Entrevista com o escritor Antônio Torres da Academia Brasileira de Letras por Rodrigo Poeta
1 – O que despertou você para a Literatura?
- Foi um caso de amor à primeira leitura, na escola da minha infância, na qual todo dia era dia de recital de poesia de Olavo Bilac (“Criança, não verás país nenhum como este”...), Castro Alves (“Auriverde pendão da minha terra/ que a brisa do Brasil beija e balança”...), Gonçalves Dias (“Não chore, meu filho/ não chore,/ que a vida é luta renhida,/ viver é lutar”), Casimiro de Abreu (“Ai que saudade que eu tenho/ da aurora da minha vida”...), este podendo até levar à pergunta: como aqueles meninos viriam a ter saudade da aurora de uma vida na qual ainda estavam? Mas não. O encanto que tais leituras lhes traziam superava qualquer estranhamento. Nesse contexto, comecei a rabiscar os meus primeiros textos, que guardava debaixo do colchão da cama em que dormia, com medo da vergonha que iria passar se um adulto os lesse.
2 – Como nasceu o seu primeiro livro, “Um cão uivando para a Lua”?
- Ao visitar um amigo que estava internado num hospício, e sendo tratado com eletrochoques, senti um forte abalo emocional, provocado não só pelo que ele estava passando, mas por todo o ambiente ao seu redor. Ao voltar para casa, pus no aparelho de som um disco do trompetista Miles Davis, cujos improvisos lancinantes ao tocar uma terna canção chamada “My funny Valentine” me trouxe à memória a imagem de um cão uivando para a Lua. Foi aí que me surgiu a ideia de escrever a história de um doido a bater papo consigo mesmo o tempo todo. Oito meses depois eu tinha um romance nas mãos, que veio a causar um grande impacto na crítica e no público, lá se vão quase 50 anos. Tudo que me aconteceu depois foi uma consequência daquela feliz estreia, nas palavras de Aguinaldo Silva, na primeira resenha publicada sobre “Um cão uivando para a Lua”.
3 – No livro “Meu Querido Canibal”, como foi feita a pesquisa sobre o grande Cunhambebe?
- Aos retalhos: uma linha aqui, outra ali. Como Cunhambebe não dominava a escrita, a sua epopeia ficou reduzida aos verbetes dos historiadores brancos. Para contar a história dele tive de fazer um grande esforço de reportagem, ao mesmo tempo em que dava asas à imaginação, pois, como não dispunha de elementos para escrever uma biografia, naveguei pelas águas ilimitadas do romance.
4 – De Sátiro Dias, cidade do interior baiano, para imortal da Academia Brasileira de Letras. Descreva o seu passado, presente e futuro de sua vivência.
- O passado me levou a experiências que ainda me nutrem no presente, este tempo em suspenso em que vivemos, a contar ausências, entre uma pandemia e um pandemônio, e do qual espero sobreviver, para chegar ao futuro com velhas e boas histórias a serem bem contadas.
5 – Qual dos seus romances você mais se identifica?
- O que acaba de ser publicado, “Querida Cidade”. Estou todo nele, tanto na pele e na alma do seu protagonista, quanto de muitos dos personagens secundários, embora não se trate de um romance autobiográfico, e sim de uma narrativa com espaço total para a fabulação e a busca da invisível corrente rítmica do texto, o que, afinal, faz parte integral das minhas obsessões.
6- Qual a sua análise sobre a Literatura no Brasil atualmente?
- Pelos muitos e excelentes livros que têm me chegado, deduzo que a nossa literatura vai muito bem. Assim por alto, ao correr das teclas, cito os romances “Nesta terra nada vai sobrar, a não ser o vento que sopra sobre ela”, de Ignácio de Loyola Brandão; “Um dia chegarei a Sagres”, de Nélida Piñon; “As meninas do coronel”, de Aramis Ribeiro Costa – um extraordinário romancista baiano ainda a ser descoberto no Sudeste -; “Terra dividida”, de Eltânia André, uma bela autora mineira no ponto para ser lida Brasil adentro e afora; incluo no mesmo caso o premiado Maurício Melo Júnior, de Pernambuco, de quem estou lendo “Não me empurre para os perdidos”, seu 24º. livro, e segundo romance. Por fim, mas não por último, Itamar Vieira Júnior que, com “Torto arado”, se tornou o fenômeno literário da temporada. No conto, destaco “Todos os desertos: e depois?”, do sempre bom mineiro Ronaldo Cagiano. Fecho a lista com “A Terra em Pandemia”, longo poema narrativo de Aleilton Fonseca, que é também romancista (“Nhô Guimarães” e “O pêndulo de Euclides”), além de contista e cronista. Há mais e mais na minha bancada aqui ao lado, para todos os gostos literários. Viva o escritor brasileiro.
7 – Como prosador, já se aventurou na escrita poética?
- Sim, no começo, quando era o menino queria ser Castro Alves. Ao chegar a adolescência, um professor me disse: “Acho que você vai se sair melhor na prosa do que na poesia”. Os meus 18 títulos publicados até agora demonstram que ele estava certo. Mas meu fascínio pela poesia continua o mesmo de quando a descobri na escola da minha infância rural.
8 – Conta um pouco sobre o seu novo livro “Querida Cidade”.
- “Querida Cidade” surgiu de um sonho, belamente refletido em sua capa pelo artista gráfico Leonardo Iaccarino. É o meu 12º. romance, e levou 12 anos para chegar ao ponto final. Acaba de ser publicado pela editora Record e já está em todas as livrarias e também pode ser encontrado na Amazon, que entrega em casa. Foi escrito tendo por mote uma música chamada “Dolores Sierra”, quando diz que quem nasce na roça tem sempre a ilusão de viver na cidade. E resultou numa história cheia de histórias, bem brasileiras. Já há quem diga que é o meu melhor romance. Tomara que seja mesmo.
9 – Deixe uma mensagem para os nossos leitores e amantes da boa literatura.
- No país que deu Machado de Assis, Raquel de Queirós, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Guimarães Rosa, Clarice Lispector etc., só podemos é ter fé e orgulho na nossa literatura. No mais, é como dizia o poeta português Alexandre O’Neill, meu amigo de toda a vida:
“Folha de terra ou papel,
Tudo é viver, escrever”.