Conto Nublar #033:
 
A INCRÍVEL HISTÓRIA DE JOÃO NINO CENTELHA

LUA DE MEL ADIADA
 
Parte 2/3


[...]
 

Elas ficavam na sala de visitas, enquanto a cantoria se dava no terreiro de barro bem batido.

Naquela noite não consegui dormir. Queria por que queria que ela se casasse comigo. Quando enfim consegui agarrar no sono, sonhei que havia me casado com ela e que agora estávamos no nosso leito nupcial. Só nós dois, deitados totalmente vestidos como chegamos da Igreja. Eu brincava inocentemente com ela de cutucar, fazer cócegas, bilu-bilu e dormir juntinhos, aconchegados como dois inocentes irmãos. Aliás, isso não era diferente do meu pensar, pois era exatamente isso que eu achava que aconteceria a vida inteira ao seu lado desse modo. Nunca meus pais nem ninguém chegou para me instruir sobre a vida nem o que iria acontecer em cada fase que iria atravessar. Mas lá estava eu ainda na cama e ainda sentido o sino badalar cada vez mais forte. O meu coração batia cada vez mais acelerado. Eu, no topo dos meus dezenove anos e ela, quase dezoito anos.

Meu pai estranhou a minha inércia ali, sentado no alpendre, a escutar estrelas que piscavam constantemente ao pleno sol da manhã, como a dizer-me sim para cada pensamento que eu ia tecendo sobre mim e a Rosinha.

_ “Meu Fio! Tô t'estranhando. Derna aquela cantoria que você anda assim, mei isquisito. O qu'está acontecendo com você? Será que eu posso ajudar nalguma coisa?”

_ “Ah, meu pai! Uma coisa estranha está ferviando aqui no meu peito que está me deixando todo estranho. Eu acho qu'estou apaixonado.”

_ “Arre égua, Mô fio! Que bicho foi que te mordeu? Me conta o que te assucedeu!”

_ “Ah, meu pai! Me apaixonei pela mais bela flor da região!”

_ “Corre aqui, Zinha! Eita que nosso fio ficou bilé da cabeça! Onde já se viu se apaixonar pruma fulor?”

_ “Ah, meu pai! Né nada disso não! E que quando vi a Rosinha, a filha do Coronel, não consigo mais parar de pensar nela. Eu quero lhe pedir que o senhor peça ela em casamento pra mim. O senhor faz isso por mim?”

_ “Eita lasqueira, fio meu! Claro que faço sim, Hoje mesmo de manhã vou lá na casa do cumpade falar com ele. Vista a mió roupa que cê tem e vá logo arrear os cavalos”.

Às nove da manhã lá fomos nós à casa do coronel. Lá chegando, batemos palmas da varanda e gritamos em alta voz:

_ “Louvado seja Nosso Sinhô Jesus Cristo!”. Ouvimos uma voz de mulher em resposta:

_ “Para sempre seja louvado!” E chegando na varanda: “Vamo entrano, Cumpade Zé! O Coroné Rufino tá cá dentro, na preguiçosa da sala de visitas.”

_ “Com licença, Cumade Sinhá! Bom dia, Cumpade Rufino!”, saudou o meu pai ao entrar.

_ “Bom dia, Cumpade Zé! Ô muié! Traz um cafezim bem fresquim aqui pro cumpade e o moço!“ _ E, falando pra nós: _ “A que devo o prazer dessa visita assim tão cedo?”

Eu suava feito caldeireiro de engenho de rapadura. Não via a hora de tudo aquilo terminar. Dona Sinhá trouxe um cafezinho bem fresquinho, acompanhados de chapéu de couro, fritos na hora.

_ “Como sei que o cumpade é um homem muito ocupado, vamo logo tratar do assunto que aqui me trouxe”...

Pra resumir, depois de longa conversa e ponderações de ambos os lados, o Coronel cedeu e resolveu me dar a mão da Rosinha em casamento, mas antes mandou chamá-la para saber se era de pleno acordo. Para minha alegria ela nem pensou duas vezes pra me dar a resposta positiva. Era a 7 de maio de 1963. Um dia de lua cheia, me lembro como se fosse hoje.

De volta pra casa, o meu pai falava das providências que eu deveria ter de tomar, pois o casamento já deixamos marcados para 3 de agosto desse mesmo ano, um sábado, vésperas de lua cheia. Soava até poético: “lua de mel em plena lua cheia”. Era bonito demais de se ver! Meu pai falava tantas coisas e eu só via nós, a Rosinha e eu em nossa casa brincando feito duas crianças crescidas.

Enquanto o Coronel meu futuro sogro providenciava as coisas pra festança, o boi cevado, as galinhas, o barrão e tudo o mais, meu pai me ajudava na construção da casa. Era uma casa de adobe, mas bem rebocada pra casa nenhuma de tijolo botar defeito. O piso era de chão bem batido. Ainda me lembro que contratamos um grupo regional para dançar o coco justo no terreiro e em cada cômodo da casa que acabávamos de construir. Pense nunca coisa gostosa e divertida. Todos alegres naquela dança bem ritmada, Só na pisada, tum-tum-tum. 1, 2, 3 para um lado, girava no ritmo e 1, 2 3 para o outro. O chão molhado ia se compactando até ficar bem batidinho, quase igual ao chão de cimento queimado. Ficou bom demais da conta.

A cama eu fiz de pau, com quatro forquilhas bem fortes, o lastro fiz um trançado de vara tesa de marmeleiro e amarradas com embiriba. Era forrada com quatro esteiras fofas de palha de bananeira. O colchão comprei na feira, daqueles de enchimento de palha seca e bem fofinho pra nós dois dormirmos nele.

O dia do casório se aproximava e as coisas estavam como deveriam ser. Casa pronta, despensa cheia, celeiro abarrotado de cereais e legumes. Um curral com duas vacas paridas muito boas de leite. Tudo nos conformes. A cacimba de água pura e de ótima qualidade era uma dádiva divina. Comprei dois penicos de porcelana que eram uma beleza de urinol. Um azul, pra mim e outro cor de rosa, para ela. Se fosse preciso daria para usar umas três vezes por noite com folga. A sentina era lá no fundo do quintal. Essa fiz a capricho. Duas casinhas, uma para casa de banho e a outra pra nós derrubarmos o barro.

Construí um fogão a lenha com uma chaminé possante pra fazer um bom arraste das chamas. Comprei na feira uma mesa de angico com quatro tamboretes. Pense como ficou só o pitéu! Minha mãe mandou fazer um terno de casimira, uma dúzia de ceroulas, toalhas e umas roupas. Faltava uma semana pra nós unirmos os trapos.

Meu pai contratou Mestre Zé do Fole para fazer a festa de despedida de solteiro. Tinha muito churrasco de porco, mugunzá com feijão, bucho e carne seca, aluá, quentão, bolos de milho, macaxeira, carimã, pão-de-ló e muitos outros petisco. Foi um festão inesquecível.

Não posso me esquecer do primo Zequinha. Ele veio para mim com uma conversa meio esquisita que nunca esqueci, mas que me ajudou bastante na noite de núpcias. Ele era um garoto esperto da cidade grande. Era estudado e sabia tanta coisa da vida que ninguém, nem meus pais nunca tinham me falado.

_ “E aí, Nino! Muito animado para o grande dia?”

_ “Claro! E não haveria de estar?”, _ Respondi prontamente.

_ “E você está preparado pra encarar a coisa preta! Já amolou a “lambedeira” pra romper a porteira do curral?”, perguntou ele todo despachado.

_ “Oche, menino! Do que tu tá falando? Num sei disso, não! Tá doido! Minha peixeira está sempre afiada, mas não tenho nenhuma porteira pra arrombar, não. Tás doido?”

_ “Caracas! Tás brincando,né? Você sabe o que vai fazer com sua Rosinha depois do casório, não sabe? Na hora do vamos ver, sabe o que vai acontecer?”

_ “Ai, meu Deus! Do que tu tá falando, menino! Claro que sei! Vamos nos deitar um ao lado do outro, fazer uns carinhos nela, fazer umas 'cosquinhas' no sovaco dela e dormir abraçadinhos. E só.”

_ “Eita que mané! E tu não disse que queria ter com a Rosinha uns dez bruguelos? E acha que desse jeito vai nascer algum?”

_ “Claro que vai, Zequinha! Não é pra isso que tem as cegonhas?”

_ “Ai, meu Deus do Céu! Santa inocência! Não é à toa que teu nome é Nino Centelha, Senta aqui que vou te contar tudo!”

Então o primo Zeca contou-me tudo o que o precisava saber pra não fazer feio na hora do vamos ver. Aprendi que aquilo ali não servia só pra verter água, mas além de dar um bom divertimento para os dois, foi através de um igualzinho àquilo que ele e eu viemos ao mundo e era com isso mesmo que iria realizar o meu sonho de ter meus 10 filhos e fazer a Rosinha uma mulher feliz e realizada. Porque fui saber daquilo? [...] _ “E assim, se brincar de avestruz em perigo, vai trazer cegonha direto à tua porta. Entendido?” _ Concluiu o Zequinha.

- "Que é que a avestruz tem a ver comigo e a Rosinha?"

- "Tenha a santa paciência, Nino! Me poupe, Homem! Presta atenção! O avestruz em perigo o que é que faz? Enterra a cabeça no buraco. Pra mim chega!"

- "Calma, homem! É muita coisa de uma só vez, mas acho que estou começando a entender. Deixa comigo!"

Claro que eu entendera tudo. Agora as expectativas do casório ficaram mais interessantes e só pensava nisso.

Enfim chegou o grande dia. Na casa do Coronel Rufino estava tudo preparado. O noivo não se atrasou nem um segundo. Chegou até uma hora mais cedo. Suava aos cântaros. Não via a hora chegar. O Celebrante e o Juiz de Paz na Roça chegaram de charrete.

A cerimônia começou à tardeinha, às 5h 30min. A lua cheia começou a despontar no horizonte, brilhante e bela como nunca. Nino nem prestava atenção ao que os celebrantes diziam. Só pensava na Rosinha que estava deslumbrante. Nunca vira uma noiva tão bela e radiante. O célebre sino do amor repicava em fortes badaladas que somente ele as ouvia e delirava com a estonteante felicidade que lhe envolvia naquele instante. Só despertou daquele quase transe quando o celebrante exigiu dele o sim que prontamente respondeu. Ouviu radiante o sim da Rosinha. Quando foram declarados marido e mulher e permitiu-se-lhe o beijo, o sino já badalava aos dois uma belíssima sinfonia de amor.

Depois de partir o bolo, deu-se início ao baile que começou logo após o jantar e foi até as quatro da madrugada. Quando os pombinhos se preparavam para fugir para o seu ninho, aparece o Coronel Rufino:

_ “Onde pensam que vão? Deixa a Rosinha aqui, meu genro e volte pra sua casa. Só venha apanhar ela só daqui a oito dias”. _ Fiquei fulo de raiva!.

_ “Mas, Coronel...!” _ Ao que ele replicou-me interrompendo:

_ “Mas coisa nenhuma e só volte daqui a oito dias pra pegar a Rosinha! Chispa! Chispa!” _ Foi curto e grosso.


Continua no próximo episódio...



Ouça no Youtube QUERIDA com MOACIR FRANCO

Alelos Esmeraldinus
Enviado por Alelos Esmeraldinus em 07/10/2011
Reeditado em 12/06/2020
Código do texto: T3262384
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