A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA É UMA CASA DE LOUCOS
OS CONSTITUINTES - 20 ANOS DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL
JOAQUIM MONCKS: A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA É UMA CASA DE LOUCOS
Por Roberta Amaral - MTB 1001 / Agência de Notícias Hora: 15:24 Data: 26/05/2009
Moncks não quis mais saber de política quando saiu da AL.
Em 1987, acreditando que a Brigada Militar não estava servindo à sociedade como deveria, o capitão Joaquim Moncks quis mudar a história da corporação. Candidatou-se a deputado estadual para trazer o debate à Assembleia Legislativa e contribuir no processo de redemocratização do País. Tempos difíceis.
Era o quinto suplente da Bancada do PMDB, mas conseguiu participar de um dos momentos mais marcantes do Rio Grande do Sul: a Constituinte. Quer dizer, na opinião de Moncks, a experiência foi terrível. "A Assembleia Legislativa é uma casa de loucos e o deputado é um guaipeca nas bombachas do governador. A imagem do deputado depende do governador, que tem a chave do cofre", afirma. Na mesma linha do deputado federal Sérgio Moraes (PTB/RS), ele também está se "lixando" para a opinião pública.
No período em que esteve na Assembleia, a quantidade de trabalho acabou com suas horas de sono e, também, com seu casamento. Dando continuidade à série Os constituintes – 20 anos da Constituição Estadual, Moncks fala sem medo dos momentos que viveu no Parlamento gaúcho.
Agência de Notícias – Como o senhor encarou o período da Constituinte?
Moncks – Mais importante do que a Constituinte, que está comemorando 20 anos, eu a considero o início do processo de redemocratização do País. Com sede de mudança e na minha ingenuidade, fui fazer política. Eu era capitão da Brigada Militar quando me vinculei ao PMDB, pois a corporação estava sendo usada contra o povo no processo da ditadura militar, que envergonha o Brasil à época. Cheguei a ser preso por fazer as críticas que o governo não queria ouvir, durante um comício, ao dizer que o País estava transformado num império, os estados eram as províncias imperiais e o imperador era um general travestido de verde, chamado João Figueiredo. Também fui demitido de um cargo no Tribunal de Justiça do Estado e perdi 65% dos meus vencimentos, por seis anos, até assumir uma cadeira na Assembleia Legislativa.
Agência de Notícias – E quem lhe elegeu?
Moncks – Em duzentos e dois municípios, dos 244 existentes no Estado, fundamentalmente o entorno da família brigadiana e professores. Mas foi uma frustração imensa.
Agência de Notícias – Então o senhor chegou à Casa com dois compromissos: a segurança pública e a educação? Quero que o senhor me conte sobre seu trabalho nessas duas áreas.
Moncks – Terrível.
Agência de Notícias – O senhor não gostou de ter passado pelo Parlamento gaúcho?
Moncks – Não. A Assembleia é uma casa de loucos e o deputado é um guaipeca nas bombachas do governador, é um cusco, um cachorrinho grudado nas bombachas do governador. A imagem do deputado depende do governador, que tem a chave do cofre. Isso continua até hoje e, por isso, vivemos essa palhaçada no âmbito nacional. Todo o jogo político é econômico. Então se faz uma firula perante a opinião pública, o eleitorado, e o governo fortalece o deputado que ele quer. Eu vi e vivi isso desde o período da ditadura.
Agência de Notícias – Então por que veio?
Moncks – Vim porque sonhava com o resgate da democracia e em ser constituinte para que se pudesse trazer para a Assembleia as aspirações do período democrático. Queres um exemplo? Eis que chego a esta Casa, sem nenhuma experiência, quinto suplente da Bancada do PMDB com 17 mil votos e o então governador Pedro Simon me diz: ‘Moncks, te quero na Assembleia, porque tu serás meu aval perante a Brigada’. E me lembro como se fosse hoje: na primeira reunião de Bancada, no Palácio Piratini, há oitenta e tantos dias de greve do Magistério, Simon impetrara uma ação para que o Supremo Tribunal Federal declarasse a inconstitucionalidade de uma lei estadual. Atacava uma lei que o ex-governador Jair Soares havia deixado de presente para ele, com o mínimo de dois e meios salários mínimos de piso salarial aos professores estaduais. Eu sentei ao lado do deputado Algir Lorenzon, então presidente da Assembleia Legislativa, e abri a boca. Disse: ‘governador, se o senhor não botar dinheiro no bolso dos funcionários, principalmente dos brigadianos e professores, irá matar quem o apoiou’. O Lorenzon bateu na minha perna e falou: ‘não diz isso ao governador’. E eu respondi: ‘mas eu sou deputado, tenho voto e, mesmo que suplente da minha bancada, acaso necessário, mudo de partido’.
Agência de Notícias – E o que foi que aconteceu?
Moncks – O governador não disse nada. Mas um deputado deixou o Secretariado e eu voltei à condição de suplente. Em 4 de junho de 1988, estou num baile de CTG em Pedro Osório, na zona sul do Estado, quando me avisam sobre a morte do deputado José Antônio Daudt. Voltei a Porto Alegre para assumir a vaga do colega de bancada.
O ambiente no Legislativo era muito ruim e, neste período da Constituição, não sabia o que se atendia, pois tínhamos a elaboração da Carta Magna e, ao mesmo tempo, os trabalhos nas comissões.
Basicamente, na Constituinte, o que eu busquei foi a separação dos bombeiros da Brigada Militar, por entender que o bombeiro está ligado à Defesa Civil. Não a Defesa Civil como está hoje, que continua vinculada à Casa Militar, órgão do gabinete do governador. Entendia que seria necessária a criação de uma Secretaria de Estado da Defesa Civil. Mas esta não era a posição da BM na época, e acho que ainda hoje também não é, porque os bombeiros vendem uma imagem muito simpática referente à figura dos policiais militares e sua difícil missão de combate à criminalidade. As verbas vão para a Secretaria de Segurança Pública e não chegam ao Corpo de Bombeiros para defender as prioridades de proteção da cidadania. Só se lembram disso quando acontece uma grande catástrofe, como o incêndio das Lojas Renner, em Porto Alegre, na década de 70.
Agência de Notícias – E qual foi o argumento utilizado para não passar essa proposta?
Moncks – O lobby feito por uma equipe coordenada pelo coronel Cairo Bueno de Camargo, que mais tarde se tornou presidente da Associação dos Oficiais da BM. Eles atuavam e enchiam a cabeça dos líderes de todas as bancadas e, é claro, todos queriam agradar uma grande instituição como é a Brigada Militar.
Agência de Notícias – Onde mais o senhor colaborou na Constituição do Estado?
Moncks – Na equiparação salarial dos oficiais da BM e servidores da Polícia Civil nas carreiras jurídicas. Esta proposta obteve aprovação e foi para o texto da Constituição Estadual, o que permitiu mais tarde que o ex-governador Alceu Collares desse um canetaço e aumentasse o salário dos brigadianos, particularmente dos oficiais, que estava ficando extremamente defasado.
Quanto às comissões temáticas, eu presidi a de Educação, Cultura, Desporto, Ciência, Tecnologia e Turismo e tive como relator o ex-deputado Carlos Araújo (PDT), uma beleza de criatura, um libertário que teve passagem por movimentos então ditos subversivos e queria o resgate da democracia. Ouvimos mais de 70 autoridades das áreas educacional e cultural.
Agência de Notícias – E como eram as discussões em plenário?
Moncks – Repito mais uma vez: a Assembleia naquele período era uma casa de loucos, não se tinha tempo para nada. Eu trabalhava 13 horas por dia, pois atuava nas comissões, no plenário, em sessões para elaboração da Constituição e também ordinárias. Mesmo suplente, meu gabinete era o terceiro mais movimentado da Casa, ficando atrás somente dos de Sérgio Zambiasi e Mendes Ribeiro Filho. Eu ainda chegava em casa e, depois de dormir algumas poucas horas, na madrugada acordava tremendo, tamanha era a tensão. E ainda se dizia que deputado era vagabundo. Isso sempre me irritou e uma das coisas pela qual eu abandonei a política partidária: as pessoas me olhavam como se eu fosse mais um corrupto. Mas só temos deputados corruptos porque existem eleitores corruptores. O corruptor é o eleitor; o deputado é fruto do processo. E ninguém diz isso, nem sobre as "mordidas" dos cabos eleitorais. E haja dinheiro e paciência.
Agora, o deputado federal Sérgio Moraes (PTB/RS) disse exatamente o que eu penso: que se lixe a opinião pública. Ele está corretíssimo, só que ele mexeu com o grande olho de interesse internacional que se chama Rede Globo, e a imprensa entendeu que era uma crítica a todos os veículos de comunicação. Não era. O deputado conseguiu instaurar a discussão deste processo, porque à imprensa sempre interessou colocar uma rolha na boca do parlamentar para que os problemas não viessem à tona, prestigiando o Legislativo. Quanto mais fraca a Assembleia e quanto mais atacado o deputado, mais caricato o Parlamento.
Por isso eu sugiro que nessas entrevistas com ex-deputados encaminhe-se a questão do resgate da democracia, porque todo o trabalho da Constituição está registrado, é publico, eu trabalhei como um maluco. Precisamos de postos de trabalho, liberdade e acreditar nos nossos dirigentes, só que a imprensa vem buscando, sempre, a coisa suja debaixo do tapete para jogar o representante popular no descrédito.
E fazer carta constitucional não foi o mais importante. Não pense que houve uma discussão imensa, não houve tempo. Se ouvia as autoridades, se anotava longos depoimentos e se reunia centenas de documentos sobre o pensamento da sociedade gaúcha. Foi tudo no "pão-pão-queijo-queijo" para construir o livro da Constituição. Se construiu o que melhor se pôde.
Agência de Notícias – O senhor se arrependeu de algum voto?
Moncks – Nenhum. Sempre votei com muita consciência porque, além das 13 horas de trabalho na Assembleia, chegava em casa e estudava absolutamente tudo. Foi tanto trabalho que acabei me divorciando durante a Constituinte. Outro motivo que levou à separação foi levar minha mulher para trabalhar comigo no Parlamento.
Agência de Notícias – O senhor era um nepotista?
Moncks – Era, e muito convicto. A melhor confiabilidade é naquelas pessoas que você convive no dia a dia, tu precisas conhecer quem te assessora. Se a pessoa que te assessora conhece o eleitorado do parlamentar, melhor será o serviço prestado durante o mandato, particularmente às pessoas que deram seu sangue na campanha.
Agência de Notícias – Se retornasse à Assembleia, o que o senhor mudaria na Constituição?
Moncks – Nunca retornarei e não mudaria nada. Tudo tem seu tempo. Cumpri meu tempo galhardamente e fui o último deputado eleito pelas seis categorias funcionais que compõem a Brigada Militar, incluindo os funcionários civis. Agora, os novos legisladores precisam ter uma visão mais profunda e de discussão da sociedade atual que mudou muito em 20 anos.
Agência de Notícias – O que dirá o senador Pedro Simon quando ler sua entrevista?
Moncks – Simon é o meu líder, e o único homem sério politicamente para quem eu dobro a espinha. Não tenho dúvida da sua idoneidade moral e respeito para com o mandato. Ele não irá brigar comigo porque sabe o quanto sou sincero. Eu compreendi o seu papel como governador. Teve que fazer obras de infraestrutura em vez de gastar com pessoal, porque não tinha reserva de caixa. Mesmo assim, sou um contribuinte insatisfeito com o Estado incompetente, e o Rio Grande do Sul, enquanto administração, não foge disso.
Agência de Notícias – O senhor não se considera responsável por esta incompetência?
Moncks – Não sei avaliar esta pergunta, ela cabe à opinião pública. Mas acredito na redemocratização do País e há, ainda, cerca de 70 mil leis nascidas durante o período autoritário que precisam ser revisadas e editadas outras normas prenhes do espírito democrático.
– Do livro O HÁLITO DAS PALAVRAS, 2008/2009.
http://www.recantodasletras.com.br/entrevistas/1649437