A Teoria da Conspiração contra o globalismo e uma ciência materialista
A ascensão das teorias conspiratórias é um fenômeno da globalização. A ampla disseminação do acesso à internet e das redes sociais, possibilitou que versões alternativas da realidade alcançassem cada vez mais adeptos em todo o mundo. Evidentemente, acreditar em teorias conspiratórias ou delirantes não é algo exatamente novo na história da humanidade. No entanto, o que há de inédito nas modernas teorias conspiratórias é sua veiculação em massa conjugada a uma forte rejeição da ciência moderna e do discurso dos especialistas.
Para o Geografo marxista Milton Santos, no seu livro “Por uma outra globalização”, uma das características da globalização é a “confusão dos espíritos”.
“A competitividade comanda nossas formas de ação. O consumo comanda nossas formas de inação. E a confusão dos espíritos impede o nosso entendimento do mundo, do país, do lugar, da sociedade e de cada um de nós mesmos”.
A confusão dos espíritos aparece como um subproduto da globalização perversa, ao lado da competitividade cruel e do consumismo exagerado. Sendo assim, as teorias conspiratórias, sua divulgação pelo planeta, seus meios de difusão, etc. oferecem um campo de estudos imenso para a Geografia, sobretudo para a Geografia Cultural.
As teorias conspiratórias estão vinculadas a capacidade humana de reconhecer padrões. Essa capacidade certamente foi determinante para a sobrevivência da espécie humana. Num passado pré-histórico, estabelecer conexões e relações de causa e efeito entre objetos e eventos, pode ter sido útil na hora de encontrar alimentos, abrigo numa caverna ou mesmo identificar sinais de um predador. Porém, essa mesma capacidade do cérebro humano de reconhecer padrões, pode levar ao estabelecimento de relações que não existem, como ver feições conhecidas em nuvens, formas de animais em constelações ou rostos humanos em montanhas. Uma teoria da conspiração nada mais é do que uma falsa relação de casualidade dentro de uma estrutura narrativa aparentemente coerente.
A plataforma de compartilhamentos de vídeos em formato streaming, o Youtube, é o principal meio por onde as teorias conspiratórias são veiculadas globalmente na atualidade. Não é incomum encontrar canais de divulgação de versões alternativa da realidade com milhares de inscritos. Os canais Ciência de Verdade e Inteligentista são dois canais brasileiros de teorias conspiratórias e pseudociências. Ao contrário do que pensa o senso comum, os autores dos dois canais citados, não são ignorantes e supersticiosos, mas sim pessoas inteligentes, com discurso bem articulado, com perfil sócio econômico de classe média alta e que receberam educação superior formal. Douglas Aleodin, autor do canal Inteligentista, é palestrante, fotografo e bacharel em Física pela Universidade de São Paulo. Afonso Emídio de Vasconcelos Lopes, dono do canal Ciência de Verdade, é conselheiro de pesquisas de empresas Star-UPs, acionista e pesquisador da empresa Vera Cruz e ex professor do departamento de Sismologia do curso de Geofísica da USP. Já desenvolveu importantes trabalhos, no Brasil e no exterior, de avaliação de riscos sísmicos em grandes obras e tem publicações em revistas científicas relevantes.
Examinando de perto as publicações desses canais, encontra-se um conteúdo bastante variado, que aborda uma infinidade de assuntos relacionados a ciência e a religião: Terra plana, validade do geocentrismo, a vinda do planeta Nibiru, a fraude da viagem a Lua, petróleo não é um combustível fóssil, defesa do criacionismo e da Terra jovem (6 mil anos), ataques as vacinas, entre outros temas controversos. O que há de comum entre esses dois canais (e também de outros na mesma linha) é o embasamento religioso do discurso, a desconfiança em relação ao conhecimento científico “oficial” das instituições universitárias e de Estado e também a crença de que eles, os autores desses canais, é que estão fazendo a verdadeira ciência isenta, não corrompida pelo “poder”. Portanto, o discurso conspiratório assume também uma dimensão política anti-hegemônica.
De acordo com Milton Santos, “Antes, era corrente discutir-se a respeito da oposição entre o que era real e o que não era; entre o erro e o acerto; o erro e a verdade; a essência e a aparência. Hoje, essa discussão talvez não tenha sequer cabimento, porque a ideologia se torna real e está presente como realidade, sobretudo por meio dos objetos. Os objetos são coisas, são reais. Eles se apresentam diante de nós não apenas como um discurso, mas como um discurso ideológico, que nos convoca, malgrado nós, a uma forma de comportamento. E esse império dos objetos tem um papel relevante na produção desse novo homem apequenado que estamos todos ameaçados de ser. Até a Segunda Guerra Mundial, tínhamos em torno de nós alguns objetos, os quais comandávamos. Hoje, meio século depois, o que há em torno é uma multidão de objetos, todos ou quase todos querendo nos comandar. Uma das grandes diferenças entre o mundo de há cinqüenta anos e o mundo de agora é esse papel de comando atribuído aos objetos. E são objetos carregando uma ideologia que lhes é entregue pelos homens do marketing e do design ao serviço do mercado.”.
Essa dimensão subversiva e anti-hegemônica da teoria conspiratória, pode ser facilmente percebida, por exemplo, na narrativa alternativa das viagens a Lua. Essa narrativa sustenta que as viagens lunares realizadas pela NASA entre os anos de 1969 e 1972 nunca aconteceram. Elas teriam sido uma grande fraude publicitária criada pelo governo dos EUA, com o intuito de se opor a URSS, durante a corrida espacial na Guerra Fria. Em 1957, a URSS colocou em órbita o primeiro satélite artificial, o Sputnik. Temendo ser deixado para trás na disputa, o governo dos EUA, com a ajuda da poderosa indústria cinematográfica hollywoodiana aliada a elite econômica, encenou uma fraudulenta viagem a Lua. A falsa viagem a Lua teria o objetivo de demonstrar a superioridade tecnológica dos EUA sobre a URSS e, sobretudo, a superioridade do modelo capitalista sobre o modelo socialista. Para os conspiracionistas, a viagem a Lua é uma peça propaganda governamental milimetricamente planejada. Se opor a suposta farsa lunar, significa se opor ao poderio norte americano e, no limite, ao próprio modelo capitalista global de organização da sociedade.
O capitalismo globalizado, sustentado pelo vertiginoso avanço da ciência e das tecnologias, produz sua própria negação. As teorias conspiratórias, muitas vezes de fundo religioso, é uma face dessa contradição. Contra um universo materialista, caótico, imanente, governado por leis impessoais e pelo cego acaso, os teóricos da conspiração reivindicam um mundo organizado, com propósito e criado por um Deus soberano. Contra a tirania da Ciência moderna, do mercado global e do imperialismo, os conspiracionistas contrapõem uma visão de mundo própria, pautada numa cosmo-visão transcendente, mas também científica (ao menos no discurso). Pois a verdadeira Ciência, jamais contradiz os dogmas da fé, creem.