UMA ENTREVISTA
Confesso que foi difícil falar com ele, encontrar um tempinho para que desse uma entrevista. Há anos que tentamos e não conseguimos, também pudera é um homem muito ocupado com a lide da roça, cria suas cabras e tem que suster seus bois de comida mesmo nesta época difícil, se é que tem época boa no Nordeste, porque senão passará fome, ele e suas rezes. Também tem outra coisa o sujeito é muito tinhoso e mal humorado, nunca quis dar entrevista alguma prefere ser um invisível como se autodenomina, diz que escreve não porque gosta, mas porque é impelido a tal, nos disse que se não ler e escrever endoidece de vez, é uma necessidade, mesmo que ninguém perca seu tempo lendo suas coisas, ele nos disse que o que escreve é apenas o descarrego daquilo que ficou sedimentado em sua memória prodigiosa, mas até que enfim ele nos concedeu a tão querida entrevista. Viajamos até Gararu, há uns duzentos quilômetros da capital de Sergipe, Aracaju. Foi aqui na Fazenda Lagoa do Cabo que ele resolveu passar o resto de sua vida.
Quem é você?
Boa pergunta, também gostaria de saber quem sou, mas posso lhe dar algumas pistas. Bem, nasci em Pilão Arcado, sertão da Bahia em 1968, gosto de música, de literatura de cinema, e tenho interesse por muitas coisas, pela música, literatura, cinema, as artes plásticas, sou meio inquieto e a minha inquietude beira a insatisfação diante das coisas do mundo, sou contraditório, às vezes me vejo como um pessimista e às vezes como um otimista quanto a mim e ao mundo. Já fiz de tudo um pouco, fui vendedor, dono de soparia, digitador e operador de computadores, bancário, professor, ator amador, um tanto de coisas, na faculdade fiz cinema, fui uma época militante partidário, roqueiro, fui preso num protesto contra a ditadura, enfim; hoje estou mais quieto aprendi que a quietude é tudo, no seu canto é mais difícil alguém lhe perturbar. Hoje vivo aqui entre a cerca e a seca do sertão, cuidando de minhas vaquinhas e tentando sobreviver às adversidades que não são poucas.
Onde estudou?
Meus estudos se iniciaram como todo garoto pobre numa escola pública em Paulo Afonso, sertão da Bahia onde morei até os nove anos de idade, isso em meados dos anos 70. Estudava numa escola da Vila Operária de Paulo Afonso e todo dia pegava um ônibus chamado "papa-fila" na verdade era uma FNM "barriga d’água" que carregava em seu espinhaço um ônibus e íamos para a escola, nesta época estudava, mas não tinha noção porque fazia aquilo, tinha uma inadaptabilidade muito grande em relação à escola, sempre me sentia só e não me relacionava com os colegas de classe e vivia meio que sozinho, (e sou de uma família enorme somos 10 irmãos) ia muitas vezes para outros lugares ao invés das aulas, perambulava pelas ruas da vila e me sentia muito só e triste, subia até o topo da colina onde ficava uma igrejinha de pedra linda, igreja de São Francisco. Estudei em Paulo Afonso até os nove anos quando nos mudamos para Aracaju em 1967. Lá conclui o primário numa escola pública chamada "Lourival Fontes" homenagem ao ministro da propaganda de Vargas o senador sergipano Lourival Fontes, depois estudei no Colégio Castelo Branco, depois fui pro Atheneu Sergipense, onde cursei o Ensino Médio. Como não tinha dinheiro e estimulo para fazer faculdade de imediato, fui procurar emprego, assim fui nesse período vender de roupas, trabalhei como digitador e depois fui bancário, mas sempre com o desejo de um dia fazer faculdade. Só com 19 nos é que iniciei meu curso superior, fiz licenciatura em História pela Universidade Federal de Sergipe. Foi um período também difícil com pouca grana e sem disposição para fazer o curso e não gostava muito da história de ser professor de história, embora ame a história propriamente dita, achava o curso meio chato e tedioso e não queria ser professor de jeito nenhum, mas acabei por sê-lo. Lembro-me que na faculdade conheci algumas pessoas interessantes fiz algumas viagens a congressos e encontros de historiadores e no curso tive algumas disciplinas que gostava como Filosofia da história e Política, Sociologia, mas não queria muito concluir aquele curso e tentei inclusive mudar para Jornalismo, mas não deu certo, fiz o vestibular e não passei, nessa época tinha um bar o Casa Caiada e a lida do bar me impedia de estudar. Por estas épocas conheci minha companheira L. com quem vivo até hoje.
Qual o tipo de literatura que você gosta?
Não tenho um autor predileto e minha formação não foi uma formação digamos assim linear, sempre gostei de ler coisas diferentes, comecei me interessando pela leitura quando minhas irmãs liam para mim trechos da Bíblia o livro de Ruth, Daniel, enfim... depois Li por conta própria alguns livros infantis como o "Menino do Dedo Verde" e O Pequeno Príncipe, depois fui crescendo e lendo outras coisas, paralelo a isto lia gibis, literatura de cordel, depois HQs, quando comecei a me interessar pela literatura e pela poesia aí já era um adolescente, li Machado de Assis, Guimarães Rosa, Graciliano, mas obras pontuais, como O alienígena, e outros contos machadianos e Dom Casmurro, de Guimarães Rosa Grande Sertão Veredas e a Hora e a vez de Augusto Matraga, entre outros, li também Euclides da Cunha, alguma coisa de Padre Vieira, poesia nacional , Cruz e Souza, Augusto dos Anjos, os modernos como Manoel Bandeira de quem tenho muita admiração, Carlos Drummond de Andrade, Lima Barreto, Mário e Oswald de Andrade, Nelson Rodrigues, enfim segui aquele itinerário... mais velho lá pros 18 19 ano começou a ler a literatura mais universal, como a poesia de Rimbaud, Verlaine, Blake, Marlamé, depois li Céline e toda aquela literatura francesa mais "pesada" mais existencialista. Aí travei contato com a literatura alemã através de autores como Thomas Mann e Heinrich Mann, Kafka que acho um dos maiores escritores de todos os tempos, comecei a ler os clássicos gregos: Homero, Dante, algumas obras de Shakespeare, depois Li Proust, Flaubert, Stendhal, e claro, Miguel de Cervantes, o universal D. Quixote de La Mancha. Também li algumas novelas de Shakespeare.
Quais os autores que mais lhe marcaram?
É difícil lhe dizer, mas dos escritores internacionais o autor que amo e considero muito é Albert Camus, sobretudo o livro "O estrangeiro", talvez porque nesta época eu comecei a ler filosofia e a filosofia começou a impactar sobre a minha visão de mundo, nesta época flertei com o marxismo e depois com o existencialismo de Sartre, lembro-me que um ensaio que me marcou muito foi” O marxismo é um humanismo?" Como era um jovem que vivia na ditadura éramos quase obrigados a ler Marx, e logo eu que fui militante de esquerda , imagina! Outro autor que me influenciou bastante foi Antonin Artaud e o seu teatro da crueldade, Kafka e toda a sua literatura metafórica e premonitória, li muitos contos de Kafka "O abutre" "O exílio e reino" "Metamorfose"; O castelo, etc. daí veio às primeiras leituras do Fernando Pessoa, estou a falar de autores mais não numa ordem linear, já conhecia Pessoa, mas lá pelos dezoito ou 19 é que o li e procurei compreendê-lo em sua riqueza multifacetada... depois me voltei para a literatura influenciada pelo existencialismo a literatura beat, li as poesias de Allan Ginsberg e grande parte dos autores beats, Neal Casssed, Burrolghs, e por ai vai. Mas uma leitura que me marcou foi a ficção de Ray Bradbury não li toda a sua obra só alguns contos e a "Morte é uma Transação Solitária" uma espécie de realismo fantástico tão comum na literatura latino americana. Mas tantos autores nos marca, cada um com seu estilo, com sua prosa acabam nos fascinado, abrindo portas da percepção que estavam fechadas inspirando-nos, nos instigando, enfim;
Por falar em literatura latino-americana o que pode nos dizer dela?
Maravilhosa, me deparei com autores fantásticos como Gabriel Garcia Marques de quem tenho muito admiração pela sua obra. O livro dele que mais gostei e acho que grande parte dos seus leitores foi... ah deixa eu me lembrar, bom, vou começar por um conto que acho maravilhoso El coronel no tiene quien le escriba, é uma novela fantástica, A Triste Estória de Candida Erendira, Amores nos Tempos de Cólera, também li é claro Jorge Luis Borges que acho um dos escritores mais universais da literatura latino-americana quiçá do mundo, outro argentino fantástico que li foi Adolfo Bio Casares, a literatura praticada na Argentina é uma literatura de caráter muito metafísica que foge a literatura praticada no resto da América Latina...
Três Tristes Tigres de Cabrera Infante, e por ai vai são muitos os autores que me interessam; Fora a Literatura de Cordel que me fascina muito, Patativa do Assaré.
Pelo jeito leu muitas coisas legais e interessantes não?
Claro, mas foi tudo sem pretensão uma coisa levava a outra e também tem o círculo de amizades, apesar de ter sido um garoto pobre tive a oportunidade de através de minhas irmãs mais velhas travar contato com pessoas que foram me falando de autores e de livros, vivíamos num mundo pré internet, líamos o jornal como quem lê hoje um portal de noticias, as coisas funcionavam meio que de "boca a boca" a transmissão da tradição literária foi sendo passada a mim por várias pessoas...
Lembra-se de alguém em particular dessa época de descobertas literárias?
Claro que sim, tinha um amigo de minha irmã mais velho do que eu que fiz amizade com ele naquele tempo elas eram do PT quando o partido era um movimento que aglutinava muita gente interessante com interesses diversos e que estavam ali porque todos éramos contra a ditadura e queríamos mudar o país... foi nestas idas ao partido, devia ter uns 16 anos é que conheci o S. C. apelidado de "Magal" devido a ele parecer com o cantor que fazia muito sucesso na época e era uma forma de debochar dele, porque ele de sacanagem imitava Sidnei Magal, hoje é um professor de filosofia no Ceará, mas Magal foi a pessoa que mais me apresentou a boa literatura, Borges, Ray Bradbury, Kafka, enfim, inclusive vou confessar aqui um pecado, ele roubava livros e alguns ele me vendia e bem barato e me "presenteava" com outros. Desse modo fui criando uma cultura de ler... também tinha hábito de pegar revistas "Veja" velhas e juntar em casa, pois não podia comprar então tinha um conhecido que comprava toda semana e quando ele lia ia juntando e aqui e acolá me presenteava com um "monte" de revistas...
Então o PT lhe serviu para alguma coisa, não?
Claro que sim o PT foi o partido que teve uma grande influencia na minha formação política e era interessante, como já disse que em torno do partido existiam pessoas muito interessantes, foi lá que também desenvolvi meu interesse pelo cinema, a ter uma visão mais crítica do Brasil, de me interessar pela nossa história, de ouvir falar em nossos interpretes nacionais como Sergio Buarque de Holanda, Raimundo Faoro, Celso Furtado, Gilberto Freyre, e toda essa literatura sociológica que tenta com êxito a meu ver revelar um país até então carente de quem lhe interpreta. O PT era um partido interessante porque juntava sociólogos, filósofos, estudantes, operários, sindicalistas, enfim.
E sua experiência com o cinema?
Bom conheci e sou amigo até hoje de um professor e sociólogo da Universidade Federal de Sergipe e foi ele quem me iniciou na linguagem cinematográfica. Tínhamos um gosto intelectual parecido e ele era cinéfilo de "carteirinha" e montou um cineclube do qual fiz parte isto já era inicio dos anos noventa. Já passava um pouco dos 20 anos... assim comecei a frequentar o cineclube de nome FANTOMAS, consistia em ver filmes clássicos como Chaplin, o cinema mudo, o expressionismo alemão, aquelas coisas maravilhosas e sóbrias como Tartufo, Tabu de Murnau, Metrópoles de Fritz Lang, Os irmão Lumieré claro, os fundadores do Cinema, O Nascimento de uma nação de que não lembro o nome, o Encouraçado Potemquim de Eisenstein com aquela linguagem densa; O cinema documentário de Leni Rienfensthal, sobretudo O Triunfo da Vontade, que escrevi minha monografia de conclusão do curso de historia depois o cinema. Também vimos grandes filmes nacionais como "Limite" de Mário Peixoto, e claro o Cinema Novo, Glauber, Nelson Pereira dos Santos, enfim. Também fui ator em alguns vídeos documentários como "Marcados para Morrer" e o Horla (um curta dirigido por Caio Amado) que é adaptação do conto homônimo de Guy de Maupassant.
Qual a sua religião, aliás, a pergunta seria o Senhor tem religião?
Como todo e bom nordestino fui batizado na religião cristã, minha mãe nos levou cedo para o catecismo, a imagem do céu e do inferno teve uma grande influencia sobre mim, como também o purgatório os anjos e santos, a virtude e o pecado, a culpa e o medo do castigo divino. Mas sempre fui inquieto e a certa altura questionei minha pouca fé... mas Jesus Cristo é um ser que nutro ainda hoje admiração acho-o o personagem mais importante da literatura hebraica ( sim corroboro com a visão do crítico literário norte-americano Harold Bloom que os textos sacros são sobretudo textos) Mas houve um momento de minha vida que meio por ação flertei com o budismo, não o tibetano mas o budismo japonês de Nutrem Dashoni. Tinha um senhor budista que passava sempre na frente de minha casa por nome de Sr. Rubens. Ele uma vez a meu ver com a minha namorada da época a J. convidou-nos para irmos a sua casa e lá fez o "shakubuko", ou seja, nos introduziu naquela religião, nos falava dos budas e butsatiwas, da relação do budismo e da necessidade da oração do Gorrozon para nossas vidas, era uma casa simples que ficava no fundo de um terreno onde havia vários pés de frutas, lembro-me bem que ele sempre nos presenteava com carambolas e doces quando acabava de falar do budismo para nós... tínhamos uns 14 ou 15 anos e foi nessa época que conheci o budismo da Sokagakai. Logo me afastei de seu Rubens porque achei que ele queria me doutrinar e aquilo já estava ficando demais para mim porque era um espírito livre e aquela obrigação de ir pra casa dele um homem muito mais velho do que nós começou a me incomodar e também confesso, na medida em que minha namoradinha passou a frequentar sozinha a casa dele comecei a sentir ciúmes e achei que ia perdê-la para o budismo e foi o que aconteceu. Ela até hoje é uma budista praticante, dá palestra e diz que foi por meu intermédio que conheceu o budismo. Mas a questões transcendentais ainda me tocam e vejo hoje a questão do ser e não ser algo ainda fascinante.
Sobre a filosofia o que tem a nos dizer?
A filosofia é minha grande paixão, sou uma pessoa inquieta e sempre me preocupei com o meu destino e o do homem. Questões transcendentais como quem sou de onde vim e para onde vou sempre me tocaram. Os mistérios da existência humana me fascinam. A inquietude humana leva o homem a querer o conhecimento para além das religiões. Foi assim que descobri os gregos e lá pelos 14 ou quinze anos já lia Platão. Lembro-me que um dialogo que me fascinou foi Fédon ou sobre a imortalidade. Tinha uma agendinha velha onde escrevia os diálogos, aquilo me fascinava. Depois li Aristóteles, os pré-socráticos que tenho grande admiração, sobretudo por Heráclito e Parmênides, enfim. Mais tarde lá por uns 17 ou 18 anos li Nietzsche que conheci por intermédio de um amigo meu chamado C. P. e com ele toda aquela crítica fundamental ao pensamento grego e a civilização ocidental, a crítica ácida ao cristianismo a transmutação dos valores, um ensaio que li e que até hoje leio é a "Genealogia da Moral”, depois li Ecce homo, Assim falou Zaratustra e outras coisas. Também li Schopenhauer, e por ai vai, naturalmente Sartre, e hoje busco na filosofia uma compreensão do mundo. Atualmente tenho lido Heidegger, que de certa forma continua a tradição de Nietzsche. Heidegger é daqueles filósofos que eu chamaria de diagnóstico da condição humana. Não quero aqui entrar na questão da adesão do mesmo a política nazista isto não me interessa, acho-o um dos grandes pensadores da atualidade, mas não comungo de sua visão apocalíptica, entretanto o seu diagnóstico da condição humana no mundo cercado por tecnologias é extremamente importante, quando ele fala da condição atual “da penúria do nosso tempo" onde o homem parece ter tudo " à mão", mas lhe falta o essencial... ele se esquece de ser ele mesmo, de Heidegger passei a ler outros filósofos que pensam a tecnologia como Ortega y Gaste que vê a tecnologia como uma necessidade humana mas que também como Heidegger nos alerta para uma sociedade onde as tecnologias passam a ter um papel preponderante sobre o homem. Enfim como disse a condição do homem nos dias atuais me inquieta. Também li os filósofos franceses como Foucault "Vigiar e punir" e "Microfísica do poder”, Foucault também faz uma critica a "La Heidegger e Nietzsche" da condição humana nos dias de hoje, a normatização da vida a sociedade disciplinar em que vivemos. Outro filosofo que me diz muito é Emil Cioran, ah como me diz, como a sua visão de mundo realista e niilista me inquieta. Essa paixão pela filosofia me fez viajar até Santiago de Compostela na Espanha para fazer um doutorado em Lógica e Filosofia da Ciência, no qual me doutorei.
O que pode nos falar da filosofia da ciência?
A filosofia da ciência é um terreno árido é um tipo de conhecimento crucial na medida em que a ciência e seu discurso tem um papel quase que preponderante nos dias de hoje, onde a tecnociência, a união da técnica com a ciência produz a tecnologia e com ela os problemas de ordem ética. Desde os gregos até hoje que a produção da ciência tem buscado uma intervenção na natureza a fim de moldá-la a imagem e semelhança do homem. Mas no mundo moderno na medida em que a ciência foi se autonomizando em relação a filosofia, a tecnologia passa a reinar como um saber absoluto sem a reflexão necessária sobre suas finalidades, como Heidegger afirma preparou-se os meios esquecendo-se dos fins. Penso que hoje mais do que nunca se faz necessário a reflexão filosófica, sobretudo porque vivemos num mundo em que nos insta a ser autômatos sem refletir sobre nossas ações, nossas escolhas são escolhidas pela moda, o mercado, pela ideologia menos por nós mesmos, é difícil ser você mesmo hoje em dia, todo mundo é todos e ninguém é si mesmo. Todos somos consumíveis e somos verdadeiras máquinas desejantes. Pensar se torna uma necessidade, mas quem quer pensar a sério sobre as coisas hoje? no mundo da imaterialidade, da frugalidade, da instantaneidade, a fluidez dos pensamentos e das posições, enfim; fico a pensar no que diria Platão sobre o mundo de hoje, marcado pelo simulacro pela aparência, pelo espetáculo como diagnosticou Debord.
E o Brasil? como o senhor avalia o país hoje?
Quem decifrar o Brasil é devorado por ele. Esse país é uma metáfora dele mesmo, um pais sem jeito, um pais fadado ao fracasso, por incrível que pareça estamos fadados ao fracasso porque os nossos dilemas parecem irresolvíveis. Não há razões para ser um otimista em relação a um pais em que suas elites constrangem moralmente a sua população, que os relega a um lugar de quinta categoria na escala social. Não há razão para ser otimista com o país que vive entre posições esquerdistas ultrapassadas e visões à direita retrógadas, um país da retórica, da safadeza, da malversação do que é publico, onde grande parte dos seus jovens são condenados a morte propriamente dita e a morte social, onde partidos a esquerda e a direita saqueia a seu bel prazer o estado, onde a educação é de fachada, como as fachadas de Brasília, o Brasil é sim um pais de fachada, um paquiderme eternamente deitado em berço esconso, onde os vermes se apropriam do que é público, nesta nossa teimosia em não largar aquilo que nos é danoso, aquilo que é permissivo, onde as cadeias estão abarrotadas de monstros fabricados, onde grande parte de nossos representantes estão a se ver com a justiça, o Brasil é um imenso caso de polícia, e onde os ressentimentos e o ódio parecem adquirir cores nunca antes adquiridos por aqui, onde falta políticas estratégicas e perenes, onde a roubalheira corre solta, como sempre ocorreu por séculos e séculos onde nossos ídolos são Macunaíma, pessoas destituídas de caráter e de ética, os seios a mostra e o bumbum tem mais peso do que qualquer coisa, onde urubus devoram suas carniças a olhos vistos, onde a vida vale nada... que me venha um idiota deslumbrado, ufânico e insensato me falar de um tal de país singular e do futuro que tanto alimentou os discursos políticos e estéticos do Brasil. Basta de singularidades! se fossemos um pouco como os melhores países do mundo já nos bastava. Mas queremos ser diferentes, mas o que se apresenta é um circo de horrores, violência, torpeza, miséria moral, miséria propriamente dita e insensatez, um pais que perde 60.0000 mil pessoas por violências diversas não pode ser um pais sério, onde está essa tal singularidade que nos diferencia do mundo? Quando se pensa que estamos avançando estamos novamente caminhando para um buraco sem fim. É e sempre será assim, aqui a canalhice reina e onde canalhas reinam não se erige uma sociedade, uma civilização de fato. O Brasil só não sucumbe de vez porque é um pais ainda rico, mas que não abusemos de nossas riquezas jogando ela no ralo da safadeza e da corrupção. Veja agora, o sujeito mais moralista de nossa história o tal do Lula que se elegeu convencendo as pessoas com aquela sua pregação partidária salvatória acabou por se revelar um canalha dado a vinhos franceses, a charutos cubanos, a viagens em aviões patrocinados por vermes que assaltam o pais dia e noite, um sujeito que saiu de onde saiu da miséria e da pobreza desse querido e sofrido Nordeste não poderia ter sinalizado para outra coisa? Ele não poderia ter se deslumbrado. Ele teria sim que transformar esse pais em algo que prestasse, mas o que fez foi tão comum, tão banal, se deslumbrou pelo dinheiro e riqueza fácil, ele e seus próceres vestidos de homens de partido e de governo e vão deixando um legado muito pior do que encontraram. Sou apartidário, sou apolítico, acho que partidos e políticos como vemos hoje já pertencem a um mundo que passou, com as tecnologias disponíveis poder-se ia ter um parlamento eletrônico que gastaria menos, mas para isto precisávamos de um povo mais evoluído espiritualmente, não é que nosso povo não seja, mas vem perdendo a sua autenticidade, seu modo de ser originário, viramos uma grande massa amorfa, submetida as interesses midiáticos e a cultura homogeneizante,
O Senhor acreditar no progresso...?
Em que progresso o senhor se refere? no sentido de mudanças? não acredito no progresso no sentido positivista do termo, o progresso na verdade é apenas tecnológico, científico, mas a política, a nossa estrutura mental é como sempre foi, arcaica, é só perceber como os homens se comportam e agem hoje em dia, não mudou muita coisa, matamos, roubamos, mentimos, as guerras são cada vez mais terríveis, a destruição do nosso habitat é muito maior do que em outras épocas, enfim não há progresso moral ou ético dos homens, agimos como bárbaros tecnologizados. Escolhemos representantes com a visão de política predatória, e a despeito das tecnologias elas ampliam as possibilidades de intervensão humanas sobre o meio, mas continuamos sendo aqueles velhos primatas.
Há saídas para os seres humanos?
A marcha do homem no seu afã pelo progresso material é terrível, há saídas para os dilemas humanos e os homens sempre contam com a criatividade, mas as vezes penso como Heidegger sem ser profeta do apocalipse, só um Deus nos salvaria da autodestruição de nos mesmos... os homens só aprendem quando são obrigados a fazê-lo...talvez uma terceira guerra mais terrível e destruidora, ou um desastre natural , pode fazer o homem tirar sua cabeça e seus olhos da terra e vislumbrar o céu, as estrelas, as manhãs, a lua e o vento e pensar isto me basta me dou por satisfeito...mas os interesses são muitos e múltiplos e poderosos e assim todos acabamos por ser esmagado pela maquinaria dos sistemas políticos e sociais que aprisionam o homem, o obscurecem sem dar-lhe a opção de liberdade de escolha, todos tem que produzir para alguém ou para o estado, parece que a nossa vocação de sermos formigas produtoras de excedentes é o que nos resta a nos a grande massa de escravos dos dias de hoje. De outro lado a terra dá sinais de cansaço, de esterilidade que vai de encontro com as concepções de progresso e de desenvolvimento, estamos num impasse e a entropia age. Mas ninguém quer abrir mão do progresso, da sensação ilusória de desenvolvimento, um desenvolvimento que trai modos de vida tradicionais, que empurra todos para as cidades num ciclo perverso e desumano, isto se verifica no Brasil há muitos e muitas décadas e o que temos como efeito da entropia é a degradação social e ambiental do Brasil é só ver os números do progresso, a quantidade de miséria que ele tem gerado de riquezas concentradas a sombra do estado promotor dessa concepção, a violência e o caos urbano, efeitos de uma visão equivocada que persiste por aqui e que se liga a uma concepção positivista de desenvolvimento.
Qual a sua opinião a respeito do aquecimento global?
Sei que há uma controvérsia sobre o tema e claro que é quase que um tabu contemporâneo a questão do aquecimento global. Confesso que sem ter ciência da controvérsia de pronto emocionalmente me posicionei de acordo com o que seria politicamente correto de acordo com IPCC, o painel internacional sobre mudanças climáticas. Mas por estes tempo andei lendo trabalhos e autores que divergem sobre a questão de que o vilão do aquecimento global é o Co2. ( continua na proxima pg)
Confesso que foi difícil falar com ele, encontrar um tempinho para que desse uma entrevista. Há anos que tentamos e não conseguimos, também pudera é um homem muito ocupado com a lide da roça, cria suas cabras e tem que suster seus bois de comida mesmo nesta época difícil, se é que tem época boa no Nordeste, porque senão passará fome, ele e suas rezes. Também tem outra coisa o sujeito é muito tinhoso e mal humorado, nunca quis dar entrevista alguma prefere ser um invisível como se autodenomina, diz que escreve não porque gosta, mas porque é impelido a tal, nos disse que se não ler e escrever endoidece de vez, é uma necessidade, mesmo que ninguém perca seu tempo lendo suas coisas, ele nos disse que o que escreve é apenas o descarrego daquilo que ficou sedimentado em sua memória prodigiosa, mas até que enfim ele nos concedeu a tão querida entrevista. Viajamos até Gararu, há uns duzentos quilômetros da capital de Sergipe, Aracaju. Foi aqui na Fazenda Lagoa do Cabo que ele resolveu passar o resto de sua vida.
Quem é você?
Boa pergunta, também gostaria de saber quem sou, mas posso lhe dar algumas pistas. Bem, nasci em Pilão Arcado, sertão da Bahia em 1968, gosto de música, de literatura de cinema, e tenho interesse por muitas coisas, pela música, literatura, cinema, as artes plásticas, sou meio inquieto e a minha inquietude beira a insatisfação diante das coisas do mundo, sou contraditório, às vezes me vejo como um pessimista e às vezes como um otimista quanto a mim e ao mundo. Já fiz de tudo um pouco, fui vendedor, dono de soparia, digitador e operador de computadores, bancário, professor, ator amador, um tanto de coisas, na faculdade fiz cinema, fui uma época militante partidário, roqueiro, fui preso num protesto contra a ditadura, enfim; hoje estou mais quieto aprendi que a quietude é tudo, no seu canto é mais difícil alguém lhe perturbar. Hoje vivo aqui entre a cerca e a seca do sertão, cuidando de minhas vaquinhas e tentando sobreviver às adversidades que não são poucas.
Onde estudou?
Meus estudos se iniciaram como todo garoto pobre numa escola pública em Paulo Afonso, sertão da Bahia onde morei até os nove anos de idade, isso em meados dos anos 70. Estudava numa escola da Vila Operária de Paulo Afonso e todo dia pegava um ônibus chamado "papa-fila" na verdade era uma FNM "barriga d’água" que carregava em seu espinhaço um ônibus e íamos para a escola, nesta época estudava, mas não tinha noção porque fazia aquilo, tinha uma inadaptabilidade muito grande em relação à escola, sempre me sentia só e não me relacionava com os colegas de classe e vivia meio que sozinho, (e sou de uma família enorme somos 10 irmãos) ia muitas vezes para outros lugares ao invés das aulas, perambulava pelas ruas da vila e me sentia muito só e triste, subia até o topo da colina onde ficava uma igrejinha de pedra linda, igreja de São Francisco. Estudei em Paulo Afonso até os nove anos quando nos mudamos para Aracaju em 1967. Lá conclui o primário numa escola pública chamada "Lourival Fontes" homenagem ao ministro da propaganda de Vargas o senador sergipano Lourival Fontes, depois estudei no Colégio Castelo Branco, depois fui pro Atheneu Sergipense, onde cursei o Ensino Médio. Como não tinha dinheiro e estimulo para fazer faculdade de imediato, fui procurar emprego, assim fui nesse período vender de roupas, trabalhei como digitador e depois fui bancário, mas sempre com o desejo de um dia fazer faculdade. Só com 19 nos é que iniciei meu curso superior, fiz licenciatura em História pela Universidade Federal de Sergipe. Foi um período também difícil com pouca grana e sem disposição para fazer o curso e não gostava muito da história de ser professor de história, embora ame a história propriamente dita, achava o curso meio chato e tedioso e não queria ser professor de jeito nenhum, mas acabei por sê-lo. Lembro-me que na faculdade conheci algumas pessoas interessantes fiz algumas viagens a congressos e encontros de historiadores e no curso tive algumas disciplinas que gostava como Filosofia da história e Política, Sociologia, mas não queria muito concluir aquele curso e tentei inclusive mudar para Jornalismo, mas não deu certo, fiz o vestibular e não passei, nessa época tinha um bar o Casa Caiada e a lida do bar me impedia de estudar. Por estas épocas conheci minha companheira L. com quem vivo até hoje.
Qual o tipo de literatura que você gosta?
Não tenho um autor predileto e minha formação não foi uma formação digamos assim linear, sempre gostei de ler coisas diferentes, comecei me interessando pela leitura quando minhas irmãs liam para mim trechos da Bíblia o livro de Ruth, Daniel, enfim... depois Li por conta própria alguns livros infantis como o "Menino do Dedo Verde" e O Pequeno Príncipe, depois fui crescendo e lendo outras coisas, paralelo a isto lia gibis, literatura de cordel, depois HQs, quando comecei a me interessar pela literatura e pela poesia aí já era um adolescente, li Machado de Assis, Guimarães Rosa, Graciliano, mas obras pontuais, como O alienígena, e outros contos machadianos e Dom Casmurro, de Guimarães Rosa Grande Sertão Veredas e a Hora e a vez de Augusto Matraga, entre outros, li também Euclides da Cunha, alguma coisa de Padre Vieira, poesia nacional , Cruz e Souza, Augusto dos Anjos, os modernos como Manoel Bandeira de quem tenho muita admiração, Carlos Drummond de Andrade, Lima Barreto, Mário e Oswald de Andrade, Nelson Rodrigues, enfim segui aquele itinerário... mais velho lá pros 18 19 ano começou a ler a literatura mais universal, como a poesia de Rimbaud, Verlaine, Blake, Marlamé, depois li Céline e toda aquela literatura francesa mais "pesada" mais existencialista. Aí travei contato com a literatura alemã através de autores como Thomas Mann e Heinrich Mann, Kafka que acho um dos maiores escritores de todos os tempos, comecei a ler os clássicos gregos: Homero, Dante, algumas obras de Shakespeare, depois Li Proust, Flaubert, Stendhal, e claro, Miguel de Cervantes, o universal D. Quixote de La Mancha. Também li algumas novelas de Shakespeare.
Quais os autores que mais lhe marcaram?
É difícil lhe dizer, mas dos escritores internacionais o autor que amo e considero muito é Albert Camus, sobretudo o livro "O estrangeiro", talvez porque nesta época eu comecei a ler filosofia e a filosofia começou a impactar sobre a minha visão de mundo, nesta época flertei com o marxismo e depois com o existencialismo de Sartre, lembro-me que um ensaio que me marcou muito foi” O marxismo é um humanismo?" Como era um jovem que vivia na ditadura éramos quase obrigados a ler Marx, e logo eu que fui militante de esquerda , imagina! Outro autor que me influenciou bastante foi Antonin Artaud e o seu teatro da crueldade, Kafka e toda a sua literatura metafórica e premonitória, li muitos contos de Kafka "O abutre" "O exílio e reino" "Metamorfose"; O castelo, etc. daí veio às primeiras leituras do Fernando Pessoa, estou a falar de autores mais não numa ordem linear, já conhecia Pessoa, mas lá pelos dezoito ou 19 é que o li e procurei compreendê-lo em sua riqueza multifacetada... depois me voltei para a literatura influenciada pelo existencialismo a literatura beat, li as poesias de Allan Ginsberg e grande parte dos autores beats, Neal Casssed, Burrolghs, e por ai vai. Mas uma leitura que me marcou foi a ficção de Ray Bradbury não li toda a sua obra só alguns contos e a "Morte é uma Transação Solitária" uma espécie de realismo fantástico tão comum na literatura latino americana. Mas tantos autores nos marca, cada um com seu estilo, com sua prosa acabam nos fascinado, abrindo portas da percepção que estavam fechadas inspirando-nos, nos instigando, enfim;
Por falar em literatura latino-americana o que pode nos dizer dela?
Maravilhosa, me deparei com autores fantásticos como Gabriel Garcia Marques de quem tenho muito admiração pela sua obra. O livro dele que mais gostei e acho que grande parte dos seus leitores foi... ah deixa eu me lembrar, bom, vou começar por um conto que acho maravilhoso El coronel no tiene quien le escriba, é uma novela fantástica, A Triste Estória de Candida Erendira, Amores nos Tempos de Cólera, também li é claro Jorge Luis Borges que acho um dos escritores mais universais da literatura latino-americana quiçá do mundo, outro argentino fantástico que li foi Adolfo Bio Casares, a literatura praticada na Argentina é uma literatura de caráter muito metafísica que foge a literatura praticada no resto da América Latina...
Três Tristes Tigres de Cabrera Infante, e por ai vai são muitos os autores que me interessam; Fora a Literatura de Cordel que me fascina muito, Patativa do Assaré.
Pelo jeito leu muitas coisas legais e interessantes não?
Claro, mas foi tudo sem pretensão uma coisa levava a outra e também tem o círculo de amizades, apesar de ter sido um garoto pobre tive a oportunidade de através de minhas irmãs mais velhas travar contato com pessoas que foram me falando de autores e de livros, vivíamos num mundo pré internet, líamos o jornal como quem lê hoje um portal de noticias, as coisas funcionavam meio que de "boca a boca" a transmissão da tradição literária foi sendo passada a mim por várias pessoas...
Lembra-se de alguém em particular dessa época de descobertas literárias?
Claro que sim, tinha um amigo de minha irmã mais velho do que eu que fiz amizade com ele naquele tempo elas eram do PT quando o partido era um movimento que aglutinava muita gente interessante com interesses diversos e que estavam ali porque todos éramos contra a ditadura e queríamos mudar o país... foi nestas idas ao partido, devia ter uns 16 anos é que conheci o S. C. apelidado de "Magal" devido a ele parecer com o cantor que fazia muito sucesso na época e era uma forma de debochar dele, porque ele de sacanagem imitava Sidnei Magal, hoje é um professor de filosofia no Ceará, mas Magal foi a pessoa que mais me apresentou a boa literatura, Borges, Ray Bradbury, Kafka, enfim, inclusive vou confessar aqui um pecado, ele roubava livros e alguns ele me vendia e bem barato e me "presenteava" com outros. Desse modo fui criando uma cultura de ler... também tinha hábito de pegar revistas "Veja" velhas e juntar em casa, pois não podia comprar então tinha um conhecido que comprava toda semana e quando ele lia ia juntando e aqui e acolá me presenteava com um "monte" de revistas...
Então o PT lhe serviu para alguma coisa, não?
Claro que sim o PT foi o partido que teve uma grande influencia na minha formação política e era interessante, como já disse que em torno do partido existiam pessoas muito interessantes, foi lá que também desenvolvi meu interesse pelo cinema, a ter uma visão mais crítica do Brasil, de me interessar pela nossa história, de ouvir falar em nossos interpretes nacionais como Sergio Buarque de Holanda, Raimundo Faoro, Celso Furtado, Gilberto Freyre, e toda essa literatura sociológica que tenta com êxito a meu ver revelar um país até então carente de quem lhe interpreta. O PT era um partido interessante porque juntava sociólogos, filósofos, estudantes, operários, sindicalistas, enfim.
E sua experiência com o cinema?
Bom conheci e sou amigo até hoje de um professor e sociólogo da Universidade Federal de Sergipe e foi ele quem me iniciou na linguagem cinematográfica. Tínhamos um gosto intelectual parecido e ele era cinéfilo de "carteirinha" e montou um cineclube do qual fiz parte isto já era inicio dos anos noventa. Já passava um pouco dos 20 anos... assim comecei a frequentar o cineclube de nome FANTOMAS, consistia em ver filmes clássicos como Chaplin, o cinema mudo, o expressionismo alemão, aquelas coisas maravilhosas e sóbrias como Tartufo, Tabu de Murnau, Metrópoles de Fritz Lang, Os irmão Lumieré claro, os fundadores do Cinema, O Nascimento de uma nação de que não lembro o nome, o Encouraçado Potemquim de Eisenstein com aquela linguagem densa; O cinema documentário de Leni Rienfensthal, sobretudo O Triunfo da Vontade, que escrevi minha monografia de conclusão do curso de historia depois o cinema. Também vimos grandes filmes nacionais como "Limite" de Mário Peixoto, e claro o Cinema Novo, Glauber, Nelson Pereira dos Santos, enfim. Também fui ator em alguns vídeos documentários como "Marcados para Morrer" e o Horla (um curta dirigido por Caio Amado) que é adaptação do conto homônimo de Guy de Maupassant.
Qual a sua religião, aliás, a pergunta seria o Senhor tem religião?
Como todo e bom nordestino fui batizado na religião cristã, minha mãe nos levou cedo para o catecismo, a imagem do céu e do inferno teve uma grande influencia sobre mim, como também o purgatório os anjos e santos, a virtude e o pecado, a culpa e o medo do castigo divino. Mas sempre fui inquieto e a certa altura questionei minha pouca fé... mas Jesus Cristo é um ser que nutro ainda hoje admiração acho-o o personagem mais importante da literatura hebraica ( sim corroboro com a visão do crítico literário norte-americano Harold Bloom que os textos sacros são sobretudo textos) Mas houve um momento de minha vida que meio por ação flertei com o budismo, não o tibetano mas o budismo japonês de Nutrem Dashoni. Tinha um senhor budista que passava sempre na frente de minha casa por nome de Sr. Rubens. Ele uma vez a meu ver com a minha namorada da época a J. convidou-nos para irmos a sua casa e lá fez o "shakubuko", ou seja, nos introduziu naquela religião, nos falava dos budas e butsatiwas, da relação do budismo e da necessidade da oração do Gorrozon para nossas vidas, era uma casa simples que ficava no fundo de um terreno onde havia vários pés de frutas, lembro-me bem que ele sempre nos presenteava com carambolas e doces quando acabava de falar do budismo para nós... tínhamos uns 14 ou 15 anos e foi nessa época que conheci o budismo da Sokagakai. Logo me afastei de seu Rubens porque achei que ele queria me doutrinar e aquilo já estava ficando demais para mim porque era um espírito livre e aquela obrigação de ir pra casa dele um homem muito mais velho do que nós começou a me incomodar e também confesso, na medida em que minha namoradinha passou a frequentar sozinha a casa dele comecei a sentir ciúmes e achei que ia perdê-la para o budismo e foi o que aconteceu. Ela até hoje é uma budista praticante, dá palestra e diz que foi por meu intermédio que conheceu o budismo. Mas a questões transcendentais ainda me tocam e vejo hoje a questão do ser e não ser algo ainda fascinante.
Sobre a filosofia o que tem a nos dizer?
A filosofia é minha grande paixão, sou uma pessoa inquieta e sempre me preocupei com o meu destino e o do homem. Questões transcendentais como quem sou de onde vim e para onde vou sempre me tocaram. Os mistérios da existência humana me fascinam. A inquietude humana leva o homem a querer o conhecimento para além das religiões. Foi assim que descobri os gregos e lá pelos 14 ou quinze anos já lia Platão. Lembro-me que um dialogo que me fascinou foi Fédon ou sobre a imortalidade. Tinha uma agendinha velha onde escrevia os diálogos, aquilo me fascinava. Depois li Aristóteles, os pré-socráticos que tenho grande admiração, sobretudo por Heráclito e Parmênides, enfim. Mais tarde lá por uns 17 ou 18 anos li Nietzsche que conheci por intermédio de um amigo meu chamado C. P. e com ele toda aquela crítica fundamental ao pensamento grego e a civilização ocidental, a crítica ácida ao cristianismo a transmutação dos valores, um ensaio que li e que até hoje leio é a "Genealogia da Moral”, depois li Ecce homo, Assim falou Zaratustra e outras coisas. Também li Schopenhauer, e por ai vai, naturalmente Sartre, e hoje busco na filosofia uma compreensão do mundo. Atualmente tenho lido Heidegger, que de certa forma continua a tradição de Nietzsche. Heidegger é daqueles filósofos que eu chamaria de diagnóstico da condição humana. Não quero aqui entrar na questão da adesão do mesmo a política nazista isto não me interessa, acho-o um dos grandes pensadores da atualidade, mas não comungo de sua visão apocalíptica, entretanto o seu diagnóstico da condição humana no mundo cercado por tecnologias é extremamente importante, quando ele fala da condição atual “da penúria do nosso tempo" onde o homem parece ter tudo " à mão", mas lhe falta o essencial... ele se esquece de ser ele mesmo, de Heidegger passei a ler outros filósofos que pensam a tecnologia como Ortega y Gaste que vê a tecnologia como uma necessidade humana mas que também como Heidegger nos alerta para uma sociedade onde as tecnologias passam a ter um papel preponderante sobre o homem. Enfim como disse a condição do homem nos dias atuais me inquieta. Também li os filósofos franceses como Foucault "Vigiar e punir" e "Microfísica do poder”, Foucault também faz uma critica a "La Heidegger e Nietzsche" da condição humana nos dias de hoje, a normatização da vida a sociedade disciplinar em que vivemos. Outro filosofo que me diz muito é Emil Cioran, ah como me diz, como a sua visão de mundo realista e niilista me inquieta. Essa paixão pela filosofia me fez viajar até Santiago de Compostela na Espanha para fazer um doutorado em Lógica e Filosofia da Ciência, no qual me doutorei.
O que pode nos falar da filosofia da ciência?
A filosofia da ciência é um terreno árido é um tipo de conhecimento crucial na medida em que a ciência e seu discurso tem um papel quase que preponderante nos dias de hoje, onde a tecnociência, a união da técnica com a ciência produz a tecnologia e com ela os problemas de ordem ética. Desde os gregos até hoje que a produção da ciência tem buscado uma intervenção na natureza a fim de moldá-la a imagem e semelhança do homem. Mas no mundo moderno na medida em que a ciência foi se autonomizando em relação a filosofia, a tecnologia passa a reinar como um saber absoluto sem a reflexão necessária sobre suas finalidades, como Heidegger afirma preparou-se os meios esquecendo-se dos fins. Penso que hoje mais do que nunca se faz necessário a reflexão filosófica, sobretudo porque vivemos num mundo em que nos insta a ser autômatos sem refletir sobre nossas ações, nossas escolhas são escolhidas pela moda, o mercado, pela ideologia menos por nós mesmos, é difícil ser você mesmo hoje em dia, todo mundo é todos e ninguém é si mesmo. Todos somos consumíveis e somos verdadeiras máquinas desejantes. Pensar se torna uma necessidade, mas quem quer pensar a sério sobre as coisas hoje? no mundo da imaterialidade, da frugalidade, da instantaneidade, a fluidez dos pensamentos e das posições, enfim; fico a pensar no que diria Platão sobre o mundo de hoje, marcado pelo simulacro pela aparência, pelo espetáculo como diagnosticou Debord.
E o Brasil? como o senhor avalia o país hoje?
Quem decifrar o Brasil é devorado por ele. Esse país é uma metáfora dele mesmo, um pais sem jeito, um pais fadado ao fracasso, por incrível que pareça estamos fadados ao fracasso porque os nossos dilemas parecem irresolvíveis. Não há razões para ser um otimista em relação a um pais em que suas elites constrangem moralmente a sua população, que os relega a um lugar de quinta categoria na escala social. Não há razão para ser otimista com o país que vive entre posições esquerdistas ultrapassadas e visões à direita retrógadas, um país da retórica, da safadeza, da malversação do que é publico, onde grande parte dos seus jovens são condenados a morte propriamente dita e a morte social, onde partidos a esquerda e a direita saqueia a seu bel prazer o estado, onde a educação é de fachada, como as fachadas de Brasília, o Brasil é sim um pais de fachada, um paquiderme eternamente deitado em berço esconso, onde os vermes se apropriam do que é público, nesta nossa teimosia em não largar aquilo que nos é danoso, aquilo que é permissivo, onde as cadeias estão abarrotadas de monstros fabricados, onde grande parte de nossos representantes estão a se ver com a justiça, o Brasil é um imenso caso de polícia, e onde os ressentimentos e o ódio parecem adquirir cores nunca antes adquiridos por aqui, onde falta políticas estratégicas e perenes, onde a roubalheira corre solta, como sempre ocorreu por séculos e séculos onde nossos ídolos são Macunaíma, pessoas destituídas de caráter e de ética, os seios a mostra e o bumbum tem mais peso do que qualquer coisa, onde urubus devoram suas carniças a olhos vistos, onde a vida vale nada... que me venha um idiota deslumbrado, ufânico e insensato me falar de um tal de país singular e do futuro que tanto alimentou os discursos políticos e estéticos do Brasil. Basta de singularidades! se fossemos um pouco como os melhores países do mundo já nos bastava. Mas queremos ser diferentes, mas o que se apresenta é um circo de horrores, violência, torpeza, miséria moral, miséria propriamente dita e insensatez, um pais que perde 60.0000 mil pessoas por violências diversas não pode ser um pais sério, onde está essa tal singularidade que nos diferencia do mundo? Quando se pensa que estamos avançando estamos novamente caminhando para um buraco sem fim. É e sempre será assim, aqui a canalhice reina e onde canalhas reinam não se erige uma sociedade, uma civilização de fato. O Brasil só não sucumbe de vez porque é um pais ainda rico, mas que não abusemos de nossas riquezas jogando ela no ralo da safadeza e da corrupção. Veja agora, o sujeito mais moralista de nossa história o tal do Lula que se elegeu convencendo as pessoas com aquela sua pregação partidária salvatória acabou por se revelar um canalha dado a vinhos franceses, a charutos cubanos, a viagens em aviões patrocinados por vermes que assaltam o pais dia e noite, um sujeito que saiu de onde saiu da miséria e da pobreza desse querido e sofrido Nordeste não poderia ter sinalizado para outra coisa? Ele não poderia ter se deslumbrado. Ele teria sim que transformar esse pais em algo que prestasse, mas o que fez foi tão comum, tão banal, se deslumbrou pelo dinheiro e riqueza fácil, ele e seus próceres vestidos de homens de partido e de governo e vão deixando um legado muito pior do que encontraram. Sou apartidário, sou apolítico, acho que partidos e políticos como vemos hoje já pertencem a um mundo que passou, com as tecnologias disponíveis poder-se ia ter um parlamento eletrônico que gastaria menos, mas para isto precisávamos de um povo mais evoluído espiritualmente, não é que nosso povo não seja, mas vem perdendo a sua autenticidade, seu modo de ser originário, viramos uma grande massa amorfa, submetida as interesses midiáticos e a cultura homogeneizante,
O Senhor acreditar no progresso...?
Em que progresso o senhor se refere? no sentido de mudanças? não acredito no progresso no sentido positivista do termo, o progresso na verdade é apenas tecnológico, científico, mas a política, a nossa estrutura mental é como sempre foi, arcaica, é só perceber como os homens se comportam e agem hoje em dia, não mudou muita coisa, matamos, roubamos, mentimos, as guerras são cada vez mais terríveis, a destruição do nosso habitat é muito maior do que em outras épocas, enfim não há progresso moral ou ético dos homens, agimos como bárbaros tecnologizados. Escolhemos representantes com a visão de política predatória, e a despeito das tecnologias elas ampliam as possibilidades de intervensão humanas sobre o meio, mas continuamos sendo aqueles velhos primatas.
Há saídas para os seres humanos?
A marcha do homem no seu afã pelo progresso material é terrível, há saídas para os dilemas humanos e os homens sempre contam com a criatividade, mas as vezes penso como Heidegger sem ser profeta do apocalipse, só um Deus nos salvaria da autodestruição de nos mesmos... os homens só aprendem quando são obrigados a fazê-lo...talvez uma terceira guerra mais terrível e destruidora, ou um desastre natural , pode fazer o homem tirar sua cabeça e seus olhos da terra e vislumbrar o céu, as estrelas, as manhãs, a lua e o vento e pensar isto me basta me dou por satisfeito...mas os interesses são muitos e múltiplos e poderosos e assim todos acabamos por ser esmagado pela maquinaria dos sistemas políticos e sociais que aprisionam o homem, o obscurecem sem dar-lhe a opção de liberdade de escolha, todos tem que produzir para alguém ou para o estado, parece que a nossa vocação de sermos formigas produtoras de excedentes é o que nos resta a nos a grande massa de escravos dos dias de hoje. De outro lado a terra dá sinais de cansaço, de esterilidade que vai de encontro com as concepções de progresso e de desenvolvimento, estamos num impasse e a entropia age. Mas ninguém quer abrir mão do progresso, da sensação ilusória de desenvolvimento, um desenvolvimento que trai modos de vida tradicionais, que empurra todos para as cidades num ciclo perverso e desumano, isto se verifica no Brasil há muitos e muitas décadas e o que temos como efeito da entropia é a degradação social e ambiental do Brasil é só ver os números do progresso, a quantidade de miséria que ele tem gerado de riquezas concentradas a sombra do estado promotor dessa concepção, a violência e o caos urbano, efeitos de uma visão equivocada que persiste por aqui e que se liga a uma concepção positivista de desenvolvimento.
Qual a sua opinião a respeito do aquecimento global?
Sei que há uma controvérsia sobre o tema e claro que é quase que um tabu contemporâneo a questão do aquecimento global. Confesso que sem ter ciência da controvérsia de pronto emocionalmente me posicionei de acordo com o que seria politicamente correto de acordo com IPCC, o painel internacional sobre mudanças climáticas. Mas por estes tempo andei lendo trabalhos e autores que divergem sobre a questão de que o vilão do aquecimento global é o Co2. ( continua na proxima pg)