Opinando e Transformando - Nic Cardeal
Nome: Nic Cardeal
Breve biografia: Nic Cardeal (Eunice Maria Cardeal), catarinense radicada em Curitiba/PR desde 2006, graduada em Direito, funcionária pública federal aposentada pela Justiça Federal, é escritora, poeta, autora dos livros ‘Sede de céu – poemas’ (Penalux, 2019) e ‘Costurando ventanias – uns contos e outras crônicas’ (Penalux, 2021). Possui textos publicados em 44 antologias e coletâneas, no Brasil, Portugal e Alemanha. Faz parte do movimento Mulherio das Letras desde a sua criação, em 2017. Seus escritos estão compilados na página do Facebook: “Escrevo porque sou rascunho”. Possui textos publicados em diversas revistas e blogs eletrônicos. Também publica, como autora e colaboradora, na revista eletrônica ‘Revista Feminina de Arte Contemporânea Ser Mulher Arte’.
1) Em sua opinião, o que é cultura de paz?
NC: Creio que a expressão cultura de paz pressupõe um conjunto de normas de conduta, de saberes ou de hábitos, que tem como princípio a preservação da paz entre os seres – e entendo aqui não apenas os seres humanos, mas também a relação deles com as demais espécies que habitam o mesmo planeta – animais, vegetais, enfim, toda a diversidade de vida presente na Natureza.
Na convivência social entre os variados agrupamentos humanos e suas diversas culturas, é necessário então que haja uma cultura de paz que permita o diálogo e a mediação para a resolução de possíveis e/ou inevitáveis conflitos, deixando de lado atitudes ou ações violentas, e respeitando a diversidade dos modos de pensar e de agir dos integrantes dos variados grupos sociais. Portanto, para que se possa obter essa cultura de paz, há necessidade de um exercício cotidiano de atitudes pacíficas diante do outro, dos outros, nas relações sociais, e creio mesmo que a paz deva ser diariamente estimulada, ensinada, aprendida. Obviamente que para se alcançar tal intento é preciso banir a violência, não apenas das relações humanas, mas também entre os humanos e as demais espécies. Conforme disse Mahatma Gandhi, “não existe caminho para a paz... A paz é o caminho”!
2) Como podemos difundir de forma coerente a paz neste vasto campo de transformação mental, intelectual e filosófica?
NC: Penso que, para difundir de forma coerente a paz, é preciso que primeiro a pratiquemos no cotidiano com nossos pares, familiares, amigos, fortalecendo os vínculos de afeto, sabendo escutar, praticando uma comunicação não-violenta, colaborando para um ambiente participativo, agindo com empatia, tolerância, solidariedade, sensibilidade e compreensão em todos os âmbitos, seja em questões de gênero (identidade e orientação sexual), raça, posição social, seja quanto à participação democrática, ao desarmamento, aos direitos humanos etc.
É evidente que uma educação de qualidade – que deve começar já no âmbito familiar e depois se estender nas instituições de ensino, nas relações de trabalho etc. – é fundamental para que se obtenha êxito na difusão da cultura de paz, pois é necessário modificar o pensamento individual (comumente egocêntrico), para atingir esse objetivo de transformação mental, intelectual e filosófica, de modo que se tenha uma perspectiva coletiva no movimento pela paz. As atitudes individuais de generosidade, solidariedade e não-violência devem ser praticadas diariamente, de modo que venham a abarcar também o coletivo, pois sabemos que cada ação individual afeta o outro (tanto positiva quanto negativamente), por isso é preciso que estejamos constantemente atentos aos nossos pensamentos e atos em relação ao outro e ao todo – o coletivo. É necessário que pratiquemos a empatia, que valorizemos a diversidade de experiências, o diálogo e a cooperação, o desenvolvimento sustentável como um estilo de vida baseado no respeito à toda forma de vida, bem como na promoção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, não nos calando diante de injustiças, não respondendo à violência com mais violência, ajudando o próximo, enfim, sempre lembrando da grande máxima de Paulo Freire: “Não existe imparcialidade. Todos somos orientados por uma base ideológica. A questão é: a sua base ideológica é inclusiva ou excludente?” Não acho que seja possível melhorar um país, ou mesmo o mundo, sem um pensamento de cultura de paz, que pressupõe uma base ideológica inclusiva, ou seja, com a inserção de todo o seu povo na sociedade, e sem discriminações de qualquer espécie.
3) Como você descreve a cultura de paz e sua influência ao longo da formação da sociedade brasileira/humanidade?
NC: Historicamente, pelo que tenho conhecimento, a expressão cultura de paz surgiu em 1995 como um programa da UNESCO, que estabeleceu seis pontos principais a serem disseminados por uma “Cultura de Paz e Não-Violência”: 1) respeitar a vida; 2) rejeitar a violência; 3) ser generoso; 4) ouvir para compreender; 5) preservar o planeta; e 6) redescobrir a solidariedade. Posteriormente, em 1999, a Assembleia Geral da ONU convocou um movimento global, para uma cultura de paz. Assim, de acordo com o calendário da ONU, o ano 2000 foi considerado “Ano Internacional da Cultura de Paz”. Ficou instituído então que a década seguinte, até 2010, seria reconhecida como a “Década Internacional para uma Cultura de Paz e Não-Violência para as Crianças do Mundo”. Infelizmente, hoje está mais do que evidente que esse projeto está muito longe de alcançar seu objetivo, pois já estamos em 2021 e esse tema continua muitíssimo urgente e necessário! Há muito o que ser construído em termos de respeito, dignidade, empatia, igualdade de direitos, participação democrática etc.
4) A cultura, a educação, libertam ou aprisionam os indivíduos?
NC: Com certeza libertam, não tenho nenhuma dúvida disso! Penso que a educação e a cultura são sempre imprescindíveis, principalmente em momentos sociais e políticos muito conturbados, como o que vivemos atualmente, não apenas no Brasil, como também em todo o mundo, quando o interesse dos que detêm as esferas do poder é que a maioria da população se mantenha estática, inerte, sem conhecimento e sem compreensão da dinâmica excludente e massacrante do capitalismo.
Partindo do entendimento de que a vida em si é um ato político, e que todo ato político pressupõe mais de uma pessoa, envolvendo o bem comum de todas, é evidente então que se torna necessário buscar esse bem comum, e isso se alcança muito mais facilmente através da educação e da cultura. Aristóteles dizia que “a felicidade plena do ser humano só é alcançada em sociedade, pois o homem é um ser político por essência”. Assim, é importante que os indivíduos não sejam alienados da realidade e que se posicionem no contexto em que vivem, com liberdade de expressão, claro que sempre em defesa da educação, considerando a importância da história e da política do país e do mundo, com uma visão clara sobre a importância de uma educação de qualidade. Só assim é possível mudar a visão e, principalmente, a consciência das pessoas, de maneira que possam deixar de ter pensamentos e atitudes excludentes em relação aos outros, e passem a ser inclusivas, no verdadeiro sentido de um país e de um mundo mais democrático, justo e humano. Nesse aspecto, considero que a educação, a cultura, a arte, a literatura, enfim, todas as áreas do conhecimento humano, têm papel social importantíssimo para a liberdade dos indivíduos e para uma cultura de paz!
5) Comente sobre o espaço digital, destacando sua importância na difusão do despertar da humanidade.
NC: Acho que o dito popular faca de dois gumes é muito adequado ao espaço digital, ou seja, por um lado é muito benéfico, no entanto, em determinadas circunstâncias pode ser extremamente prejudicial. E sabemos muito bem disso, pois atualmente o mundo virtual está repleto de ações criminosas, de fake news, de disseminação indiscriminada de notícias e de informações falsas, que interferem negativamente em diversos setores da sociedade, principalmente na política, na saúde e na segurança. Isso tudo acaba influenciando sobremaneira os mais crédulos e ingênuos, fazendo com que tomem atitudes prejudiciais a si mesmos e ao coletivo, pois tais ações os induzem a erros – e tais erros podem gerar (ou quase sempre geram) consequências desastrosas. Claro que o espaço digital também favorece a rápida disseminação da cultura e do conhecimento, quando a intenção da fonte de compartilhamento é segura e honesta, o que de fato colabora na difusão do despertar da humanidade. Por isso a necessidade de muito cuidado, leitura de fontes confiáveis, discernimento e percepção acerca da veracidade dos fatos. Além disso, é preciso, por parte dos governos, em todo o mundo, a urgente regulação dos meios de comunicação [veja bem, não se trata aqui de cerceamento à liberdade de comunicação, ou à liberdade de imprensa – mas tão somente de estabelecimento de regras, respeitados os limites impostos pela Constituição Federal acerca do assunto].
6) Qual mensagem você deixa para a humanidade?
NC: Diante desses tempos mundiais tão conturbados, acredito que a melhor mensagem, muito atual por sinal, é a do Prêmio Nobel da Paz de 1984, Desmond Tutu, um dos símbolos mais importantes da luta contra o Apartheid na África do Sul, que assim disse, à época: “se você é neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor”. Penso que essa afirmação leva a uma reflexão muito importante, que deve ser feita diariamente, para que não percamos de vista a necessidade de estarmos sempre atentos na defesa das maiorias ‘minorizadas’ e injustiçadas pelo sistema capitalista.