazio horizonte…
Palavras que sois peregrinas e viajantes
Nos quatro horizontes deste universo-pessoa;
Quais arautos bem-vindos de aurora futura
Sois o destino real da humana aventura.
Palavras-magia, ó palavras-conforto
Nas destemidas ondas da crista do mar;
Voais, mesmo sem âncora, à luz de um farol
Guiadas pelo sonho de um dia de sol!
Frassino Machado
In INSTÂNCIAS DE MIM