Ricardo Alfaya entrevista Rosy Feros
1) Por que você escreve?
Escrevo para poder fazer respirarem as emoções, tirar para fora em forma de palavras outras pessoas que não só a Rosy que está a escrever agora.
2) O que você considera mais importante para que uma poesia seja classificada como de boa qualidade?
Sua profundidade temática, ver se ela consegue (e como consegue) alcançar a nossa base psíquica coletiva, nosso íntimo tão íntimo que passa a ser universal, conhecido por todos. Se uma obra consegue falar comigo neste nível, além das limitações biográficas de seu autor, percebo nela características de uma obra de arte.
3) Que autores influenciaram sua forma de escrever?
Não sei dizer, creio que todos os que já passaram por meus olhos, mãos e ouvidos. Como não ser influenciada por todas as leituras? Não sei se são propriamente influências, mas tenho duas escritoras especiais na memória: Cecília Meireles e Clarice Lispector. A primeira, por conseguir ser leve como quem canta docemente às crianças, ao mesmo tempo que é profunda. E a segunda, pela ousadia em passear literariamente pelos recônditos psicológicos que mal conhecemos.
4) Sente o escrever como missão, lazer, prazer ou como conditio para a sobrevivência? Você acha que poderia parar de escrever?
Para mim, escrever é meu lazer, meu prazer, minha missão pessoal e permanente conditio para minha sobrevivência psíquica e espiritual. Talvez, por congregar tudo isto, ela seja para mim tão importante. :-) Parar de escrever? Só quando morrer.
5) No seu entender, o compromisso social é uma condição essencial para um bom escritor?
Mais que um compromisso social, creio que o escritor deve estabelecer um profundo compromisso com ele mesmo. Se estiver absolutamente comprometido consigo mesmo, estará naturalmente comprometido com a humanidade e com o que há de mais universal. A meu ver, pensar só em termos sociais é pensar pequeno, é ser mero repórter de fatos datados, e não propriamente um escritor como eu concebo.
6) Que influência a Internet exerceu em sua escrita?
A internet (numa continuidade do videotexto do final dos 80 e começo dos 90) me deu a grande possibilidade de estabelecer diálogos poéticos com outros autores, escrevendo a 4, 8, inúmeras mãos. E, com um detalhe: on line, em tempo real. Esta experiência de ação-reação poética, de combinações e justaposições literárias, é maravilhosa! Penso que todo escritor deveria experimentá-la. Além disto, a velocidade das comunicações, principalmente por e-mail, impelem à concisão, a uma objetividade poética, por assim dizer. Devido ao contato intenso com muitas pessoas, muitos poemas meus foram gerados de "conversas de e-mail" (essa nova forma epistolar de comunicação), assim como vários textos surgiram durante a navegação por vários sites. Em meio a esses processos contínuos de interação, a poesia sempre se esgueira, imprevista e inquieta. Cada vez mais escrevo poemas diretamente no computador, às vezes no próprio programa de e-mails. As letras digitadas voam mais rápidas do que as que saem da caneta... e, a bem dizer, a exceção, hoje, é eu escrever em papel.
7) Você acha que sua escrita poderá vir a afetar de alguma forma a realidade?
Sim. Toda forma de escrita comprometida com a vida transforma a realidade.
8) Que qualidade considera fundamental num escritor?
A sinceridade consigo mesmo e a sensibilidade de perceber os vários véus de Maya que encobrem, com nuvens, nosso cotidiano.
9) A crítica literária ajuda ou atrapalha?
Ajuda, ao divulgar em larga escala na mídia trabalhos de autores, sejam eles consagrados ou novos. E atrapalha, quando busca submeter textos fora do padrão de seu tempo e lugar a fôrmas ideológicas e estéticas já desgatadas, anacrônicas e/ou subjetivas, que serviram a outras épocas ou que se encaixam perfeitamente ao manequim literário de certos autores, e não de todos.
10) É notório que existe uma quantidade enorme de escritores, sobretudo no campo da poesia, em detrimento do número de leitores. A grande quantidade é para você um incentivo ou um desalento?
Acho o máximo ver um monte de gente fazendo literatura nos dias atuais. A internet é a grande facilitadora contemporânea da literatura, por mais que as mentes conservadoras digam o contrário. Toda essa gente só me estimula, é um alento enorme. São um público-alvo maravilhoso, com quem posso compartilhar meus textos e até escrever em parceria.
11) O que acha que poderia ser feito, se é que poderia, para que mais pessoas se interessassem pela literatura?
Divulgar o trabalho dos autores contemporâneos junto aos jovens que ainda não sabem que podem vir a ser, eles também, novos autores. Em parte, as pessoas não se interessam em ler literatura pois muitas vezes a associam, viciosamente (condicionadas pela Escola e pelos críticos literários de primeira grandeza), a autores do passado, acreditando que os antigos nada têm a dizer aos jovens de hoje. É preciso criar um "link" entre o que se faz hoje, em literatura, e os clássicos escritos por expoentes de outras épocas, estabelecendo um vínculo emocional e de sentido entre passado, presente e futuro.
12) Que ambiente você prefere para escrever?
Se estiver sozinha, é uma ótima pedida, um convite a escrever a qualquer hora do dia. E cada vez mais sinto falta da rapidez dos dedos sobre o teclado... a caneta se parece cada vez mais lenta e pesada... Vamos dizer que um computador portátil sobre a cama, eu no quarto, sozinha, à noite, seria perfeito. [risos].
13) Manhã, tarde, noite - Existe um horário que lhe seja mais propício ao escrever ou isso lhe é indiferente?
Noite, sem dúvida alguma! Sei escrever melhor e mais livre à noite. Até meus poemas falam dela... [risos] Escrevo, de preferência, antes de dormir. Espécie de assepsia ou oração, talvez.
14) Você utiliza algum artifício que o induza a um estado de espírito favorável à escrita?
Escrever ouvindo música é particularmente agradável. No mais, só o artíficio de me livrar das obrigações cotidianas, a fim de deixar fluir melhor o que quero expressar no momento.
15) O que é melhor: escrever ou ver publicado?
Escrever, sem dúvida! Ambos estão intimamente relacionados, claro, pois quem escreve com o firme propósito de escrever quer ser lido, e quer ser lido por outro que não ele mesmo. Ver nossos trabalhos publicados dá uma sensação especial de concretização, de obra feita, passível de ser compartilhada e comentada. Mas, ainda assim, fico com a necessidade de escrever.
16) Escrever em computador, à mão ou em máquina de escrever. Faz diferença para você?
Já respondi, mas reforço: escrever em computador possibilita uma velocidade de expressão que não tenho à caneta, e esta é a grande diferença para mim. A máquina de escrever já aposentei há tempos, não quero mais saber dela. Hoje fico entre os dois extremos, a caneta e o computador. Quando escrevo à caneta, coisa rara, sinto insatisfação por tudo aquilo que me passa em idéia enquanto estou a garranchar... É como se no computador eu conseguisse correr mais atrás das letras, a tempo de alcançá-las e capturá-las em textos. E isto acaba sendo um círculo vicioso delicioso: quanto mais fácil e rápido é escrever no computador, mais eu escrevo. O computador, hoje, é meu grande aliado literário.
[Entrevista concedida a Ricardo Alfaya em 2001 para o site Blocos Online - www.blocosonline.com.br ]
Conheça o site oficial do escritor Ricardo Alfaya e seu trabalho em "Nozarte":
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