SOBRE O FAZER POÉTICO

Quando comecei a praticar a escrita com mais afinco, lá por 1977, me apercebi que havia ocorrências diferenciadas naqueles momentos de criação do texto poético. Uma delas, no plano físico, era o excessivo suor no corpo e nas mãos, inclusive no inverno.

Naquela época, eu escrevia à mão e chegava a ter dificuldade para segurar o lápis ou a caneta, e em várias oportunidades as mãos umedeciam a folha de papel, a ponto desta se tornar imprestável à escrita. Por esta situação incômoda, o processo do criar restringia-se aos meses de maio a setembro.

Aos poucos me acostumei com as manifestações e passei a chamar a esses momentos circunstanciais de “ENTRAR EM ESTADO DE POESIA”. Quando isto ocorria, as ideias traduziam-se mais facilmente e aproveitava aqueles instantes para dar azo e caminho, insistindo no processo criativo. Não que eu fosse propriamente o dono do processo do fazer. Era como se eu abrisse a porta e dissesse: ideias, sede bem-vindas ao plano da realidade!

Nestes curtos espaços que duravam cerca de uma a duas horas, percebia que a sensibilidade aflorava com mais facilidade. A lavratura – que provinha da inquietação – chegava apresentando linguagem cifrada, com a presença destacada de metáforas e metonímias, verbos inusitados e pouco conhecidos no meu dia a dia. Nas garatujas iniciais, as figuras de linguagem e a perspectiva da formação de estilo próprio pediam passagem.

Era chegada a Poesia e começava a ser gestada a sua natureza amorfa... Ainda não era definitivamente o poema, a constatação materializada do fazer poético. Congeminava-se o embrião do futuro poema.

Nunca acreditei – diferentemente da maioria dos confrades da Casa do Poeta Rio-Grandense – que a mera “ESPONTANEIDADE” ou “INSPIRAÇÃO” pudesse vir a produzir o poema devidamente finalizado, pronto em conteúdo e forma. Segue daí que é plausível e perfeitamente crível que o segundo momento de criação, o da “TRANSPIRAÇÃO”, se postergasse no tempo sem nenhum pejo, agonia ou cansaços.

Hoje – em mais de 40 anos de publicação dos primeiros poemas – cada texto de minha lavra tem, em média, cerca de 20 (vinte) horas de estudo, de confecção, de lavratura continuada, num período que varia entre 100 (cem) dias e 05 (cinco) a 06 (seis) anos até a sua edição em livro.

Há um poema chamado “COLHEITA”, que, depois de publicado numa coletânea de sociedade literária da qual não me recordava, acabei também me perdendo do tinhoso, a ponto de não relembrar a sua forma original. Recitado de memória por um amigo apreciador de poesia – depois de alguma reflexão – atinei que o mesmo era de minha lavra. Percebi que eu tinha um filho tresmalhado. Recolhi-o e, levados uns meses, o terminei.

Levou 24 (vinte e quatro) anos para que o desse por pronto, talvez acabado. É o período de ajustamento entre ideia e palavra. O tempo caldeia a experimentação...

A rigor, a peça poética nunca está pronta, porque é matéria viva, situada na realidade, no campo do fazer intelectivo, mesmo que eivada de ficção, de sonhos e de fantasias. Às vezes é um descarado fetiche amoroso...

A busca do dizer com alguma beleza estética exige o pré-conhecimento, a técnica. A natureza e o transcorrer dos tempos produziram muito poucos gênios, na história da humanidade. O que fazer se o gênio benfazejo, pleno e pronto, nunca me bafejou? Só o trabalho duro e pontual pode melhorar as imperfeições. E isso leva tempo...

– Do livro O HÁLITO DAS PALAVRAS, 2008/12.

http://www.recantodasletras.com.br/entrevistas/1093496