UM ÍNDIO PERDIDO NA SELVA URBANA POR: ANDRÉA ERMELIN

UM ÍNDIO PERDIDO NA SELVA URBANA

POR: ANDRÉA ERMELIN

Kurumim Pacurará, vinte e cinco primaveras (25 anos) é um índio da Tribo Pakurá, localizada perto do ceará. Vivendo há um ano nas ruas de Salvador-BA e sobrevivendo com a produção e venda de suas peças artesanais, ele concedeu-me uma entrevista debaixo de uma árvore, no Largo do Papagaio, localizado no bairro da Ribeira, onde revelou um pouco da sua trajetória de vida.

Kurumim Pacurará foi expulso da sua aldeia há um ano. Carrega consigo uma mochila onde guarda todos os seus objetos de trabalho (pedras, alicates, fios, cordas...), para vestir-se possui apenas uma bermuda, uma blusa e um chinelo. Alimenta-se de frutas, água e cachaça. Locomove-se com a ajuda de uma velha bicicleta que comprou num ferro velho. Quando perguntado sobre o motivo pelo qual foi expulso, ele disse:

“Matei um jacaré, homem branco me viu matando o jacaré. Homem branco jogou o sangue do jacaré sobre o meu corpo. Quando cheguei na tribo com a cabeça do jacaré, viram o sangue em meu corpo. Meu corpo estava impuro, Xamã faria nascer pelos no meu corpo. Nasceram pelo em meu rosto e minha tribo me expulsou por causa disso. Nunca mais verei meus pais.” Logo após esta resposta, o olhar dele era um mar de lágrimas, ele amava aquela tribo, sentia falta dos pais, mas o mundo estava pronto a engoli-lo. Dentro do olhar e no sorriso dele era perceptível enxergar pureza e muita ingenuidade. Neste final de semana ele se preparava para viajar de bicicleta com destino a Argentina, não estava só e sim, com um amigo seu codinome era “maluco”, não se intitulava hippie. “Maluco” havia deixado para trás o sonho de montar uma banda de Regee e se entregou ao mundo das ruas por não encontrar outra perspectiva de liberdade. Kurumim acredita muito nas forças da natureza, gosta de abraçar árvores, conversar com Xamã, cantar para Xamã. Kurumim é um jovem brasileiro que tem fé no amanhã, que acredita no sexo apenas com amor. Ele não entende ainda a cultura dos brancos, a idéia de concretizar um desejo sexual sem estar ligado ao afeto o faz pensar que seria uma forma de enfraquecer-se espiritualmente. É um índio que não sabe ler e nem escrever português, se comunica com dificuldade, chora sem vergonha diante de uma mulher, expressa os seus sentimentos sem receios desta Selva urbana que o rodeia.

Tardes de sábado como estas não se repetem facilmente nesta paisagem urbana caótica.

Infelizmente, mesmo com toda essa tecnologia disponibilizada pelo mundo receio não encontrá-lo mais. Certos encontros são únicos e inesquecíveis. Incrível e vergonhoso como em cinco séculos o nosso país massacrou, destruiu grande parte da população indígena. E ainda hoje lemos nas manchetes dos jornais como estas: Cinco Jovens Brasilienses de classe média, queimaram com gasolina um índio que apenas dormia em um ponto de ônibus, levando-o a morte.

SALVADOR-BAHIA/ BRASIL

24 DE DEZEMBRO DE 2009

ENTREVISTA CONCEDIDA A ANDRÉA ERMELIN

Andréa Ermelin de Mattos
Enviado por Andréa Ermelin de Mattos em 24/12/2009
Reeditado em 13/05/2015
Código do texto: T1994558
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