O CANTO DA SEREIA - parte II
_________________________________________________________
...
Quando entrou na pequena gruta, Lilith estava tão cansada, que logo adormeceu. Dormiu durante horas. Acordou assustada. Abrindo os olhos, viu que a noite já despontara. O sol, no horizonte, terminava sua saída, ainda com alguns raios avermelhados e alaranjados, lá bem longe, onde o mar e o céu faziam fronteira.
Acordou assustada, havia sonhado novamente, aquele sonho estranho, que a fazia chorar. Sentia ainda as lágrimas descerem abundantemente pelo seu rosto branco, chegando até sua boca e descendo pescoço abaixo. O gosto era estranhamente adocicado.
Lilith não lembrava do sonho. Só sabia que chorava muito e quando acordava era sempre assim, lágrimas ainda descendo de seus olhos.
Sentiu algo estranho. Nunca antes havia estado naquela gruta, porém já havia estado na ilha, em outra parte, quando tivera que emergir outro dia, para descansar.
Estava nessas bandas do mar Egeu há pouco tempo. Já havia viajado por vários mares e oceanos, mas recentemente chegara a esse lugar.
Na outra vez que ali estivera, chegara durante a noite, muito cansada, quando dormiu a noite inteira. Acordou no outro dia, sentindo de perto o perigo. Estava muito perto da praia e do cais da ilha. Marinheiros, ou pescadores, se aproximavam da gruta onde se escondera para dormir.
Então pulou nas ondas geladas do mar e sumiu...
A gruta era pequena. Lilith sentia uma familiaridade. Nunca havia estado ali antes, mas era como se já estivesse estado. A gruta era bonita. Formada por rochas coloridas, avermelhadas e alaranjadas em formas de estalactites. Era um lugar bonito e acolhedor.
No centro da gruta havia um pequeno lago. Lilith então lembrou que há muito não comia. Sentia fome. Pulou para dentro do lago, a procura de pequenos crustáceos, camarões, cavalos marinhos e algas. Era o que mais gostava de comer. O lago era profundo. Alguma claridade vinha do alto da gruta, trazendo claridade para aquelas águas. Lilith encontrou muito do que gostava de comer ali. Ficou encantada e deliciada.
Lilith saiu da água satisfeita. Sentia-se bem alimentada, renovada. A lua já aparecia no céu lindo e muito estrelado, limpo, sem sinal de chuva, não havia nuvens. Era lua crescente. Parecia que a lua sorria para Lilith. Ela amava a lua. Ficou algumas horas ali, de bruços sobre uma pedra, admirando tamanha beleza. Sua mente estava vazia de pensamentos. Porém seu coração estava triste. Não uma tristeza grande. Mas uma tristeza trazida por uma espécie de solidão, de saudades. Lilith não sabia porque tinha esse sentimento, que era constante em seu coração.
Tinha como uma espécie de missão, uma busca. Varria as profundezas do mares, escuros e gelados, com seus olhos fluorescentes, a procura de algo. Sentia que o fundo do mar lhe atraia, lhe chamava. Não sabia exatamente o que procurava. Porém, mesmo assim, não desistia. Apenas lembrava-se que desde que se dera conta da própria existência, sua vida era uma busca constante.
Sentiu sono. A lua desaparecera sob algumas nuvens que começaram a surgir no céu. Lilith sentiu sono. Arrastou-se com seus braços e nadadeiras até uma parte mais profunda da gruta. Um canto mais afastado e mais aconchegante. E mais escondido, também. Apesar da gruta ser longe da praia e de difícil acesso pelas águas, já que fortes ondas arrebentavam ali perto, mais abaixo, a sereia não queria correr o risco de ser avistada por alguma embarcação que passasse por ali. Era uma ilha de pescadores, como pôde ver na outra vez que estivera ali, porque muitos barcos estavam fora da gruta que na ocasião se encontrava, quando teve que fugir às pressas.
Naquela ocasião não tivera tempo de conhecer os arredores da ilha, que gostava de fazer sempre que chegava em algum novo lugar. Costumava, quando possível, fazer um reconhecimento de 360 graus. Porque já estivera em algumas outras praias que se estendiam em terra firme e não eram ilhas. De modo que o reconhecimento era feito só mesmo às margens da terra com o mar.
Pensando nisso, recostou-se confortavelmente no cantinho que encontrara. Deitada, acomodou a cabeça numa pedra. Os longos e negros cabeços, vastos e compridos até às nadadeiras, estavam seco. Começava a fazer um certo frio, que na verdade não afetava muito a sereia. Mas, para se sentir mais confortável, Lilith espalhou seu longos cabelos por seu belo corpo, como uma coberta negra. Fechou os olhos.
Lilith adormeceu. Durante o sono chorava. O que ela não sabia era que seu choro era como um assobio, um lindo e suave canto, triste e profundo, que de tão intenso, alcançava os ouvidos mais afastados que estivessem pelas redondezas. E isso era um perigo que Lilith desconhecia que corria.
O som de seu canto foi o que chamou a atenção dos pescadores, na outra vez que Lilith estivera na ilha. Foi atrás desse som que os pescadores estavam, quando a sereia sentindo o perigo, fugira.
E nessa noite não foi diferente. Durante toda a noite os moradores da ilha ouviram o triste canto da sereia. Tão lindo, tão doce, tão suave, que adormeceram como adormecem os anjos.
________________________________________________________