Sobre dores e perspectivas
Não é de hoje que a condição externa é um grande motivo para a inércia. E com isso, não se dá valor a condição interna do indivíduo.
A frase comum “você não sabe da minha realidade” se torna a grande justificativa para o fracasso, e certamente enquanto você lê a palavra “fracasso” já procura meios de conceituá-la, para com isso, validar a sua perspectiva de fracasso, e certamente não se colocar inserido em tal conceito. E com isso, a mudança sempre fica em segundo plano, e a inércia continua sendo a grande protagonista da sua história.
Qual é o seu difícil? Acordar às 5h da manhã? Encarar mais um dia desempregado? Encarar mais uma sessão de quimioterapia? Encarar mais uma ressaca moral? Ter que se limpar após mais um abuso e se olhar no espelho sentindo-se culpado? Encarar a sua miséria material? Encarar mais uma sessão de terapia? Encarar uma dieta? Encarar o seu vício? Chorar a morte dos seus? Lamentar um diagnóstico de doença?... Não, não se trata de “medir” sofrimento, isso não se faz, e nunca deve ser feito, trata-se apenas de identificar se o seu difícil é oriundo de um sofrimento evitável ou de um sofrimento inevitável, teoria essa desenvolvida por Viktor Frankl em sua escola terapêutica denominada “logoterapia”.
O grande problema do ser humano é querer dar sentido para um problema que carece de ação, ou seja, um problema oriundo de um sofrimento evitável. Ou então, lutar para mudar uma situação que não carece de ação externa, pois se trata de um sofrimento inevitável, e para estes casos, mudar a si mesmo é a única coisa que resta.
Voltando para a questão “qual é o seu difícil?” podemos citar o ditado popular de que “a grama do vizinho é sempre mais verde”, daí mais uma vez a certeza de que “medir” sofrimentos ou te colocará como um coitadinho perante a vida ou como um arrogante insensível que acredita que sofrer é coisa de gente fraca. Ambas as atitudes são devastadoras.
O cerne continua sendo a sua percepção dos fatos, o que você está passando é evitável ou não? Caso seja evitável procure soluções para eliminar a causa, caso seja inevitável procure mudar a sua perspectiva diante de tal sofrimento. Partindo dessa ideia você perceberá que “medir” sofrimento perderá o sentido para você, e que caso o seu difícil seja acordar às 5h você deverá agir de determinada forma, e caso o seu problema seja encarar mais uma sessão de quimioterapia certamente isso exigirá outro tipo de postura, e com isso, ficará nítido para você que a sua realidade depende muito mais da sua compreensão dela e da ação que você escolher em determinada situação. E com isso os fatores externos serão apenas uma barreira transponível e não mais um fator determinante que condenou você a ser quem você é.
Já imaginou se um alcoólatra colocasse como justificativa não lutar contra o seu vício o fato de que “a sua realidade” fosse dura demais? Certamente morreria em decorrência do seu vício sem jamais buscar a solução. Ao contrário, os que lutam contra o vício sabem que a realidade externa continuará igual, a demanda por bebidas alcoólicas continuará a todo vapor, bares continuarão funcionando normalmente, propagandas continuarão focando em mais vendas, e as fábricas continuarão produzindo as melhores bebidas do mercado. O que vai mudar na vida de alguém que luta contra o vício é como ele irá encarar as suas dores, e não como a vida externa se apresentará a ele. A tentação do gole continuará escondida na sua psique. Mas é a sua gana pela sobriedade que se tornou maior que a vontade de beber. O mundo externo não mudou, mas o seu coração sim.
Reflita sobre as suas dores. Mas não façam delas o seu vício. O sofrimento é inerente à vida, mas a sua forma de viver é escrita por você.
Viktor Frankl disse que até mesmo sobre aquilo que não se pode mudar (no caso, o sofrimento inevitável) é possível escolher como você irá encarar tal sofrimento, em outras palavras, até um condenado a morte poderá escolher como caminhará até a sua execução.
Romântico? Não. Apenas alguém que sabe do valor da liberdade última que todo ser humano tem: a capacidade de escolher como irá encarar aquilo que lhe fora imposto.
Qual é o seu difícil? Ele pode ser evitado? Então aja para eliminar a causa. É algo que não pode ser mudado? Então, permita-se encarar com dignidade tal sofrimento.