Chá da Cesta - 4: Estratégia de Artur Hintze Ribeiro
Estratégia de Artur Hintze Ribeiro para o chá Canto
Pensando ou continuando a ideia do sogro de introduzir mais maquinaria na fábrica/oficina, no final do ano de 1898, a 29 de Dezembro, recebe de ‘John Harker, representante de John M. Sumner & C.ª – Manchester, Casas Sucursais (Barcelona, S. Petrsburgo, México, Stuttgart, Gotemburgo),’ uma carta em que este oferece ‘os serviços da nossa casa para o fornecimento de máquinas e quaisquer acessórios de que Vossa Excelência necessite (…),’ repare-se como o trata: ‘para a sua importante fábrica de manipulação de chá. ’ Repare-se sempre que Artur, sendo administrador, era Procurador de Margarida e como tal teria de partilhar com ela projectos: os dela, os dele e os de outros usufrutuários da terça.
Em finais do ano de 1898, antes de traçarem novos rumos, ou manterem os actuais, os Herdeiros de José do Canto careciam de actualizar o seu conhecimento acerca dos preços correntes do chá no mercado. Assim, em finais do ano de 1898, Artur, naturalmente a fazer uma prospecção de preços pelo mercado continental, recebia da Cidade do Porto, uma carta de José Bernardo Carlos das Neves a informar-lhe dos preços praticados: ‘(…) [Anúncio] (…) Chá da Índia, China e Japão de todas as qualidades, desde 1$550 a 4$000 réis o quilo (…); Chá das Ilhas dos Açores, desde 2$600 a 3$000 réis o quilo; Chá de Hamburgo (purgativo) (…).’ Ficaram a saber que havia no mercado, chás da Índia, da China e do Japão, ligeiramente a preços inferiores do Chá das Ilhas dos Açores. É muito possível que não tenham gostado nem do designativo colectivo, daí que iriam cunhar uma marca do seu chá, nem tão pouco do seu chá.
No ano seguinte, em Abril de 1899, João Jacinto da Câmara, escrevendo a André Vaz Pacheco de Castro, o primeiro responsável pela Oficina/fábrica, o segundo, responsável pela Casa Canto, dava conta do empreendimento do chá a Artur e a Guilherme Poças Falcão: ‘(…) pode Vossa Excelência dar essa notícia ao Senhor Dr. Artur e Dr. Guilherme, mas é preciso ainda eu fazer algumas experiências no primeiro dia que houver mais chá para fazer porque ontem foi só meia carga e requer muita força.’
Em Maio de 1899, veio à Ilha tratar dos seus negócios. A 4 de Junho de 1899: Eram assuntos da Ilha, assuntos de fora da ilha, eram matéria diferente. Em Junho, sinal de que as exportações e outros assuntos externos estariam igualmente sob a alçada de Artur, uma carta bastante importante era-lhe enviada. Tratava-se de concorrência: ‘(…) consignações de chá das suas propriedades a exemplo do Excelentíssimo Senhor Visconde de Faria e Maia e outros cavalheiros, que nos têm distinguido com as suas remessas.’
A 9 de Junho de 1899: Também assuntos internos, relativos à produção para exportação. De novo dirigida ao conhecimento de Artur Hintze Ribeiro, provando ainda que Artur estava na Ilha e acompanhava todas as incidências relacionadas com o chá. Do bom ou mau fabrico: ‘(…) Vai uma lata com escolha para amostra conforme falei ontem com o Senhor Dr. Artur, haverá cerca de 50 quilos e que julgo conveniente vender-se já antes que amoleça e fique com mau cheiro.’
Ainda a 9 de Junho de 1899, questões salariais: ‘Hoje, ao meio dia, foi-se embora um dos homens que eu cá tinha efectivo (Francisco Alves), que tinha entrado este ano, foi de manhã lá baixo e creio que veio (?) e quando foi jantar não veio mais à fábrica que se esteve peneirando e cortando chá, não se querem sujeitar a trabalhar Domingos e dias santi (fl. 1 v.) ficados, de sorte que vou ver se arranjo algum para o seu lugar, e é muito preciso que para estes dois que eu cá tenho, que sã os bois do carro, se lhe aumenta o jornal ao Sousa fogueiro de 500 réis para 600 réis e a Manuel Joaquim para 500 réis porque se eles largam não será fácil achar quem os substitua, isto é puramente pelo interesse da casa, e não por outras amizades.’
DANIEL
A 16 de Junho de 1899, ainda a presença física de Artur. O mesmo triângulo de responsáveis vindos do tempo de José do Canto, João Jacinto, na Caldeira Velha, escreve a André Vaz, na Grotinha, em Ponta Delgada, dando conta de decisões tomadas no terreno por Artur Hintze Ribeiro: ‘(…) Espero acabar amanhã de encaixar o chá, menos o de 3.ª qualidade, segundo o que combinei com o Senhor Dr. Artur. Deitei-o em latas, até segunda ordem, por me parecer que não vale a pena gastar caixinhas com ele, ainda que depois de cortado não tem má aparência, se houvesse aí quem o comprasse todo, seria bom, porque em ele envelhecendo, fica com mau gosto e sem aroma como a escolha. Na próxima semana começa a nova apanha. Vai uma amostra do dito chá (fl. 1 v.) de 3.ª qualidade (…).’
Passado um ano sobre a morte de José do Canto, subsistiam ainda algumas dúvidas. A 4 de Julho de 1899, era necessário apurar o deve/haver da Casa Canto. Artur tratou do assunto. Em que ponto parava a dívida de José do Canto à Companhia Geral de Crédito Predial Português: ‘(…) satisfazendo ao que V. Ex.ª pede em sua carta de 28 do mês findo remeto a nota de débito dos empréstimos n.º 200 e 202 de 4% do falecido Excelentíssimo José do Canto e outros. Remeto também cópias dos contratos dos empréstimos n.º 204 de 4% e 2015 a 5%. ’ (devia: 22.529$730.)
Mais tarde, no ano seguinte, quis saber sobre o que incidia a hipoteca da dívida. Artur Recebeu a resposta a 19 de Julho de 1899: Hipoteca sobre as propriedades do falecido José do Canto.
A 25 de Agosto de 1899: Passado mais de um ano sobre a morte do sogro, a Knowles & Foster, de Londres, dirige-se a Artur Hintze Ribeiro. Trata-se de, entre outros, ‘de desenhos para fábrica de chá, factura de máquinas para fabrico de chá, anotação de despesas. Da mesma firma, a 4 de Outubro de 1899, ainda para Artur Hintze Ribeiro, informando-o ‘sobre o aumento nos preços dos Senhores Marshall (…).’
Possivelmente de 1900, Ainda da mesma firma londrina, continuando a dirigir-se a Artur Hintze Ribeiro, vemos um ‘Manifesto de carga datado de 26 de Outubro de 1899.’ Trata-se de uma máquina para trabalhar o chá, no caso: ‘(…) one 32 rapid tea rolling machine (…). Urgia estar a par dos preços correntes.
Em 13 de Dezembro 1899, pelo menos, André Vaz Pacheco de Castro era ‘(…) Procurador dos Excelentíssimos Senhores António do Canto Brum, José do Canto Brum, D. Margarida Brum do Canto Hintze Ribeiro e de seu marido o Dr. Artur Hintze Ribeiro, de D. Maria Guilhermina Brum do Canto Poças Falcão Poças Falcão e de seu marido o Dr. Guilherme Fisher Berquó Poças Falcão, usufrutuários da terra instituída por seu pai e sogro Excelentíssimo Senhor José do Canto (…).’
1900: Sinal de que, no essencial, a administração da Casa estava em bom caminho, são as contas de 1899. Que ganharia Artur Hintze em troco de ser administrador dos Herdeiros? Era um dever decorrente do testamento. Prestígio? Vontade de ajudar? Mais um sinal de que, o essencial, estava resolvido, é a primeira referência pública encontrada a proprietários, em 4 Abril de 1900.
Mário Moura
Doutor em História do Atlântico
Universidade dos Açores
Lugar das Areias, Rabo de Peixe, Setembro de 2019