Psicoterapia e (R)evolução

Pretendo mostrar neste ensaio a importância de uma abordagem psicoterápica aqui chamada de psicoterapia revolucionária, especialmente dentro desse cenário fragmentado de nossa sociedade nos tempos atuais, onde se confundem crenças pessoais engessadas e dogmas sectários com a lógica, ideologia e realidade. Trazendo consigo uma ética generalizante a ser cegamente seguida com o único e nefasto intuito de desconstrução dos saberes, de alienação, massificação e embrutecimento, destruindo as singularidades e o pensamento crítico, cindindo o ser em sua totalidade unificadora, criando personalidades vazias, apartadas de si mesmo, perdido em um labirinto interno sem fim.

Dentro deste contexto, podemos dizer que uma psicoterapia de cunho revolucionário voltada para a autonomia, autogestão, responsabilização pela própria existência do ser e suas escolhas. Para a libertação de estruturas internas alienantes brutalmente impostas pelo mundo externo que se confrontam no âmago de nosso ser com aquilo que nos é individual e único em cada personalidade, onde temos como resultado deste embate interior que se inicia na infância e se estende até o fim de nossas vidas, conseqüências desastrosas para o desenvolvimento emocional e da personalidade de cada pessoa. Esta deve surgir como uma luza que brilha com força nos cantos obscuros da existência aviltada, iluminando os caminhos futuros a serem traçados pelas novas gerações, pois a luz do conhecimento de si e da autonomia sempre brilha mais forte nos espaços escuros da ignorância ontológica e existencial.

Pensando-se assim no trabalho clínico do psicoterapeuta revolucionário, podemos concluir que se deve em terapia priorizar uma prática e uma escuta que respeite a diversidade do diálogo, em um encontro genuíno, numa relação dialógica entre cliente e o terapeuta, sem posicionamentos autoritários de dominação e de inferiorização, muito comuns nos tempos líquidos atuais. Que fortaleça o desenvolvimento individual no processo terapêutico, respeitando as singularidades, visões de mundo, formas de se interpretar a realidade e crenças que constroem a subjetividade humana, para que ao finalizar o encontro terapêutico, os instrumentos individuais auto atualizantes que renovam o devir humano, sejam potencializados nas vivências do cotidiano do ser em relação com o seu mundo, com os sistemas coletivos e em relação consigo mesmo, de forma autêntica, criativa e singular, para que esta se reflita e se realize em novas pluralidades. Pensemos em Guattari, este nos disse que ‘’a verdadeira obra de arte é o corpo infinito do homem que se move através das incríveis mutações da existência particular’’, e, nos disse também que ‘’ a prática da felicidade torna-se subversiva quando ela é coletiva’’. Com isso, fica claro que o primeiro trabalho dentro de uma psicoterapia revolucionária que vise à vida autêntica a ser feito é o de tornar óbvio ao cliente que sua vida e sua existência não são imóveis ou imutáveis, e que este habita um corpo vivo recheado de potencialidades a serem desenvolvidas, para que se torne o mestre e o escultor de si mesmo, e que suas vivencias internas libertas dos mecanismos autoritários impostos de forma arbitrária pelo meio externo, sejam compartilhadas de maneira autêntica com outros humanos de forma verdadeiramente coletiva, livre dos micro fascismos que reproduzimos nas relações interpessoais em nossas vidas. Criando assim, relacionamentos abertos, responsáveis entre seres autônomos, maduros e emocionalmente saudáveis, onde o apoio mútuo se desenvolva sem dupla vinculações tóxicas fazendo frente aos sistemas cristalizados do coletivismo massificado, embrutecedor, alienante e egocentrista. Esta é a verdadeira subversão aos olhos empoeirados das velhas estruturas dogmáticas, seculares e agonizantes, com suas ideologias nefastas que aprisionam as mentes e os espíritos. Dentro destas estruturas estão inseridas a família nuclear burguesa, a escola, a cultura, o estado e as religiões monoteístas e judaico-cristâs. Todas elas alimentadas pelo patriarcado fabricando seres dóceis, passivos e medrosos, encarcerados em seus corações e corpos emocionalmente adoecidos, num imobilismo eterno, onde a passividade e a crença numa falsa sensação de segurança nas estruturas sociais são os condutores de uma vida que se consome lenta e dolorosamente.

Sendo assim, o psicoterapeuta revolucionário deve questionar seu cliente e provoca-lo ontologicamente para que este enxergue o animal amansado em que se tornara que se machuca diariamente batendo nas grades em que está preso.

Por isso, uma psicoterapia revolucionária aposta na vida verdadeira como mecanismo para a transformação do mundo. Defendendo uma militância política que aposta na transformação do mundo pela forma de se viver. Vivenciando nesta militância política do cotidiano, o cuidado de si, o cuidado do outro e da humanidade como um todo unificado, com intervenções no cotidiano da vida das pessoas. Intervenções estas, que se constroem com valores autônomos. Tendo sempre em mente os erros do passado, para que estes não se repitam em nossos relacionamentos na construção de uma nova realidade humana, pois invocando novamente o pensador Guattari, onde este nos disse que: ‘’É preciso, mais uma vez, invocar a história! No mínimo pelo fato de que corremos o risco de não mais haver uma história humana se a humanidade não reassumir a si mesma radicalmente’’.

Dessa forma, atentos à nossa história e ao nosso passado, ativos como militantes da vida cotidiana, combaterão a miséria emocional que cria nos seres a necessidade patológica de serem governados, conduzidos como gados e ovelhas de um rebanho pronto para o abate, felizes com seus donos famintos e sedentos por sua carne macia e por seu sangue quente e que pulsa silenciosamente em suas veias, que jazem em seus corpos domesticados e submissos. Corpos estes, acovardados e carentes de um salvador, legitimando líderes e governos autoritários, reverenciando ídolos, seguindo dogmas sectários, defendendo fervorosamente velhos conceitos e preconceitos emburrecedores , que nos transformam em inimigos mortais de nos mesmos, de nossos semelhantes e nosso planeta. Mencionando ainda os efeitos patológicos causados pelas crenças enraizadas a serem combatidas pelos militantes da vida cotidiana e pela psicoterapia revolucionária da fé religiosa institucionalizada, monoteísta e burocrática, que vendem a esperança de uma vida melhor num além-fantasioso, prometendo a eternidade em contrapartida de uma vida terrena repleta de desespero, cheia de dor e sofrimento, onde os seres humanos amedrontados buscam loucamente a salvação no pós-vida, sob as ameaças constantes de um deus punitivo, egocêntrico e vingativo, que tudo vê e que precisa ser adorado acima de tudo, para que estes não passem sua eternidade num inferno cheio de torturas para pagarem por ‘’seus pecados’’ ou por não adorarem o seu deus de forma correta. Sendo assim, vivem suas vidas de forma banalizada em uma existência aviltada no mundo real.

Como Szazs já nos advertira que ‘’ quanto mais os homens estão preocupados com a salvação no além, mais fácil governa-los aqui embaixo’’. Seguindo em seus pensamentos, o mesmo autor nos mostra que ‘’ o contrato social é um blefe e a sociedade civil um conto para crianças’’.

Além das mazelas seculares criadas para facilitar a dominação e a domesticação do animal humano, existe o obscurantismo causado pela psiquiatria com sua psicofarmacologia e os outros profissionais do ramo PSI , com suas teorias pseudocientíficas a respeito do comportamento humano e das personalidade, nos dizendo como devemos viver nossas vidas, nos comportar, nos relacionar , agir e pensar, o que é certo e o que é errado. Estes ditos profissionais tornaram-se os policiais da mente e do espírito, regulando nossas vidas, trabalhando em suas clínicas sagradas, perfumadas, prestando um belo serviço ao estado normatizador e de controle social. Alguns servindo às camadas mais abastadas da sociedade, alimentando e enrijecendo o comportamento e o pensamento burguês, onde se pagam valores absurdos por terapias e por consultas acessíveis e feitas apenas para aqueles que podem pagar. Para as camadas mais pobres e desfavorecidas da sociedade, restam os terríveis serviços públicos de péssima qualidade, onde se exercem diariamente a violência, o encarceramento asilar, eletrochoques, medicalização desenfreada e a rotulação e classificação patológica pseudo médica e pseudo científica nas formas de agir, conduzir vidas, de existir, rotulando com pseudo diagnosticos ditos clínicos, baseados em manuais médicos criados com o único intuito de controle social e para se gerar lucro para as rentáveis indústrias farmacêuticas. Trazendo mais uma vez o pensamento de Thomas Szasz, ‘’uma sociedade que não propósitos outros que assegurar tranquilidade doméstica através da medicação apropriada, organizará programas sedativos de orientação, descrevendo-os como terapêuticos, mas sua função notória será a de manter em custódia mentes e corações jovens até que neles não haja mais qualquer paixão’’. O mesmo autor nos diz também que, ‘’vivemos numa cultura na qual se deve ter uma personalidade aceitável para se tenha sucesso, e se deve ter sucesso para se ter auto estima’’ e , ainda, ‘’ser capturado dentro de uma categoria, ser diagnosticado como esse ou aquele tipo de pessoa, é visto aqui como uma privação virtual da liberdade pessoal. E, obviamente, é assim, mas a maioria das pessoas acha que a liberdade é demais para se suportar. Fogem a ela e preferem a segurança de uma identidade fixa’’. Ou que, ‘’classificar uma pessoa psiquiatricamente é aviltá-la, roubar-lhe sua humanidade e desse modo transformá-la numa coisa’’.

O que vivenciamos hoje em dia são pessoas adoecidas emocional e existencialmente, carregando em suas testas rótulos, com suas bolsas recheadas de medicamentos, enchendo as fileiras dos serviços de saúde mental, caminhando lentamente para o abismo, enquanto os bolsos daqueles que lucram com o mercado da saúde mental se enchem ininterruptamente, criando novos rótulos para os variados comportamentos humanos, tornando a personalidade em um estigma a ser dolorosamente carregado pelo resto da vida, alimentando cada vez mais uma existência vil e sem sentido, destruindo sua expressão singular.

Estamos em tempos de obscurantismo onde o absurdo e a ignorância se tornou absolutos e, como disse Stendhal, ‘’ todo bom raciocínio é ofensivo’’. Tudo aquilo que é autêntico, singular e individual torna-se algo a ser combatido e enclausurado.

Por estes motivos uma psicoterapia revolucionária nos traz a ideia de uma militância do cotidiano, assim como disse Foucault:

‘’ O militantismo como testemunha pela vida sob a forma de um estilo de existência que está em ruptura com as convenções, os hábitos e os valores da sociedade. Ele deve manifestar diretamente, pela sua forma visível, pela sua prática constante e sua existência imediata, a possibilidade concreta e o valor evidente de uma vida outra, que é a vida verdadeira’’.

Lembremo-nos dos exemplos clássicos dados pelo cinismo exacerbado de Diógenes que vivia sua vida de acordo com sua vontade, subvertendo todos os valores e confrontando as crenças da sociedade de sua época, sendo este chamado de cão por todos. Vivia em seu barril, de forma simples e autônoma, sendo fiel às suas necessidades, chocando àqueles que estavam a sua volta. Contrariando os costumes e os valores de seu tempo.

Vemos em Diógenes um ‘’comprometimento absoluto com a honestidade, uma notável independência de julgamento, uma inquebrantável decisão de viver uma vida simples e despojada, uma devoção à autossuficiência, um vínculo sem paralelos com a liberdade de expressão, um desdém saudável pela estupidez e pelo obscurantismo humano e acima de tudo, uma tremenda coragem de viver segundo suas convicções, sem menciona sua lucidez intelectual’’. (1)

O exemplo de Diógenes, não serve aqui de idolatria, mas sim como o de uma luta por sua verdade intrínseca, mesmo sabendo que tenha vivenciado suas ideias de forma radical, levando-as até as últimas consequências.

Citando ainda Diógenes, Foucault disse que, ‘’os Cínicos levaram ao limite o tema da vida verdadeira, transformando-a na proposta de uma vida outra. O modo de vida cínico implica uma dedicação aos outros... Diógenes é descrito como alguém que vai de casa em casa, batendo nas portas e levando seus conselhos a todos aqueles que precisam, para que possam curar-se’’.

Ou seja, o cínico é aquele que combate por ele mesmo e pelos outros.

Com este exemplo clássico, uma psicoterapia revolucionária propõe desafiar os costumes, as instituições e as convenções sociais, pois como disse Paul Goodman, ‘’toda boa psicoterapia se torna um risco social’’. Onde um psicoterapeuta revolucionário deverá combater por ele mesmo e pelos outros no seu cotidiano.

– Luiz E. Navia: Diógenes, o cínico.

Outro nome que nos serve como exemplo de como manusear os instrumentos para se realizar uma psicoterapia revolucionária é o de Otto Gross. Este foi um dos primeiros discípulos de Freud, sendo excluído após dos círculos psicanalíticos por conta de suas ideias e forma de trabalho na clínica. Otto Gross era anarquista, nietzschiano, viciado em drogas, feminista, sendo considerado o avô da contracultura, influenciando vários teóricos libertários que viriam depois. Teve uma vida trágica por conta de seus excessos e extremismos, fora perseguido por seu pai, pela polícia e fora internado por diversas vezes em hospitais psiquiátricos justamente por suas ideias revolucionárias e à frente de sua época, não serem aceitas e compreendidas. Sua história e suas ideias foram quase que praticamente apagadas da história da psicologia e da psicanálise, com o consentimento de Freud e de Jung, pois estes viram em Gross uma ameaça às instituições da época, às suas ideias e aos seus egos.

Otto Gross nos serve como influência por suas ideias ainda muito atuais e por sua luta pelo indivíduo e por uma sociedade livre das mazelas causadas pelos autoritarismos reproduzidos pelas pessoas em seu cotidiano. Ele viu em seu trabalho clínico uma poderosa ferramenta de libertação. Dentro de suas ideias para ser trabalhar em uma verdadeira anarcoterapia, podemos aqui citar:

‘’A vontade de relação em oposição à vontade de potência deve ser...o mais elevado e mais intrínseco objetivo das revoluções’’;

‘’A autoridade na família como fonte de autoridade per se precisa ser transformada e o conflito básico no interior da personalidade é aquele entre o caráter inato e a vontade imposta contra a pessoa, estamos todos envoltos em sugestões que chamamos de ‘educação’. Acredito que há uma ética inata, que está em contato com uma sexualidade inata, o qual é diferente daquela que nos é imposta’’;

‘’Das revoluções que pertencem à história não há nenhuma que tenha conseguido estabelecer a liberdade da individualidade. Todas elas deram tiros n água; sempre precursoras de uma nova burguesia, acabaram numa apressada vontade de integração de si, em situações normais geralmente aceitas. Elas colapsaram porque o revolucionário de ontem carregava, em si mesmo, a autoridade’’;

‘’Se considerarmos a adaptação ao que existe como sendo o normal, então a insatisfação com relação ao que existe poderá ser interpretada como signo de disfunção mental. Se considerarmos como norma o mais alto desdobramento de todas as possibilidades que são inatas aos homens, e se soubermos, intuitivamente e por experiência, que a ordem social existente impossibilita esse supremo desenvolvimento do indivíduo e da humanidade, então a satisfação com o que existe será considerada subvalorização’’;

‘’ O trabalho preliminar para essa revolução precisa promover a libertação de cada indivíduo em relação ao princípio de autoridade que ele carrega em si; em relação a todas as adaptações a que nele se formaram no decorrer de uma infância no seio da família autoritária – ao espírito das instituições autoritárias; libertação em relação a todas as instituições que a criança recebeu de seu entorno, as quais tem estado em eterna luta, com ele e entre elas próprias, pelo poder, libertação, sobretudo, em relação a esse traço de caráter servil que, invariavelmente, é herdado por todos de uma infância como essa; em relação ao próprio pecado original, à vontade de potência’’.

Para Marcelo Checchia, a revolução em Gross precisa começar na subjetividade, numa perspectiva individualista, se apoiando também no princípio de ajuda mútua do anarquista russo Kropotkin.

Seria preciso reconhecer e se livrar do princípio de autoridade dentro de si. Ao invés de se reproduzir relações de domínio e servidão.

Citando ainda Otto Gross onde este diz que:

‘’A enorme suscetibilidade da idade infantil em relação à imposição de normas e valores estrangeiros (externos), resultante da enorme carência de amor – respectivamente de contato – da criança, que faz da alternativa universalmente encurraladora ‘fique sozinho ou se adapte, igual aos outros’, uma constituição absoluta, uma irrefutável ameaça com um arruinamento inescapável’’.

Ou ainda que:

‘’ A necessidade compulsória de uma adaptação – antinatural, portanto – através da assimilação e em seu próprio interior, de motes intimamente estrangeiros, mediante auto violação e autoengano, a ponto de aquilo que é estrangeiro e que fora sugerido pelos outros não se deixa distinguir mais em nada, subjetivamente, dos impulsos e das crenças de natureza próprias’’.

E para finalizar:

‘’ O conflito interno em si: é a luta, em nós, do próprio com o estrangeiro (externo) ‘’.

Citaremos aqui também, as ideias do sociólogo e filósofo francês Georges Palante. Suas teorias nos mostram a possiblidade de se construir um individualismo aristocrático, como o mesmo assim define. Diferente do individualismo extremado, radical e niilista de Max Stirner, Palante nos mostra um individualismo nietzschiano e anárquico, onde nos diz que:

‘’A moral é a grande inimiga da individualidade’’;

‘’O homem superior no individualismo aristocrático não é aquele que nega todo laço social e toda a cultura; é aquele que resume nele a cultura de uma época, todavia, ultrapassando-a e acrescentando-lhe, marcando-a com o selo da personalidade’’;

‘’O indivíduo que opomos à sociedade é o indivíduo tal como nos é dado de fato no seio da sociedade, informado em parte por ela. Mas ao lado da parte de que, no indivíduo, é moldada pelas influências sociais passadas ou presentes, há um fundo fisiológico e psicológico que lhe é próprio e que aparece como um resíduo irredutível às influências sociais.

Tais são os dois termos confrontados’’;

Sobre a educação e a massificação escolar:

‘‘... O objetivo da educação é evitar a originalidade e reduzir a exceção’’;

E, para finalizar:

‘’ A busca de um individualismo que não isole o indivíduo da sociedade: uma vivência da individualidade que não signifique uma recusa ao convívio com os outros’’.

Podemos dizer assim, que vimos nos exemplos de Diógenes, Otto Gross, Palante, que, ser é sempre ser com e por, ou seja, cogito ergo summus, ‘’penso, logo somos’’, citando Luiz Navia.

Pontos técnico-teóricos para uma prática clínica

Corpo (Reich, Lowen)- O corpo deve ser trabalhado como um todo unificado na clínica, utilizando as técnicas e ideias de Reich. Compartilhamos da ideia de que as emoções ficam represadas em nossos corpos, influenciando o funcionamento pleno do organismo. Por isso, a importância de um trabalho corporal utilizando-se de exercícios de respiração, de meditação ou de yoga, com o intuito de desbloquear as energias emocionais bloqueadas no corpo, assim como dar a devida atenção à postura, expressões faciais, forma de caminhar, estando sempre atento à forma que se dá ao corpo no presente;

Congruência e incongruência (Rogers)- Imprescindível estar atento ao que se diz, às reações corpóreas e às atitudes. O terapeuta deve apontar as incongruências do cliente e questioná-las, ensinando a ser congruente na relação com o outro, baseando-se na verdade;

Aqui e agora (Perls, Gestalt terapia) – Só no momento presente atuamos, existimos, vivenciamos e sentimos a vida. Trabalha-se o passado e as expectativas futuras no presente, para se construir novas formas de ser e estar no mundo, em cada presente dado, estando sempre realizando o exercício constante de se centrar no presente, no aqui e no agora, atentos à vida presente. Não menosprezando a importância das histórias passadas.

Responsabilidade (Perls, existencialismo)- Apenas você é o responsável por sua vida e pela forma como a conduz, sendo inclusive o responsável pela criação de novas formas de existir e de atuar na vida. É responsável por aquilo que deixa de fazer e de viver. Responsabilidade com o pleno cuidado de si para assim poder ser com o outro na relação;

Frustração e apoio ( Perls) – Deve-se frustrar em terapia as tentativas de manipulação, de se apoiar nos outros e não em suas próprias capacidades. Frustram-se as máscaras, as mentiras, os papéis que foram atribuídos ao ser por outras pessoas e pela sociedade; os mecanismos de defesas e as formas rígidas de ser e de pensar. Apoia-se o genuíno. O verdadeiro, o criativo, a autonomia novas formas de ser e de se relacionar, o desejo profundo, a vontade de viver, de destruir o velho e recriar a vida reconciliada consigo mesmo, ou seja, apoiam-se novas formas de se criar as diversas realidades possíveis;

Confrontação (Guillermo Borja) – Confrontar-se consigo mesmo, com aquilo que dói, com aquilo que nos é danoso, com aquilo que nos faz fugir da vida. Confrontar em terapia não significa aqui agredir ou machucar, mas sim, forçar as correntes subterrâneas do ser para que este as traga para a sua superfície, para uma vida autêntica;

Parrhesia (Foucault, Diógenes) – Falar e viver a sua verdade, ser e estar verdadeiro nas relações do cotidiano e, ser verdadeiro com sua própria pessoa. Praticar a verdade com o cliente na clínica e procurar em conjunto a verdade do próprio;

Relação (Buber) – O trabalho terapêutico se dá através de uma relação genuína, dialógica, autêntica, de entrega mútua e verdadeira, ser para si e para com o outro;

Medo- Confrontar nossos medos arcaicos da morte, da liberdade, da vida, do corpo, do sexo e do desejo. Temos medo daquilo que carregamos de primitivo, do que é animalesco no humano. O medo nos paralisa, torna passivos e submissos, quando não, nos deixa agressivos e violentos. O medo tem servido como instrumento de dominação e manipulação pelos governos e pelas instituições que estão no poder, para nos controlar da forma como estes desejarem. As grandes instituições de poder ao longo da história humana vêm colocando nas nossas mentes a ideia de que a morte, a vida, o corpo, o sexo, o desejo e agressividade primitiva são coisas ruins e antinaturais a serem domadas, controladas e combatidas;

Identidade fixa – Livrar-se e desconstruir no processo terapêutico da identidade que nos fora imposta pelas estruturas autoritárias e alienantes que nos moldam desde as primeiras fases da vida, imbuindo em nossas mentes e corpos ideias e conceitos errôneos, que se confronta com o que é inato, causando uma enorme distorção em nossa personalidade durante o seu processo de desenvolvimento, alienando-nos de nosso ser e de nossas possibilidades. Acabamos por nos identificar com essa identidade fixa moldada pelas estruturas externas de forma invasora e que de uma maneira doentia nos ‘’protege’’ e ‘’serve’’ para podermos lidar com as absurdidades do dia a dia (casamento compulsório e infeliz, família nuclear burguesa patriarcal, empregos enfadonhos, dinheiro e consumismo, obediência, produtividade, papéis sociais, sexo infeliz, mecanização da vida e robotização do prazer, relações falsas e de interesses, etc.) Essa identidade fixa patológica, serve como um personagem ou uma máscara que protege (trancafia) o mais íntimo de nosso ser para que este não fuja do padrão pré-estabelecido, para que assim não sejamos excluídos e aceitos na sociedade, como um bom normopata funcional;

Autonomia- Com a responsabilidade o ser humano pode construir a sua própria existência de forma autônoma e autogerida, criando relações saudáveis de apoio mútuo, sem a necessidade de intervir na vida dos outros de forma autoritária para assim, não ter que cuidar da sua própria, fugindo de sua responsabilidade existencial;

Individualismo/coletivismo (Palante, Otto Gross e Kropotkin) – Tornar-se cônscio de sua própria existência de forma responsável, autônoma e autogerida, para se chegar a uma relação, genuína e livre de autoritarismos. Pois, indivíduos livres e conscientes de si mesmos e dos outros, podem chegar a cultivar relações de apoio mútuo e construir coletividades saudáveis;

Situacionismo (Raoul Vaneigem) – Em relações livres e responsáveis entre seres autônomos e autogeridos, podem-se criar situações de várias formas novas de se viver baseadas no prazer de se relacionar de forma autêntica, na criatividade, na liberdade, livre de autoritarismos, da exploração, do domínio, combatendo-se o tédio existencial imposto pelo externo, de uma vida vazia e sem sentido, nas relações e nas construções de um cotidiano verdadeiramente revolucionário;

Devir/esquizoanálise (Nietzsche, Guattari, Deleuze) - Segundo Guillherme L. Fernandes em esquizoanaliseinsurgente.blogspot.com ,’ ‘a esquizoanálise, dentro da (k)clínica propõe uma nova proposta de ética, colocando o eu e o outro em uma forte relação vincular. A proposta esquizoanalítica é uma proposta de produção, de vontade de potência e não uma prática de interpretações e restrições a uma só técnica, o pinçamento de outras ferramentas interdisciplinares, torna o seu alcance teórico e prático, muito mais consistente e abrangente. Baseando-se no conceito de Foucault, a esquizo ajuda o profissional a criar sua caixa de ferramentas e seu arsenal para a prática terapêutica, através de dispositivos com linhas dura flexíveis, brandas e semibrandas. Ou seja, o terapeuta tem em suas mãos a habilidade e capacidade de inventar a sua intervenção (k)clínica, usando infinitos dispositivos que possibilitam o paciente criar novos territórios, inventar-se e reinvintar-se. Ainda , segundo o mesmo, o inconsciente é visto como ‘’ uma usina de produção de conceitos, teorias e práticas revolucionárias ‘’. E que, ‘’ A esquiznoanálise, não tem como proposta somente o campo (k)clínico, mas também o campo político, estético, artístico, poético e acima de tudo coletivo.A lógica esquizo é uma lógica acima de tudo grupal, coletivo, como salienta Guattari... ‘Somos todos grupelhos’, não temos como escapar dos coletivos em que estamos inseridos e sim intensificar o modo viver coletivamente. A ética da esquizo, é a ética da amizade, ética da ternura, ética da consistência, ética amorosa, esquizo é a ética e o entre, a ética de se tomar pelas diferenças dos outros e de si, formando uma grande rede de produção subjetiva e de práticas revolucionárias. A esquizoanálise, está em pleno voô, produções de vida são intensificadas a todo o momento, a guerrilha sempre estará ativa, podem nos atacar da forma que quiserem, sempre haverá um guerrilheiro a combater ataques inimigos. Aonde há vida, há produção e sempre haverá suavidade carregada da mais forte intensidade’’. Este nos diz ainda que, ‘’ a Klínica esquizoanalítica atinge uma totalidade dos saberes e também não totaliza o ser como ‘ser’, mas o coloca como multiplicidade, devir, diferença e novidade’’. E, que ‘’na visão da Clinos(clínica normatizadora) o indivíduo é exposto à violência da interpretação e ao paradigma cartesiano. O ser dividido em partes prontas para se sujeitar sem problemas a uma lógica axiomática capitalista’’.

Estes foram apenas alguns exemplos técnicos e teóricos expressados de forma resumida para poder trabalhar em uma clínica dentro de uma abordagem psicoterapêutica revolucionária.