O SENTIR É ÚNICO A CADA LEITOR

"VERSOS

Suscitam ser olhados com aguda percepção, para além de seus conteúdos. Por este sentir, adquirem autonomia."

MONCKS, Joaquim. POESIA A CÉU ABERTO. Obra inédita, 2020.

https://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/7006657

– E o míope? Pode entender os seus versos?

MJVJ, leitor, através do Facebook, em 25 de março de 2019.

Intuo, sem muito esforço, que a miopia nada tem a ver com a "lucidez enternecida", que é como singela e sinteticamente poder-se-ia conceituar a Poesia, no singelo dizer do professor, poeta e ensaísta gaúcho Armindo Trevisan, nascido em Santa Maria, em 1933. Afinal, quanta graça ainda tem a passageira nuvem, mesmo que esteja lá no alto, distante, enigmática e difusa, num dia de forte cerração. E o olhar poético, mesmo que míope, sempre terá algo a dizer sobre ela e sua passagem. Há coisas que não são feitas para a absurda concretude do mundo e sim para o encantamento de quem contribui com o seu paciencioso olhar de conivência, de modo a que o entorno permita a convivência em paz, com uma frestinha aberta para a perspectiva de ser feliz, não é mesmo? Nem sempre a linguagem usual do entendimento quotidiano conseguirá traduzir o conteúdo ou a subjacência existente em alguns belos versos que contém, exalam ou suscitam poesia desde a primeira leitura. Daí que cada um concebe o mundo à sua moda e age tentando salvar a humanidade, por vezes com uma forte doação de empenho e sacrifício pessoal. Outros, menos altruístas, se dividem entre o bem e o mal, e nunca estão prontos para a alteridade: nem para o beijo, para o abraço e/ou para a fruição da sensação de que estar no mundo com o Outro é a melhor maneira, no mínimo, de se chegar à finitude com o coração crente de que o estar feliz é um bem espiritual possível de ser compartilhado. O poema, que é a materialidade da Poesia, dificilmente pede compreensão ou consenso, porque o exercício do sentir é único a cada poeta-leitor. Salvemos, portanto, os míopes somente de olhos e não os de antolhos, porque estes, mesmo que retirado o aparato que lhes tolhe a visão, no rigor analítico dos efeitos, são incapazes de compreender a fenomenologia da felicidade como dádiva do conviver.

MONCKS, Joaquim. OFICINA DO VERSO: O Exercício do Sentir Poético, vol. 02. Obra inédita, 2015/20.

https://www.recantodasletras.com.br/ensaios/7007109