Chá da Cesta - 10: os europeus tendiam a copiar os costumes locais
Na Ásia, os europeus tendiam a copiar os costumes locais
Muitos portugueses, de entre os quais se destacaram alguns Jesuítas, bebiam chá na Ásia antes de o seu uso se enraizar na Europa. O historiador Jesuíta Michael Cooper conta que, por volta de 1561, os europeus residentes na casa dos Jesuítas no Japão já consumiriam chá. Um jovem japonês recém-convertido ao catolicismo tinha, entre as suas diversas tarefas, a de manter água quente na chaleira destinada ao chá “(…) que oferecia aos visitantes e aos da casa que o desejassem (…).” Outra prova deste hábito de consumo entre os europeus residentes na Ásia chega-nos através do encorajamento ao seu consumo promovido pelo responsável Jesuíta no Japão, de nome Alessandro Valignano, que “(…) colocou o chá firmemente no âmbito das actividades dos Jesuítas.” Para a segunda metade do século XVII, conhece-se uma outra notícia sólida acerca do consumo de chá pelos europeus residentes na Ásia. No caso, “o ministro calvinista Philipe Balde (…) deplorava já antes de 1666 o excessivo consumo de chá entre os holandeses radicados na Ásia, embora o próprio confessasse que se sentira mais ligeiro após beber quatro ou cinco chávenas, mesmo se tivesse estranhado inicialmente o seu gosto amargo.”
Todavia, só em meados do século XVII, decorrido século e meio após a chegada dos Europeus à Ásia, é que o chá começa a adquirir alguma expressão como produto de exportação para a Europa, onde se consolidou num nicho de mercado, o que acabou por garantir a continuidade da sua comercialização pelas Companhias das Índias Orientais (holandesa e inglesa). No final do século XVII, para além do chá transportado por via marítima para a Europa, havia o chá transportado por chineses por via terrestre para a Rússia, abastecida por terra em caravanas governamentais, em pequenas quantidades.
Ao avançar razões para explicar a mudança no padrão de consumo Europeu, João Teles e Cunha explica que “(…) por volta de meados de seiscentos, estava em marcha uma revolução nos hábitos sociais europeus com o aparecimento e disseminação dos cafés (…).” Ainda assim, José Duarte Amaral adverte-nos para a vantagem de ter presente que “só uma parte exígua da Europa Ocidental – Holanda e Inglaterra – e a Rússia aderem à nova bebida. A Alemanha preferia o café e a Espanha o chocolate.” Segundo Fernand Braudel, citado por José Duarte Amaral, é “curioso que os êxitos do chá se registam todos nos países que ignoram a vinha: o Norte da Europa, a Rússia, os países islâmicos.” Interrogava-se: “Dever-se-á concluir que estas plantas de civilização se excluem uma à outra?” Sendo o chá, tal como o café e o cacau, segundo o pensamento de Henry Hobhouse, uma bebida estimulante, não alcoólica, veio ocupar um lugar na Europa após se ter adaptado: bebido quente com açúcar e leite.
Serão os britânicos, atraídos pela perspectiva de lucro, a ampliar o comércio do chá, vencendo a concorrência holandesa, a partir de finais de seiscentos. A passagem do domínio holandês para o britânico marcou também a mudança do consumo do chá verde, em pó, japonês (matcha) para o chá preto, em folha, chinês. Aliás, a este mesmo propósito, João Paulo Oliveira e Costa explica que “seriam os ingleses (…) que viriam a introduzir novidades no comércio euro-asiático ao longo do século XVII, através de produtos como os tecidos de algodão e o chá.” Em finais do século XVII, na Inglaterra, o consumo do chá suplanta o do café. O mesmo acontece nas colónias americanas da Inglaterra até 1773.
Nestes espaços, efetivamente, os hábitos haviam mudado e a “moda do chá” acabou por estender-se a toda a sociedade inglesa, determinada, em grande medida, pela alteração dos hábitos relativamente aos horários das refeições, desde o séc. XVII – tornaram-se mais espaçadas (principalmente nas camadas privilegiadas) – criando o hábito de beber chá duas vezes ao dia, sobretudo entre o jantar (servido a meio da tarde) e a ceia (servida ao início da noite). Esta moda britânica foi depois copiada pelas elites continentais e contaminou os hábitos na Europa continental, sobretudo entre estas camadas sociais. Tanto assim foi que, de acordo com Henry Hobhouse,
“by 1820, millions of tea were being imported into Europe every year, and re exported all over the world, more than half by the British. Probably 30 million pounds was consumed in the United Kingdom annually. Despite its high cost at this date, tea was drunk throughout the British Isles by all who could afford to buy it.”
Mário Moura
Doutor em História do Atlântico
Universidade dos Açores
Lugar Areias, Rabo de Peixe, Setembro de 2019