Viagem
no ônibus a senhora das unhas vermelhas dá play em um jogo qualquer do celular
a criança dorme no colo da mãe que espera seu crescimento
um jovem lê um livro colorido
enquanto eu sinto saudade de uma página em branco
e saudade de um amor antigo de apertar os ossos contra o peito, enquanto meu bafo embaça a janela, e eu escrevo minha inicial sem outra inicial pra me fazer companhia
desejando alguém sentado ao meu lado, um rosto novo, bonito e bastante vívido para trocar palavras novas durante uma viagem e descobrir que fomos feitos um para o outro
mas não chega ninguém, e paro de alimentar uma fantasia triste de um amor triste e platônico; e sofro sem companhia no banco de trás.
um coração estraçalhado aparece em meio a paisagem da estrada, e se aproxima de mim, e invade meu peito como se fizesse um exerto coração sobre coração, e então tenho dois corações estraçalhados no meio do corpo. um bate contra o outro, disputando quem bombeia mais sangue.
a senhora das unhas vermelhas perde o jogo
a criança acorda e chora pelo peito materno cheio de leite
o jovem dormiu com o livro no rosto
sinto saudade do branco de uma página
e do vazio
de um coração só.