Nova Cidade
A Ribeira Grande? Antes de Junho de 1981? Para tentar provar essa (eventual) possibilidade, vou ver o que (a esse propósito) possa ter ocorrido entre Maio e Dezembro de 1971. E (como se verá) parar ‘a busca’ em Abril de 1974. O primeiro sinal (partilhado com o público do Correio dos Açores) foi dado (não investiguei sistematicamente o assunto) na (sua) edição do dia 11 de Maio de 1971. A pretexto do quinto aniversário do Círculo dos Amigos, alguém que não se identifica, mas com poder de decisão no jornal (ou chegado a quem o tivesse), destacando a notícia em caixa fechada na primeira página, escreveu: ‘Um espírito novo surgiu, com a criação do Círculo dos Amigos – dimensão ajustada de forças combinadas para se formar o cidadão e a cidade.’ Era o que pretendia o Círculo dos Amigos? Em 2002, à pergunta de Hermano Teodoro se ‘o Círculo tinha em mente preparar a Ribeira Grande para se tornar cidade,’ o Padre Edmundo (autor da ideia da fundação daquela associação) respondia: ‘Não o tinha expressamente, mas as suas realizações indicavam um sentido de criação de um espírito de cidade.’ Era (bem) verdade isso (considerando a letra do estatuto). Acerca de poder ou não ser cidade, segundo ainda Edmundo, os membros daquele Círculo dividiam-se em duas correntes: ‘muitos (…) recusavam-se a aceitar tal ideia, diziam que a Ribeira Grande não tinha condições para tal. Eu retorquia que as cidades não nascem, fazem-se. Não há nenhuma terra que nasça assim, faz-se.’ Posições distintas, porém, não antagónicas, já que, a segunda (a que queria a cidade) agiu (livremente) sem qualquer oposição da primeira. A fama da Ribeira Grande, (muito) construída pelos jornais de Ponta Delgada em editais e em artigos de fundo elogiando o seu exemplo, criaria (de facto) um ambiente favorável ao (novo) renascer da pretensão da elevação a cidade. Corriam (então) tempos de (relativa) abertura. Seria possível ousar o que dantes nem em sonhos se ousaria. Monteiro regressara de Angola no início do ano de 1971. Escolhido pelo Governador Basílio Seguro para Presidente da Câmara, foi empossado em finais de Abril. Através dele, a nova geração (e o Círculo) acedia ao poder. As (famosas) festas da Vila estavam (já) à porta. Monteiro fora co-fundador do Círculo (mais Edmundo e Ezequiel Filho). Chegara o momento de (novo) reafirmar as pretensões da terra? Ele, certamente, como político da ponta dos pés à raiz do cabelo, não desdenharia (igualmente) a oportunidade de se afirmar. Nas festas daquele ano, a força da Vila (que alguns – entre eles -, queriam que fosse Cidade) iria ser (mais uma vez) mostrada (à Vila e à Ilha). As de 1971, seriam mais esmeradas do que nunca. E foram-no ao ponto de (o jornalista) Manuel Ferreira (não assina mas é bem possível ter sido ele) no Correio dos Açores, de 3 de Julho, confessar: ‘por si só justifica a visita à Vila-Cidade, muito mais cidade do que vila, acreditem.’ Sobre as festas de Natal, poucos meses depois das da Vila, alguém de Ponta Delgada escrevia: ‘O que vimos, há pouco, na Ribeira Grande devia envergonhar todos os pontadelgadenses.’ Subindo o tom do seu lamento, não se coibia de dizer que era ‘confrangedor constatar o desinteresse que Ponta Delgada nutre pelas manifestações de ordem cultural.’ ‘E – digamos em abono da verdade -, a vila da Ribeira Grande, em muitos aspectos, tem dado e continua a dar autênticas lições à própria cidade capital do nosso Distrito.’ Sobre a Ribeira Grande, pelo contrário, dizia: ‘Não é a primeira vez que nos referimos à extraordinária lição de civismo, bairrismo e regionalismo daquele que bem merece ser elevada à categoria de cidade. Outras terras menos evoluídas já foram distinguidas com essa mercê.’
A 4 de Julho, agora no jornal Açores, Victor Cruz (pai) ia ainda mais longe. ‘Porquê empregar duas palavras [Vila-Cidade], quando uma só – Cidade – lhe assenta melhor e define bem o seu inquestionável valor? No nosso Portugal, quantas e quantas cidades existem com bem menos importância do que a vila da Ribeira Grande?! (…).’ Respondendo a uma objecção que correria (então) pela Ilha, lança a pergunta: ‘Será que uma Ilha não poderá ter duas cidades?’ À qual, responde com nova pergunta: ‘quantas existem nas Ilhas britânicas, por exemplo?’ Dito isso, aponta a quem deveria abraçar a causa: ‘Será assim tão difícil, ao Círculo dos Amigos, que tantas e tão abnegadas provas tem dado do seu forte querer e ardente bairrismo, desbravar o terreno abrindo a picada que se transformará em asfaltada via?’ Atento, colaborando também no Açores, de 11 de Julho, a apoiar Victor Cruz (pai), Luciano da Mota Vieira aplaude: ‘(…) Trata-se (…) duma aspiração que se afigura perfeitamente razoável, na sua génese e formulação.’ Historia tentativas anteriores (de 1852 e de 1949). Considera excessivo o requisito demográfico exigido para uma Vila ser Cidade. Por aquele critério, argumenta, com razão, nem a cidade de Angra ou a da Horta (se então se candidatassem a Cidade) seriam elegíveis. A concluir, acha benéfico haver mais do que um polo de desenvolvimento na Ilha. A coroar as ‘retumbantes’ manifestações ‘de salutar bairrismo’ (como as publicitavam alguns dos jornais de Ponta Delgada), o modo como as (ditas) festas encerram dizem (tudo) da intenção dos seus organizadores: ‘(…) traduzir no seu título aquilo que a velha capital do norte já é há muito tempo: a verdadeira CIDADE NOVA.’ Quem o escreve? O Padre Edmundo Pacheco. Quem foi o mestre de cerimónia (e seu organizador) da apoteose daquelas festas? Victor Cruz (Filho). O sucesso foi tal, superando as expectativas mais optimistas dos seus organizadores, que levou o Presidente da Câmara a ousar o que nenhum outro antes dele ousara. Em Agosto daquele mesmo ano de 1971, no dia 21, Fernando Monteiro, em gesto que se reveste de (muito) simbolismo, aproveita a cerimónia de boas vindas ao Ministro do Interior António Manuel Ferreira Gonçalves Rapazote (n. 19.05.1910 - Bragança – f. 6.12. 1985 – Coruche), que tutela as autarquias. Conhecer-se-ia na Ilha que estava para (muito) breve a passagem a elevação de três Vilas continentais a Cidade. Em texto transcrito na acta da Câmara, de forma (largamente) medida, afirmou: ‘Caminhamos assim a passos largos para a Cidade Nova.’ E (politico, ainda que a dar os primeiros passos) não querendo (naturalmente) hostilizar ninguém, atira a pretensão para ‘um dia quando o querer de todos os Ribeiragrandenses for [que é – diga-se -, uma pura ilusão, pois, se assim fosse, ninguém lá chegaria. Ainda assim, era um bom princípio], em factos e em méritos, o desejo de verem a sua linda Vila elevada a Cidade, então bateremos todos à porta de Vossa Excelência para com a sua sábia autoridade nos conceder esse pergaminho.’ O jornal Açores, de 24, o (provável) epicentro da (à falta de melhor termo) ‘campanha,’ transcreve (e repica) a passagem que interessa: ‘Caminhamos assim, a passos largos, para a Cidade Nova. (…).’ Terá Monteiro informado o Governador do que ia dizer? Terá combinado com os seus vereadores? É (bem) possível. Que resposta lhe deu o Ministro Rapazote? ‘no seu agradecimento, (…) disse o seu grande gosto por visitar aquela Vila e se encontrar nos seus Paços do Concelho (…).’ Isso porquê? Talvez porque não viesse preparado para dar uma resposta oficial. Em privado, não terá (provavelmente) desencorajado a pretensão. Dias depois, viria Américo Tomás (o Presidente da República). Será que (então) alguém aproveitou para dar uma palavrinha ao Presidente da República? Se houve (o que não é improvável, costumava ir caçar ao coelho e à perdiz com caçadores da terra), não terá proibido a ideia. Os testemunhos que apresento de seguida, não desmentem essa possibilidade.
Ligado ou não à vinda de Rapazote, haverá o caso da ajudinha do Dr. Rui Galvão de Carvalho (Rabo de Peixe, 3 de Novembro de 1903 - Ponta Delgada, 29 de Abril de 1991). Aproveitando (segundo mais tarde confessaria) a visita de um ministro (a de Rapazote?) (‘que havia sido nosso companheiro em Coimbra.’) defende a elevação da Ribeira Grande a Cidade nas páginas (ainda) do jornal Açores. Segue-se um terceiro acto da (provável) ‘campanha.’ Que terá sido espontânea? Já em Janeiro de 1972, mas escrito (ainda) em Dezembro, entra em cena o (provável) mentor da causa (que age nos bastidores): Ezequiel Moreira da Silva (pai) (n. 17-08-1893 – RG – f. 26-07-1974 – RG). Começa assim: ‘Nestes últimos tempos tem sido referida, com certa insistência, uma das mais caras e velhas aspirações dos ribeiragrandenses – a promoção da sua vila a cidade.’ Como já se viu? Para que tal fosse possível, adianta razões de peso: ‘pela sua riqueza urbana, pelo seu valioso património humano, cultural e artístico, pela importância económica do concelho de que é a cabeça e pelas potencialidades ainda inexploradas que esta encerra, nomeadamente nos sectores da agricultura e das indústrias que esta poderá originar e do turismo.’ Excepto o caso do turismo, Loureiro em 1852 já dera razões semelhantes. Daí, vai e conclui: ‘não restam dúvidas a ninguém de que a Ribeira Grande será agora uma cidade digna deste nome e, no futuro, cada vez mais.’ Mas desta vez (ao contrario de 1852) iria ser cidade, ‘por razões várias, das quais não podemos alhear a larga visão administrativa e dinamismo invulgar do actual Presidente da Edilidade Ribeiragrandense [Fernando Monteiro].’ Continua Ezequiel, ‘estamos convictos [terminava] que, dentro de poucos anos, a cidade da Ribeira Grande será, finalmente, uma realidade.’ Dizendo assim dessa maneira, quererá isso dizer que a pretensão não só não fora rejeitada pelos poderes da ‘Nação,’ como seguia o seu caminho. Sem conhecer o que pensariam esses (tais) poderes, será que poderei (eventualmente) chegar lá perto se comparar o que se conhece da realidade das três Cidades criadas em 1973 com o que se conhece (então) da Ribeira Grande? Em Junho de 1973, ainda no tempo em que Rapazote era Ministro do Interior, Almada, Póvoa de Varzim e Espinho foram elevadas a Cidade. O que fora feito de acordo com o estipulado no artigo 12.º, n.º 2, Parágrafo 2.º do Código Administrativo de 1940: ‘A categoria só poderá ser conferida às Vilas de população superior a 20.000 habitantes (…).’ Ora, após análise e conselho de colegas juristas, partindo do princípio que tal número se refere à totalidade da população do Concelho e não apenas ao da sede do Concelho, como parece ficar claro, segundo o censo de 1970, verifica-se que em termos populacionais, havia uma enorme distância entre Almada (107 575), Póvoa de Varzim (42 698) e Espinho (29 008), no entanto, como se comprova, a Ribeira Grande (com 32 165) ultrapassava Espinho. E, quanto ao parâmetro seguinte, que requer o ‘notável incremento industrial e comercial, servidas por grandes vias de comunicação e dotadas de instalações urbanas de água, luz e esgotos?’ Pelo que a Ribeira Grande (sede do Concelho) já dispunha em 1973, e comparando com o que me foi possível obter das anteriores Cidades, até prova em contrário, não me parece que (também naqueles parâmetros) divergisse (substancialmente) (pelo menos) das duas últimas. Acerca disso, Ezequiel já respondera em 1971. E, em 1973, poderia acrescentar o Gimnodesportivo, a Piscina, o Ciclo Preparatório e a Extensão da Escola Industrial, os ensaios da Geotermia. Seria (pois) uma questão de tempo (e de oportunidade) antes de Ribeira Grande ser cidade? Eis uma (possível) prova dessa possibilidade: ‘numa das suas visitas à Ribeira Grande (…) [O Governador] Basílio Pina de Oliveira Seguro [de 6 de Agosto de 1970 a 18 de Fevereiro de 1974], falando na sala Nobre dos Paços do Concelho, referiu-se intencionalmente [à Ribeira Grande] como sendo esta Cidade!’ Isso escreveu Luciano da Mota Vieira. A (referida) despedida deu-se (certamente) depois da data da elevação das três Vilas (de que já falei) a Cidade. E, sendo nomeado pelo Ministro, seria improvável que o dissesse sem a sua aprovação. Era (além do mais) ao Governador que cabia dar parecer para uma Vila poder passar a Cidade. Será que (de certa forma) quis dizer (insinuar) que depois daquelas três novas Cidades chegara a vez da Ribeira Grande? Entretanto, muda o Ministro e o Governador. Ainda assim, se estava tudo (aparentemente) a seu favor, por que razão a Ribeira Grande não apresentou candidatura a Cidade? Por que não o fez o seu Presidente? É certo que foi Deputado à Assembleia Nacional, é ainda certo que aí foi vogal da Comissão de Política e Administração Geral e Local. Todavia, tirando o Natal e a Páscoa, não terá lá permanecido mais do que quatro meses. A legislatura que deveria acabar em 1977 acabou em Abril de 1974. É certo ainda que, como referiu no seu discurso de encerramento da Campanha, que ‘tivera a oportunidade de tomar conhecimento das suas principais necessidades e aspirações,’ porém, a prioridade ‘na hora mais difícil da nossa História,’ era outra. A Guiné-Bissau declarara a independência. Na Assembleia, ainda fez intervenções. Sendo Presidente da ANP Distrital teria (ainda) de auscultar Ponta Delgada, Vila Franca (etc.). Caso mantivesse a ‘promessa’ de se ocupar (em Lisboa) da elevação da Ribeira Grande a Cidade (o que dependeria também muito das circunstâncias), ainda teria de aguardar pela oportunidade certa. No entanto, os acontecimentos iriam precipitar a queda do Regime. A crise do petróleo. A publicação de O Portugal e o Futuro de António Spínola. O 16 de Março. O 25 de Abril. Tivesse a Ribeira Grande sido Cidade antes de 1974, e as três cidades mais velhas (Horta, Angra do Heroísmo e Ponta Delgada), teriam tido dificuldade em excluir a Nova Cidade da discussão do figurino Autonómico de 1975-76? Teria a Ilha de São Miguel ganho (então) com a cidade da Ribeira Grande? Que acham?
Casa do Arcano (Cidade da Ribeira Grande) (continuação)