Cristovão Tezza Fala À Folha de São Paulo - 02/08/2012
Elo com a academia devastou prosa do país, diz Cristovão Tezza
DE SÃO PAULO
O escritor Cristovão Tezza conciliou a literatura com a carreira de professor universitário por 25 anos.
Demitiu-se em 2009 da vida acadêmica para dedicar-se apenas aos livros. "O sistema burocrático cria uma rotina esmagadora para quem faz arte", disse o escritor na noite de terça (31), em sabatina na sede da Folha.
A crítica ao sistema universitário é um dos tópicos do livro que ele lança agora, "O Espírito da Prosa" (ed. Record; R$ 34,90; 224 págs.).
No encontro, Tezza afirmou que a literatura brasileira não desperta interesse no exterior e comentou sua participação no júri da revista "Granta" que selecionou os 20 "melhores jovens escritores brasileiros".
Também narrou as dificuldades que teve para escrever "O Filho Eterno", seu maior sucesso, inspirado em seu filho com síndrome de Down.
Leia os principais trechos.
Guilherme Pupo/Folhapress
PROFESSOR-ESCRITOR
Nos anos 1970, a pauta literária nacional se refugiou na universidade. (...) Se criou ali de certa forma o "pior" de dois mundos. Surgiu a figura do professor-escritor. Eu fui um.
O discurso da universidade tem a pressuposição de verdade. A universidade é um lugar de organização do pensamento. A perspectiva de quem cria na literatura é substancialmente diferente. A verdade não interessa para a criação literária.
A ligação com a universidade brasileira criou essa relação esquizofrênica entre o discurso da ciência e o da arte, como se fosse uma coisa só. Isso teve um efeito devastador sobre a prosa brasileira. A prosa romanesca se apagou ao longo dos anos 1970 e 1980.
UNIVERSIDADE
É um sistema fechado, foi se congelando de uma forma intransformável. Qualquer professor sabe que, se você quiser transformar algo, tem que passar por toda aquela burocracia.
O duro é como fazer essa máquina pensar sobre ela mesma. É difícil porque ela fica na mão de instâncias sindicais, políticas.
BRASIL NO EXTERIOR
A literatura brasileira não existe fora do Brasil. Não há interesse. O Paulo Coelho é um fenômeno global. A literatura dele não está inserida numa tradição histórico-literária brasileira.
O último grande caso foi o do Jorge Amado. Ele era um autor popular, as pessoas liam porque gostavam.
GRANTA
Será que a seleção errou? Ficou gente de fora? Certamente deve ter alguém que merecia estar lá. Mas pegando o conjunto, ele é sim representativo da literatura brasileira jovem contemporânea.
Agora, nem na Rússia do século 19 você tem 20 grandes autores. E isso porque era uma época de ouro.
É muito difícil achar um bom escritor. Não é uma coisa que cai da árvore. Muita gente vai ficar e muita gente vai desaparecer. É normal.
COETZEE
Eu estive na casa dele [o escritor sul-africano J. M. Coetzee] na Austrália. Ele me convidou para jantar. Foi muito engraçado. Ele é uma pessoa muito contida. Lá pelas 22h30, ele disse: "Seria muito rude chamar um táxi?" (risos).
"O FILHO ETERNO"
O problema que tinha ali era um desafio monstruoso. Escrever um romance para dar conta da relação do pai com o filho especial sem cair em todas as cascas de banana. Sem ser piegas, sentimental.
O narrador em terceira pessoa foi um achado pra mim. Eu transformei aquele pai, que era eu, num outro.