Deus nos acuda!!
“A figura e a performance dos cantores e cantoras na atualidade é mais importante do que a música em si. A ausência de harmonia nas composições é uma constante, assim como, letras sem pé nem cabeça e de uma pobreza gramatical impensável tempos atrás. Pobre geração essa que não tem, nem terá a curto prazo, oportunidade de escutar melodias cuidadosamente elaboradas por músicos e letristas competentes retratando o cotidiano, romances, paixões, protestos – saudade -”.
Um exemplo dessa realidade nos dias de hoje:
Zapeando pela TV aberta um final de tarde de domingo me deparo com a “dança dos famosos”, programa de renomada emissora de TV. Pauso o controle remoto para assistir a competição e fico impressionado com o desempenho de um casal; bonito de ver! Ao final da dança me encho de paciência para a etapa em que os competidores são submetidos aos comentários do júri. O que acontece a seguir é um martírio para os espectadores: lenga-lenga interminável, narcisismo explicito e demonstrações claras da falta de conhecimento de alguns jurados – os artísticos - sobre a arte. De repente, o apresentador do programa se concentra em uma convidada da qual reconheço o nome porém não conhecia.
Fiquei curioso e permaneço no canal para saber mais sobre a artista. Após os salamaleques de sempre e depoimentos de amigos e parentes, a mesma é convidada para apresentar sua música, um sucesso estrondoso, segundo o apresentador, com milhares de “likes” nas redes sociais. Fico mais curioso ainda. Logo no início paraliso, não entendo como a tal música pode ser um sucesso. Sinto vergonha alheia, confesso. Toda a canção tem o tamanho de um único refrão e não diz nada com nada. A performance no palco, um terror, a artista mexe o corpo e a cabeça de um lado para outro numa espécie de dança descoordenada. Tenho vontade de retomar o controle remoto mas a minha curiosidade é maior do que meu desconforto e opto por ver reação da plateia.
Ao final da apresentação que imagino seria vaiada, coisa que não aprovaria, claro, mas aceitaria de bom grado uma reação silenciosa, a audição foi não apenas aplaudida, mas sim, ovacionada pelo público presente a ponto de pensar - será que estou vendo e ouvindo direito -? A vergonha alheia que imaginei sentir pela artista virou contra mim. Me senti um alienígena.
O pior acontece em seguida quando a câmera começa a se mover da plateia para a bancada dos jurados e assisto a todos, sem exceção, de pé, aplaudindo com entusiasmo e feições em êxtase para a manifestação de talento genuíno e raro da artista que acaba de se apresentar no palco. Não sou músico, não toco nenhum instrumento musical, infelizmente, mas sou um ouvinte atento e costumo me emocionar com melodias que me tocam, independente do gênero. Ao ver a reação empolgada, principalmente, de um dos jurados, na realidade uma jurada, bailarina e principal nome do ballet no Brasil, fiquei pasmo; não acreditei no que vi. Como pode uma artista de reconhecido talento para a dança clássica com ouvidos sensíveis e acostumados ao som de Tchaikovsky, Serguei Prokofiev, Ludwig Minkus e uma infinidade de outros autores, se emocionar com uma música tosca, sem harmonia, sem texto, sem qualificação, enfim, só Deus para saber.
Por mais que tente, não consigo entender como músicas sem rima, sem conteúdo e sem harmonia, apresentadas em performances bizarras, possam fazer o sucesso estrondoso tal qual o da artista em pauta. A nós, alienígenas no universo musical contemporâneo, só nos resta pedir que “Deus nos acuda”, e que seja com urgência, para que as gerações de hoje e as futuras possam ter a oportunidade de sentir a emoção fluir por entre os poros do corpo e explodir sentimento ao som de melodias harmoniosas e com textos que lhes digam algo, que lhes contem histórias e que os façam refletir sobre os enigmas da vida.