Dança comigo?
As cortinas estão se abrindo. Lá fora ainda é cinzento, a nevoa ainda ofusca o olhar. As janelas da alma ainda estão fechadas, mas aos poucos vão deixando transparecer a luz que vem de fora. É uma luz fosca, opaca que mais confunde do que clareia.
Há muito tempo nos fechamos em nossos pensamentos, em nossas casas, em nosso mundo... O outro ficou lá fora e a neblina nos impede de vê-lo com clareza.
Nas ruas, as pessoas se esbarram com frieza, racionalmente com medo, mas emocionalmente de proposito porque precisam do “encostar”, do toque, do color do outro, da visão do outro, já que quando não enxergo o outro nitidamente, também me enxergo mal. É através do outro que percebemos que estamos vivos, que nos vemos presentes nas ações cotidianas. Afinal, fazemos mais, construímos mais, dedicamos mais, buscando no outro a realização de nós mesmos.
O povo tenta se desvencilhar do povo tenta ficar longe, mas o trabalho, as compras a necessidade de cada um, o obriga a estar lá fora, perdido no meio da fumaça que confunde e mistura todos em um aglomerado de zumbis sem rumo e sem muita perspectiva..
As bocas estão escondidas atrás de máscaras, o nariz não sente mais o odor puro, este é também filtrado, mas os olhos, mesmo livres, estão cada vez mais embaçados, o futuro é incerto mesmo para quem tem futuro.
As palavras de ordem são: testes, vacinas, remédios os mais diversos, cuidados, mas se esquecem de que precisamos nos tratar, também, com massagens direcionadas ao coração, com músicas, com poemas, com incentivos, com estímulos e motivações.
Queremos estar juntos, mas de maneira que possamos ver o outro verdadeiramente não através de um véu que me impede de sentir a sua energia. E deixar que o outro me conduza até a porta para que eu possa dizer: dança comigo a próxima dança?
Nalia Lacerda Viana, 22 de agosto de 2020