Ah! Mar

Quando o medo de não ser amado e o medo de amar se encontram, trajados um no outro, e se alimentam e se acomodam dentro de alguém, tudo se resume ao impossível amor, ao amor nenhum. E então, tudo fica seguro e silencioso no escaldante deserto do nada, o céu inteiro azul clamando a insana, a atrevida, a improvável aparição de um louco a desmanchar a mesmice. O surgimento de qualquer coisa a trazer vida no deserto arenoso dentro do peito, uma ave, um bicho, uma pessoa. O amor, que é grande e que é enorme como são os desertos, vive à espera da coragem de quem nele se enfie e nele caminhe, passo por passo, gota por gota, para só então chegar e deixar de ser só, onde só chegam os que amam amar; é ali que se encontra, ironicamente, só ali, o merecido prêmio dos solitários e numerosos amantes, alguém digno de se amar, de verdade, com tudo o que isso signifique sobre começar a construir. Sem a certeza ou a garantia ou mesmo a promessa de qualquer verdade. Apenas isto: a outra mão, o outro peito, o outro olhar, a outra asa, o outro coração, que era só e do outro, que era só do outro, ..., era. Porque assim, magicamente, o deserto desaparece sob um mar, o do amor. Ah! Mar...