Acasos
O tempo parecia ter marcado, as inefáveis marcas no rosto, discretamente disfarçadas na make-up, feita com esmerado cuidado, que passariam disfarçadas, não fossem as luzes indiscretas dos spots do balcão do bar, entregar no presente o cenário, a cara agora envelhecida pelos anos transcorridos.
Ele se levantou de imediato, mal a notou refletida no espelho do bar.
Se beijaram como amigos e num abraço curto e leve.
Ele lhe segredou que estava tão bela quanto antes, cavalheirismos que se entendem e são da praxe, que denotam traços de carinho e um pouco de sedução.
Ela por algum tempo o olhou de cima abaixo, como se o revistasse e
o inquirisse pela juventude, elegância e o "savoir- faire", que a impressionara por algum e há muito tempo.
Mas é assim, as pessoas sempre nos escapam das imagens que fazemos, como se soltassem das molduras nas quais as encaixamos e como se em redomas impassíveis, perdurassem para além do tempo.
Sentaram-se na mesa disponível, indicada pela garçonete e pediram uma cerveja, uma bebida mais fresca, mais ligeira, menos formal, duplamente ingerível se houver tempo e ambiente.
Apenas aquela ou mais, se as circunstancias se mostrassem passiveis de continuidade.
Suzana parecia contente e se mostrou risonha, tal qual Fred.
Mas algo, no ar, havia de frustração e desapontamento, havia um não sei quê de decepção reciproca, naquele encontro.
Talvez ambos esperassem um outro cenário, um enfático retorno do passado, uma volta ao entusiasmo e à destreza que a juventude traz, no frenesi próprio dos encontros marcados.
Agora eram apenas velhos namorados e conhecidos amigos, onde as ansiedades já jaziam moderadas, e ainda mais moderadas ficaram, quando se viram frente a frente.
A cerveja não tinha o mesmo sabor de antes, ainda que a velha decoração continuasse fiel, na parca e proposital iluminação, ao redor e sobre as mesas, com luzes amortecidas.
Talvez os garçons tivessem mudado, se fidelidade houve, eles a mantiveram e as faces agora estavam mais pálidas, tal qual as côres das paredes, dos bancos, e das cortinas.
Algo havia perdido o fulgôr, se alterado em definitivo, naquele prometido e desejado encontro.
Dizem os mais experientes que nunca se deve voltar no banco do jardim onde se deu o primeiro beijo.
O iconveniente e perturbador celular dela, tocou, talvez aquele súbito telefonema, quebrasse ainda mais, o agora já quebrado encontro e se propuseram deixar o bar.
Apenas uma tentativa de voltar no tempo, no tempo que nunca volta.
Fred deixou-a na portaria do único e solitário prédio da rua onde morava, carinhosamente se beijaram e prometeram por mera gentileza se tornar a encontrar, como é costume e educado assim fazer.
antonio noronha 14