Estou off

Estou me sentindo solitário, vazio, sorumbático, nauseado com o mundo e oco por dentro; se bateres com a bengala em mim, ouviras o eco surdo/mudo, do qual, minha mente se nutre. Daí o motivo de ter chamado-o aqui.

- sua feição não aparenta tristeza.

Mais vale o chilreado de um pássaro livre, que seguir um turbilhão de formigas em fila indiana, carregando nas costas a provisão que as alimentará na estação chuvosa.

Enquanto a existência das formigas é regulada pelas estações, a esfuziante e sonora alegria de viver dos pássaros não tem tempo exato e nem ponteiros de relógio, que a regule.

Seja você o animal que for e cante o que cantar, seja mais o chilreado dos pássaros; acima de tudo e em tempo, os pássaros não precisam de leis, estatutos, decretos e procedimentos sanitários corretos.

Por isso, alguém em algum cantão do mundo há de dizer: sábias cantorias, cantam, trinam, gorjeiam, assoviam todos os demais pássaros, incluíndo os sabiás.

- Lord Plutão, deveras o senhor continua um ser amável!

Trafego por dias, noites, meses e anos desvencilhando de tantas máquinas, filas assistenciais e bestiais robôs humanizados, que chego pensar que sou gente de carne, ossos e uma mente em cima do pescoço, entre duas orelhas, com um chumaço de cabelos em cima e um crânio dentro, dotado de certa inteligência.

Sinto-me feliz, rio incansavelmente, dou piruetas no ar em agradecimento aos céus por essa grata acefalia!

- completando: ... o senhor continua um ser amável e esquisito, no bom sentido, claro! Desculpe-me, nem tudo que vem à mente, deve ser vomitado pela boca.

Sim, agradeço por tamanha generosidade, mas antes, é proibido entrar sem máscara.

- veja que estou usando o aparato inibidor, não de palavras, mas de minúsculas partículas de saliva.

Sim, vejo, porém troque a sua máscara por uma das minhas higienizadas que estão no cabideiro; e antes de sentar, por favor compadre, lave bem as mãos com detergente, passe álcool gel 70. Era conhecimento humano, mas só agora veio à tona, que o homem com a boca fechada, polui; com ela aberta, contamina.

- obrigado, pelo acolhimento! Devo dar-lhe um abraço?

Por nada: já errou em pensar em abraço; questão de saúde, como sabeis.

- por onde iniciaremos a prosa, são tantas coisas nesse país.

Más coisas, óbvio. Bem, iniciemos nosso encontro; e como ainda faltam 20 meses para as próximas eleições, falemos sobre a pandemia; a qual comparada a outros países, batemos todos os recordes e números.

- desgraça pouca é tolice, Lord Plutão!

Tenho que concordar, servo Brasilino; mas nem tudo é desgraça e se para todos não temos vacina, está atracado no Recife um navio cargueiro com uma tonelada e meia de cacaína.

- bem lembrado, Lord; e o barato de tudo isso, é que além de tudo terminar em pizza, declamam rimas versadas em poesia.

Como assim, não entendo de métrica poética.

- " mas nem tudo é desgraça e se para todos não temos vacina, está atracado no Recife um navio cargueiro com uma tonelada e meia de cacaína." - vistes?

Fabuloso, fabuloso, servo Brasilino! Estou estupefato...; jamais imaginei a poesia em minhas palavras. Comemoremos, brindemos o novo Olavo Bilac. Mordomo, Nicomênico Gato, por favor, vinho português para dois. Assim que nos for servido e aqui as coisas funcionam, retire a máscara, servo Brasilino. Mas, não se esqueça, mantenha a distância mínima de 5m, longe de mim. Distanciamento combina com postura. Ouso dizer que isolamento e distanciamento, estar off, é ato moral, em um Planeta redundante.

- sim senhor, Lord Plutão! Não entendi a expressão "é ato moral, em um Planeta redundante".

Entendo dessa maneira, servo Brasilino; e ao saber de coisas além absurdo, por exemplo: "um povo que não conhece sua história, está fadado à repeti-la, sempre", esse parecer que não sai de minha mente, ficou mais evidente.

- te ouvir, Lord Plutão, é puro hedonismo.

Generosidade sua, caro servo. Em breve você voltará para seu reduto e Eu ficarei por aqui; nesse mundo insólito, elucubrado pelo "Estou off", sob o qual, a humanidade ajoelha, rende-se, definha!

- e sob o efeito elástico resiliente, vem e vão; nunca em vão.

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 03/03/2021
Reeditado em 03/03/2021
Código do texto: T7197386
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