MULTICULTURALISMO - TEORIZANDO

TEORIZANDO: o nosso admirável mundo novo é antigo, alguém precisa dizer isso para os jovens. Também para os adultos que já esqueceram ou perderam o trem da História. Mas esse assunto fica para as aulas de Sociologia, Antropologia, História e outras Filosofias – a Literatura enverga curva diferente com as dobras do tempo.

Sendo a Poesia o coração da Literatura e esta a alma das ciências, o tecido da minha escrita pretende cobrir e descobrir as facetas do multiculturalismo; é sobre o multiculturalismo que vou falar brevemente aqui.

Desde o período das grandes navegações português-espanholas no século 15 da nossa era, período em que as terras que seriam o Brasil foram colonizadas, a civilização ocidental, com o pacote completo da sua cultura, aportou nas Américas impondo como centro do mundo o olhar europeu; o globo foi fatiado, a América foi fatiada, o que seria Brasil foi fatiado em sesmarias, capitanias, estados e municípios sub-fatiados em latitudes medidas a partir do Meridiano de Greenwich que passa sobre a localidade de Greenwich no Observatório Real nos arredores de Londres, Reino Unido, para fincar raízes profundas em cada sinapse que nosso cérebro opera desde então.

Na medida em que nós americanos tomamos consciência de sermos nação em processos de ruptura dolorida como todo parte deve ser buscamos, de norte a sul das cordilheiras banhadas pelo Pacífico, em cada aldeia, vila ou cidade, identificar nossa personalidade de povo em formação o amalgamada das inumeráveis influências subjugadas pela dominação conceitual europeia.

Esse movimento de libertação em busca de autonomia e identidade chamado multiculturalismo alinhou teóricos, cientistas políticos e artistas em todo mundo a partir do século 19 e desde então a voz dos marginalizados pelo processo civilizatório europeu vem ganhando corpo nas mais diversas expressões.

O multiculturalismo é um processo histórico de longa duração, ganha nuances mais acentuadas com o modernismo nos anos 40 para ampliar daí pra frente a participação gradual e efetiva de mulheres, negros e, mais recentemente, a comunidade LGBT+.

Mas esse movimento, como de resto todo movimento cultural na História, tem seu revés.

Para dar um exemplo que clareie meu raciocínio cito Frida Kahlo. Frida era filha de mãe indígena e pai com ascendência judaico-húngara, Frida foi mulher, americana, mexicana, bissexual e pintora expressionista que digeriu o olhar europeu concebendo em sua arte a identidade do seu povo que reconhecida mundo afora. Frida continua um ícone e tem seu lugar na História da Arte e pode ser facilmente encontrada estampada em xícaras e pires das cafeterias cult, em camisetas que servem de bandeiras da causa LGBT+ e, obviamente, em museus. Cada parcela da sociedade civil “organizada” tira seu pedaço preferido de Frida e o usa para habilitar um movimento que se justifique multicultural – tudo bem, que se faça isso, mas onde fica a Frida PINTORA EXPRESSIONISTA E SUA REVOLUÇÃO DENTRO DA ARTE NA SUA OBRA?

Onde fica a Literatura quando cada escritor se ocupa em preencher sua caixinha, sua casinha, sua panela, seu grupo, com o mais do mesmo porque serve de bandeira para mais um movimento que se justifica no “direito à voz da minoria”?

Harold Bloon, crítico literário norte americano, alertava nos fins da década de 90 para o declínio da produção literária engajada e justificada pelo multiculturalismo que chega hoje ao ápice com o advento das redes sociais – todos temos voz, escrevemos qualquer coisa e somos louvados pelos nossos pares porque somos... minoria?!

Onde fica a Literatura?

Harold Bloon anunciava a era do caos que seguiria a era democrática na História da Literatura. Sem demagogia, sem aquele olhar romântico eurocêntrico para o passado aristocrático da produção literária, o crítico ensaiava no seu “Cânone Ocidental” a dispersão absurda de sentidos na falta de receptores para a mensagem – afinal, do que adianta tanta gente escrevendo se essa mesma turba não lê? TEMOS VOZ, ALELUIA, MAS NÃO OUVIMOS!

Tenho pensado que se retrocedemos aos anos de chumbo das ditaduras fascistas, se por graça ou gana já experimentamos o suficiente dessa “era do caos”, nossas letras também devam "retroceder" para avançar a partir do que foi produzido de mais belo e enfático nas artes em geral, especialmente na Literatura no bojo da luta pelo acréscimo no espírito humano – com o cuidado de não sufocar o lirismo a custa de fórceps "realistas" porque sem afeto não tocamos o outro no ponto onde cada um de nós está fragmentado e corrompido.

Esse é um raciocínio longo, não sei se me fiz entender...

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Baltazar Gonçalves

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 18/09/2019
Reeditado em 18/09/2019
Código do texto: T6747914
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