JOGOS DO AMAR E A LINGUAGEM POÉTICA

“O poema não é uma forma literária, senão o lugar do encontro entre a poesia e o ser humano. Poema é um organismo verbal que contém, emite ou suscita poesia. Forma e conteúdo são a mesma coisa.”

– Octávio Paz (1914-1998), ensaísta, tradutor e diplomata mexicano, Prêmio Nobel de Literatura de 1990.

As memórias amorosas geralmente apresentam um intimismo pessoal em linguagem aberta – típico exemplar nascido do ardor emocional – que acaba por excluir a Poesia como linguagem, forte na rarefeita codificação verbal no conjunto textual. É perceptível, de pronto, a constatação da ausência de comparecimento das figuras de linguagem ou de estilo, especialmente aquelas a que denominamos metáforas, as quais conduzem ao sentido conotativo, fugindo à linguagem usual ou costumeira, que caracteriza o sentido denotativo.

No meu modo de sentir a Poética, sem o surgimento das metáforas nos versos, ela não se caracteriza, por ser de sua essência a codificação. A metáfora é o signo verbal em sua indumentária de gala e/ou festiva, aquela que subverte o sentido original da palavra, dando-lhe novo sentido, levando à construção de imagens, ou seja, a entronização ao território da chamada imagística ou imagética.

Em sua essencialidade, as metáforas formatam e constroem o sentido conotativo da linguagem para que possamos catalogar o poema com Poesia. Sim, porque há versos com e sem poesia. E são exatamente as metáforas que produzem esses efeitos plástico-imagéticos no receptor. Em Poesia, as metáforas são polivalentes, profundas ou verticais; na Prosa Poética – uma espécie híbrida que congemina ou concilia os gêneros literários Prosa e Poesia – estas são monovalentes, superficiais ou horizontais.

Dentro desta linha de análise e atendendo a experiência pessoal do autor deste ensaio, a criação que aparece corriqueiramente nas redes sociais e outras plataformas virtuais que recepcionam tais publicações – a qual o autor acredita piamente seja um poema lavrado com a presença da Poesia, talvez porque seja esta a sua usual expressão – cujo conteúdo geralmente aborda atos, fatos ou situações em que prevalecem os relatos confessionais, recados ou bilhetes lírico-amorosos, geralmente podem vir a ser classificados como um exemplar expresso em Prosa Poética, visto que aparecem no conjunto textual ocasionais e/ou rarefeitas metáforas superficiais.

Faço essas diferenciações atendendo ao rigor técnico que o assunto exige. O autor do texto pretende estar escrevendo poesia, porém ainda não tem verve textual e/ou rítmica capaz de externar domínio estético-verbal para chegar ao território da Poesia, o que exige talento e muita leitura no gênero a que se propõe como artífice.

No entanto, se causa prazer ao autor escrever neste viés – no qual predomina o desmascarado ou o derramamento emotivo sem maiores cuidados ou requintes estéticos – o criador pode e, por motivos óbvios, não se arrependerá de continuar a fazê-lo, porque há muitos leitores que tem predileção pelo tema lírico-amoroso-erótico, vale ressaltar, o intimismo sem nenhum retoque estético-textual, pois é o que a vida lhes oferece aos olhos (não mais além) e, portanto, é o único que conhecem, daí que não exigem mais do que apenas o registro das sensações prazerosas, sem nenhum véu sobre a virgem palavra. Acreditam estes aficionados do sentimentalismo que basta a lavratura do quadro da realidade nua e crua.

Todavia, esse confessional ainda não é aquele dos domínios da Poesia e, sim, meramente se encaminha à Poética, mas não é estritamente um exemplar ornado de poesia, porém gera o louvor e a admiração dos menos dotados de intimidade para com a palavra, especialmente nos poetas-autores iniciantes. Para estes, a contorção emocional traduzida numa garatuja manuscrita e/ou digitada, expulsão agônica do caos interior, molhada de lágrimas, sangue, hormônios, atos e cismas, suor e/ou esperma, é uma comunicação, uma expressão através da palavra, um poema, simplesmente por haver nascido, enfim e ao cabo, prevalece o desejo de fazer o poema e o alardear ao público, independendo de forma e conteúdo.

Contemplo tudo isso com apreço e alegria e via de regra procuro atuar junto aos leitores, no sentido de que leiam muito e procurem conhecer o gênero Poesia, que é um dos mais difíceis de serem caracterizados, porque a linguagem poética necessita e exige a devida codificação verbal. Em Poesia nada é direto, (tudo é subversão do sentido original das palavras, repito) e, por este fenômeno verbal, o poeta-leitor, pego pela sugestão que o conteúdo propõe, cria imagens e recria o seu entorno psíquico – o seu mundo de invenção. Convém lembrar sempre que a Poesia não "diz", apenas "sugere", enquanto a Prosa "diz", acionando o mecanismo racional. Na Poesia, o território da emoção praticamente exclui a razão.

Para alguns autores que discutem a fenomenologia da criação em Poesia, como é o meu caso, o mecanismo racional não produz arte poética, e, no rigor teórico, nunca logrará chegar a ela, porque a razão somente produzirá a Prosa, que é linguagem em que atua a intelecção, e, por ela temos, as mais das vezes – no pretenso poema – a constatação apenas do sentido denotativo da linguagem, mesmo que cinzelada da doçura e emotividade caracterizadora das memórias fragmentárias do usufruído e do havido, nos jogos do amar.

MONCKS, Joaquim. O CAOS MORDE A PALAVRA. Obra inédita em livro, 2020/2023.

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