“O sujo falando do mal lavado” e a Politização
O ditado popular “o sujo falando do mal lavado” é o melhor exemplo para explicar o nosso atual, quiçá momentâneo, cenário político brasileiro, onde ser politizado significa defender um lado qualquer e, ofender o outro que está do lado de lá, tipo o “petista chamando os 'bolsominions' de gado e vice-versa”, antes que alguém me venha com “lacração” (este termo está na moda entre os jovens e também entre alguns velhos que se acham jovens) dizendo que sou o “isentão” ou talvez o bolsominion arrependido, ou quem sabe o petista “pão com mortadela”, quero deixar claro, de início, que sou a favor da polarização de ideias, e da pluralidade também, geralmente o polarizado não gosta da pluralidade de ideias, mas não há porque querer converter o polarizado à pluralidade, outra hipocrisia do mundo moderno, que acredita ser possível haver paz entre as religiões, quando no mínimo, o fato das pessoas não se matarem por divergências religiosas já deveria ser motivo de grande alegria e avanço social, mas, sabemos que não basta ser bom no mundo atual, é necessário investir no marketing e postar frases e atos de bondade, tipo um Rabino apertando a mão de um muçulmano, um padre / pastor, ou um pai de santo, não importa, é necessário “lacrar” o ato de paz e tolerância religiosa, no nosso caso, política (que cá entre nós, grosso modo, muda apenas o nome e, alguns ritos, mas continuam sendo religiões).
Quando paro para pensar no futuro político do país, confesso que sou tentado a me render ao pessimismo, tomando como exemplo a fala do presidente sobre a histeria do brasileiro diante da pandemia Covid-19 (coronavírus), isso fomenta ainda mais a minha desesperança, pois falta ao Presidente a consciência mínima de que fora essa histeria (histeria no entendimento dele) que o colocara no poder, assim como aos seus antecessores. O brasileiro tem um problema sério, que talvez não seja um problema do brasileiro em si, mas um problema humano, que é o de se apaixonar pelas próprias ideias, se todo o ser humano fosse contaminado pelo “vírus” do ceticismo, talvez, esse erro crasso seria superado com o tempo, mas ao se tratar de brasil, um povo místico e mítico como o nosso, esperar uma dose de ceticismo quanto as ideias humanas, talvez seja pedir demais, daí a gênese do meu pessimismo.
O que faz uma pessoa chamar a outra de gado porque esta discorda daquela é o exemplo mais torpe que podemos extrair da ideia do que seja politizar-se. Levando-se em conta o jargão de que somos uma “pátria educadora” (jargão esse oriundo de politicagem), isso denota apenas como estamos longe de ser uma pátria de fato educada, e não só politicamente, mas culturalmente, o analfabetismo político agora se transforma num analfabetismo de ideias políticas, não somos mais os desinteressados em política, somos agora os “politizados”, logo, não mais marionetes do sistema político, mas marionetes divididas em “raças”, marionetes do partido A, B, C... ou do político B ou L, e quando alguém discorda das ideias da minha “raça” esse alguém só pode ser um imbecil, fascista, canalha ou nazista, não importa o adjetivo usado para “homenagear” o outro, discordar em um cenário de “politizados” é um erro mortal de reputação de inteligências, talvez Byung-Chul Han esteja certo em seu livro “Sociedade da Transparência”, tudo aquilo que é valorado como o ápice de uma virtude civilizatória, qualquer ato de discórdia (negatividade) seja motivo de indignação e rejeição, a ideia de democracia é um ótimo exemplo, talvez o que o autor não previra, ou ainda não tenha se debruçado sobre o problema, fora no fato de que cada sociedade teria os seus nichos e gangues e, cada uma delas teria a sua ideia particular de positividade e transparência, e que tal ideia iria gerar no agente um certo afeto e este iria amá-la a tal ponto, que seria impossível cogitar que alguém não fosse capaz de enxergar o potencial da sua ideia, a despolitização que o autor denota é fruto do paradoxo de se querer diferenciar pelas ideias e, quando alguém não se vê representado por nenhuma delas, acaba se afastando do debate, e vai sobrevivendo no “debate” apenas os amantes das suas próprias ideias e, com isso, os usurpadores que as “vendem” perpetuam-se no poder, afinal, enquanto os fiéis mantiverem “a fé / ideia viva” os políticos e partidos ganham cada vez mais forças e estabilidades nos cargos que ocupam, afinal, ser político no Brasil, se tornou numa carreira promissora para quem quer ter uma ótima qualidade de vida. Enquanto isso, o “vendedor de trufas” da esquina, ou a “tia do salão de beleza”, ou o “tio da pizzaria” ou mesmo o “Zé do mercadinho xx irmãos”, se sente representado pelo Ministro da Economia Paulo Guedes, quando este diz que o funcionalismo público é parasita e defende a classe empresarial, logo, àqueles se sentem representados e, com isso, alimentam ideias de que todo funcionário público é vagabundo, que todo desempregado é preguiçoso e que todo funcionário celetista é acomodado e sem visão empreendedora, e esses tipos de pensamentos vão aos poucos tirando das pessoas o senso de participação, onde ninguém vê a importância do outro, e quem perde com isso são todos os brasileiros de bem, sejam eles, funcionários públicos, celetistas, autônomos ou microempreendedores, enquanto isso, os verdadeiros parasitas continuam no poder. É, realmente não há motivos para histeria, uma pandemia que está parando o mundo e matando milhares de pessoas não é nada demais, vamos cuidar da economia, e brigar nas redes sociais pelas nossas ideias políticas, deixemos a histeria para as próximas eleições, lá ela será bem-vinda.
“Toda vez que você projetar algo que possa ser usado até por idiotas, provavelmente vai ser usado de maneira idiota” Millôr Fernandes. O debate político, assim como as mídias sociais se encaixam perfeitamente nessa ideia. Parafraseando Platão que não acreditava na democracia (antes de alarde, recomendo que leia as obras do autor para entendê-lo, afinal, querer “lacrar” sem profundidade é o ato mais vergonhoso que alguém pode cometer, não pague esse mico) “democracia para um povo não esclarecido não é democracia”. Desconfiem sempre de quem defende a democracia por meio de ataques a quem pensa diferente dele. Isso serve para ambos os lados. Está na hora de uma educação para corajosos porque o oprimido virou opressor de ideias. Não venceu no plano econômico, mas no campo intelectual chegou a números assustadores de imbecis convictos. A crítica pela crítica deu autonomia a quem nunca ousou pegar num “livro de gente” e se debruçar com afinco para entender o pensamento de outrem, com o mínimo de respeito que se espera de um ser que se diz “pensante”. Nunca houve tantos críticos e adeptos de Marx, Jesus Cristo, Aristóteles, Nietzsche e etc. sem ao menos um conhecimento prévio das ideias que criticam ou adoram. Os rebeldes sem causa, agora são os rebeldes sem conteúdo.
Eis a minha campanha: “Ainda é preciso ser cético”! (Já dizia o falecido professor Oswaldo Porchat). Que ao superarmos essa pandemia surja uma não letal, mas que irá nos “salvar da covardia”, a pandemia do ceticismo das ideias políticas, e da prudência como a maior e melhor virtude política. Que uma boa dose de fé nos mantenha no caminho e, que uma boa dose de ceticismo nos faça duvidar de que a estrada chegou ao fim.