Duas igrejas

Consideremos esse cenário que se repete em grande parte das cidades do Brasil: em uma mesma rua, uma avenida, há duas igrejas evangélicas, uma ao lado da outra – literalmente. Os cultos de domingos devem ser celebrados em horários parecidos, se não iguais. Fiéis de uma igreja se cruzam com os da outra na calçada e nos estacionamentos da região. É bem possível que tenham uma relação amistosa – embora eu não descarte a possibilidade de que haja rivalidades. De toda forma, não parece ocorrer às lideranças de nenhuma das duas igrejas essa coisa óbvia: fazer de duas uma única igreja.

Não ocorre, é claro, porque ambas tem uma teologia própria, que é diversa da outra, às vezes por questões sutis, e nenhuma das duas está disposta a abdicar da sua própria visão acerca de assunto tão sério quanto a maneira correta de vivenciar a vida cristã. São duas igrejas, uma ao lado da outra, são duas e acreditam no mesmo Cristo e no mesmo livro sagrado, mas, permanecendo divididas, expõem o próprio fracasso daquilo que pregam. Se todos são um em Cristo, porque aqueles que seguem o Cristo não são um também?

A divisão das igrejas é capaz de mostrar, também, que o conteúdo bíblico não é tão uniforme quanto as mesmas igrejas alegam que é. Se aquilo que emerge da leitura da Bíblia fosse uma mensagem clara e cristalina, sem contradições internas, então só deveria haver uma única igreja acreditando em uma única mensagem. Mas o que há são divisões provocadas por interpretações diversas do mesmo conteúdo que todas as igrejas têm como sagrado.

O pior é que, certamente, não se trata apenas de questões de teologia, mas também de poder. Se onde havia duas igrejas passa a haver uma só, alguém precisou ceder o poder que tinha sobre o seu rebanho. E quem está disposto a ceder?

Há por aí muitas ruas que, percorridas do começo ao fim, contam com dez, doze igrejas. São dez e doze visões diversas e são dez ou doze pastores que não cogitam se fundir com os seus vizinhos para formar uma coisa maior e unificada. É tão fácil achar uma igreja evangélica, mas mal se acha um cristão – ao menos, um cristão que se pareça com a imagem de Jesus que é difundida por meio dos Evangelhos.

Esse Jesus chegou a dizer, em um versículo sobre o qual raramente se prega, que seria por meio do amor que um discípulo seu (ou seja, um cristão) seria conhecido. Os nãos cristãos, conforme essa visão, diriam coisas como: “Eles são cristãos, por isso é que amam tanto assim”. Não é preciso fazer uma pesquisa muito aprofundada para constatar que não é por causa do amor que a coletividade dos cristãos tem sido conhecida no Brasil.

E aí você vê duas igrejas cristãs, uma ao lado da outra, insistindo na divisão – como esperar que se destaquem pelo amor, se são incapazes até mesmo de resolver as suas diferenças com aqueles que pensam só ligeiramente diferente?

O engraçado é que a maioria delas tem um projeto de universalização, o que significa que querem fazer de todo mundo um cristão. E o Brasil já se encaminha para se tornar um país com maioria evangélica, mas é de se perguntar: haverá alguma unidade em consequência disso? Já vimos muitas vezes as brigas e desentendimentos entre as próprias lideranças evangélicas. Elas não irão terminar quando eles forem maioria. Não haverá liderança evangélica capaz de romper os muros criados pelos próprios evangélicos para fortalecer a visão de sua igreja, em oposição à visão da igreja dos outros. Não haverá liderança evangélica capaz de saltar sobre a construção humana que os próprios evangélicos fizeram a partir do que julgam divino.

E nem se diga que a situação é diferente para o catolicismo, cuja unidade foi firmada pelo combate a muitas “seitas” e que também não cogitaria ceder para abrigar os outros cristãos. As igrejas cristãs vizinhas depõem contra os seus cristãos.

Frederico Milkau
Enviado por Frederico Milkau em 07/12/2019
Reeditado em 07/12/2019
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