O Cavaleiro de Fogo entrevista Caio Rudá de Oliveira

PSICOLOGIA DO POEMA – Com respostas que deixam nítidas as marcas do curso de Psicologia, CAIO RUDÁ é um jovem escritor que usa muito da intuição para compor sua poética e, apesar de não ser afeito às influências, as tem e as cita: Drummond e Leminski, o que não precisava fazer, pois saltam aos olhos. Caio Rudá de Oliveira nasceu em Riachão do Jacuípe, interior da Bahia, pouco depois de as águas de março fecharem o verão de 1989. Atualmente, cursa graduação em Psicologia, pela Universidade Federal da Bahia, mantém o blog Das Idéias de Caio Rudá (http://dasideiasdecaioruda.blogspot.com/) e escreve para a revista virtual de literatura Samizdat (http://www.revistasamizdat.com/). Sua vida é transitar entre o litoral e o sertão, assim como o faz também entre Arte e Ciência, na esperança de que um desses lhe explique o ser humano. Não é um entusiasta das explicações, mas esclarece que “não há o que pague um poema pronto”.

JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO – O que a poesia significa para você? Por que e para que ser poeta?

CAIO RUDÁ – Poesia para mim é um modo de perceber e pensar o mundo, e não a restrinjo apenas à escrita. Se a obra de Patativa do Assaré está vinculada em muito à oralidade, gosto de atrelar a minha à meditação. Poesia é uma contemplação mental. Com relação ao porquê e para que ser poeta, confesso que não sou entusiasta das explicações. Não porque me falte curiosidade de entender as coisas, mas pelo completo oposto: tanto me sobra que não me contento com motivos rasos. No curso de Psicologia a gente aprende que em matéria de comportamento humano não se fala em causalidade, e todo ato é multideterminado. Assim, a resposta mais plausível é que ser poeta foi o resultado do modus vivendi de meus anos recentes. Já a finalidade é mais fácil de dizer: não há o que pague um poema pronto.

JIVM – O nome do seu blog, “Das ideias de Caio Rudá”, fez-me lembrar de uma afirmação de Mallarmé, na qual ele diz que “a poesia se faz com palavras, e não com idéias”. Como você analisa essa assertiva?

CR – Conta a História que tal frase surgiu em resposta ao pintor e amigo Degas, que alegava ter boas idéias, mas não as conseguia passar para o papel. Acontece que toda atividade artística deriva de idéias. Pintores, poetas, atores ou cantores, todos diferem no produto final, no modo como direcionam sua criatividade, porém utilizam a mesma matéria-prima para suas obras. Ou as palavras de Mallarmé nasciam diretamente do movimento de seus punhos? Não quero dizer, contudo, que Mallarmé estivesse errado no que dissera, tampouco que minha visão seja completamente coerente. Pelo contrário, somos falíveis no que dizemos. Muitas vezes mudamos as palavras de nosso discurso, e até falamos o oposto do que pensamos. Só penso que haja entre o poeta francês e o estudante de Psicologia diferentes pontos de vista, e é natural que eu priorize processos cognitivos, enquanto que ele o faça com a matéria de seu ofício.

JIVM – E por falar em blog, como você analisa o uso da internet, dos espaços visuais e dos novos suportes tecnológicos, para divulgação da poesia? Essas novas tecnologias substituirão o livro impresso?

CR – A Internet é uma ferramenta muito eficiente para os poetas. Há a facilidade de edição e divulgação, existe a aproximação com o leitor e um blogue bem arquitetado pode ser considerado uma obra artística. Levando em conta a realidade do mercado editorial, é uma alternativa viável e eficaz. Quanto a suplantar o livro tradicional, aí já são outros quinhentos. Se pensarmos no CD, é possível esperar um fenômeno semelhante com os livros, no entanto, quando o exemplo são revistas e jornais, parentes mais próximos do livro, já se nota uma certa postura reacionária. Mudar isso talvez caiba em parte aos próprios escritores. Alguns utilizam os blogues como passaporte, isto é, apenas para chegar ao destino desejado, o livro impresso, e depois o blogue acaba preterido. Enquanto as tecnologias digitais forem acessórios dos escritores, acredito que uma capa bacana, folhas de boa qualidade e um ISBN ainda serão mais atraentes. Culpar unicamente os autores, no entanto, talvez seja exagerado, pois por mais que sua escrita seja verdadeira e espontânea é natural sonhar com o reconhecimento, que, na área em questão, só se dá com o livro impresso. Por outro lado, conheço alguém que dá muito crédito aos livros virtuais, e realmente aposta na publicação independente. Ele é o Henry Alfred Bugalho, escritor brasileiro residente nos Estados Unidos, autor de várias obras lançadas de maneira autônoma, em formato digital. O grande problema desse tipo de publicação é que estão na contramão da lógica capitalista de mercado. Não desaprovo iniciativas com a do Henry, pois eu mesmo já lancei um livro eletrônico. Só acredito que o status quo se mantenha, ao menos pelo próximos anos.

JIVM – Uma pergunta óbvia, mas de suma importância para um autor em formação. Quais são seus escritores referenciais. E desses autores, quais obras foram mais representativas?

CR – Gosto muito de uma frase do meu amigo e poeta Georgio Rios, que diz "alguns clichês são necessários". Impossível não falar das referências. O problema em meu caso é que não há muitas. Meu interesse e produção poética são recentíssimos, sempre preferindo antes as formas em prosa. Meu despertar para a poesia seguiu um rumo que é o contrário do padrão: começa-se a escrever depois de encantado com uma obra de um grande autor, e a tendência é imitar em algum grau essa referência. Eu não segui esse caminho. Comecei a fazer poesia por conta própria, um processo meio ególatra e auto-reforçador. A escolha por não ler os grandes autores foi deliberada. Não queria de modo algum parecer com alguém, pois acredito que invariavelmente incorporamos traços do que gostamos, e em dois mil anos de poesia está cada vez mais difícil ser original. Hoje, com um mínimo de maturidade poética, faço leituras mais produtivas. Leio o que quero, me apaixono, critico. Tenho uma mente mais aberta e não-formatada. Há um sujeito, no entanto, que sempre foi uma pedra no meio do caminho, o próprio Drummond, cuja poesia sempre admirei. Leminski também foi um marco para mim. Quando descobri sua obra, mais do que encanto, me identifiquei com seus poemas, o que me encorajou bastante a continuar escrevendo o que escrevia, do modo que escrevia.

JIVM – Deixe registradas as suas impressões sobre os rumos que a sua poesia vem tomando. E o que teremos para adiante? Algum livro para ser publicado? O que mais?

CR – Percebo que tenho amadurecido a escrita. É a grande coisa que consigo perceber sobre mim mesmo. Como não sou poeta por ofício, tenho liberdade de experimentar e escrever. Porém livre-arbítrio não é palavra de ordem para mim. O que sou hoje é condição do que já vivi, e a característica da observação é o que me marca. Os rumos que minha poesia tomará depende de como a vida passará para mim e como irei absorver os eventos que virão. Acho que no fundo, entretanto, sempre vou escrever sobre a condição do homem, o enigma da (in)existência, como prefiro chamar. Deixando as especulações e impressões de lado, para 2010 planejo organizar alguns de meus poemas e enviá-los a alguma editora. Há também uma antologia de minicontos para ser publicada, com a minha participação, e pretendo finalizar um volume de contos breves. Obviamente, espero continuar escrevendo e tendo idéias. No mais, gostaria de agradecer pelo espaço e oportunidade de voz aqui no blogue. Também, não poderia deixar de lado o apoio do amigo Georgio, que acreditou no que escrevia desde os primeiros versos. E aos meus leitores deixo o agradecimento pela crítica e comentários. Obrigado a todos.