O AFICIONADO DA POESIA

É importante e até necessário que façamos algum esforço intelectual para entender a linguagem poética, que não é aquela a que estamos acostumados no palavreado cotidiano. É fortemente por esta razão que designo genericamente o leitor de Poesia como "poeta-leitor". O aficionado da poesia não é um leitor comum: é um degustador de palavras e, em não sendo exigente e detalhista em seus mais inusitados sentidos, deixará de acompanhar o voo original que o novo sentido da palavra logra envidar para esse passeio, especialmente quanto aos efeitos da metáfora no contexto verbal. Se este não contiver em si a peculiar capacidade de recriar o que os vocábulos banhados de figurações de linguagem sugerem, por vezes não conseguirá fruir a proposta estética que o poeta-autor pretendeu chegasse ao receptor. Alguns autores de poemas são melhor dotados que outros, talvez e principalmente porque amealharam, desde muito cedo, os efeitos da leitura de poemas de bom nível estético, aliado aos pendores e à exposição de interpretações que comumente levam ao ato de pensar, e, em verdade, o "pensar dói". No entanto, o criador não deve se preocupar em fazer concessões ao leitor. Como fazedores de poemas não somos nós que escolhemos a Poesia como expressão do espiritual: é ela que nos escolhe, como observam Mario Quintana e outros bardos bafejados pela notoriedade pública. Segundo este estado de atilada percepção a acutilar cabeça, o bardo encantador de linguagens sabe o que fazer com a palavra advinda ao inesperado lume da metáfora. O poema nunca é o "prato do dia", porque a Poesia existente nele sempre é uma delicada e generosa sobremesa. Realmente, é difícil tornar uma pessoa que acredita somente na inspiração um razoável bom gourmet de poemas. No mais, a farsa, a fantasia e o sonho são imanentes à natureza geradora da peça poética com laivos de poeticidade. Segundo Otto Maria Carpeaux, lúcido analista literário já falecido, a Poesia é a mentira em superlativo grau, portanto, dotada da mais alta expressão da frutificação do pensar poético. Todavia, por não pertencer ao plano dos fatos, a Poética não interfere nas inter-relações comuns ao mundo do ter, dos frenéticos possuir e consumir, do comer e do beber, do matar e do morrer, exaurindo a vida e dando lugar à finitude e sua discutível posteridade. Todavia, por certo, nos aproxima de tudo e de todos, nos quintais frutíferos do Absoluto.

MONCKS, Joaquim. A VERTENTE INSENSATA. Obra inédita, 2017/2021.

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