O estranho caso de Cindy
Ela contou-me a história dela. Ou um fragmento, como ela mesma afirmou, do que era a história dela. Enquanto relatava-me a fatídica história eu pude notar as lágrimas que escorriam de seus olhos apesar dela querer ofuscar-me aquele detalhe. Não me sinto confortável ao ver lágrimas, de certa forma me incomoda. Mas, deixei-a livre para falar o que queria. E ela assim me expôs o seu drama.
Havia conhecido um rapaz. Era gentil e muito educado com ela. Ajudava-a em muitos dos seus trabalhos na faculdade. Tinha muitas dificuldades em algoritmos e aritméticas e ele dominava essas duas áreas com maestria. Portanto, sem perceber ficara dependente do rapaz. Mas, em determinado momento, percebeu que, quando passava alguns dias sem vê-lo sentia sua ausência emocional também. De certa forma, percebera que tinha adquirido uma espécie de sentimento por ele. E havia prometido a si mesma que não se envolveria com ninguém até terminar a faculdade. Conhecia sua dependência afetiva nos relacionamentos e, por isso, não queria se envolver.
De certa forma, havia percebido que estava entrelaçada emocionalmente e já não conseguia se livrar desse sentimento. Com o passar do tempo sentia o desejo de sempre tê-lo por perto. Então, sempre arrumava desculpas para ele estar perto dela. Um trabalho a ser feito, um livro a ser discutido, um filme para assistir, um açaí para tomar, enfim, alguma coisa que os aproximassem.
Contou-me ela que, ele aproveitou desses encontros e a seduziu. Fez promessas de amor. Jurou-lhe que estava, também, apaixonado por ela. Então começou o seu drama. Seus pais a havia criado em um lar religioso e ensinado-a a esperar pelo casamento. Ele foi categórico e disse-lhe que não queria casar, que era muito novo e precisava terminar a faculdade primeiro. Se ela quisesse ficar com ele teria que ser assim. Durante dias ficou pensativa. Nesses pensamentos vinha-lhe na mente seus pais que moravam naquela pequena cidade do interior. Pessoas simples. Tradicional. O que diriam ao vê-lo? No mínimo achariam estranho seu cabelo comprido e sua tatuagem. Mas, ela, não se importava com isso. A pessoa dele era superior a essas coisas impostas pela sociedade.
Chegou o dia em que ele a abordou seriamente e disse-lhe que não se envolveria com ela em respeito a sua tradicional maneira de ser. Não sabia o que fazer. Entregar-se-ia a ele e sofreria o desprezo e repulsa de seus pais e da comunidade de onde viera? Ou o desprezaria e manteria a sua pureza para agradar os seus pais mesmo que isso lhe causasse muita tristeza? Essas dúvidas arrasavam seu coração e ela chorava noites quase inteiras. Chegava a sala de aula com olheiras e muito sono e isso prejudicava o seu aprendizado. Não entendia porque tinha que haver essas dúvidas. Por que a vida tinha que ser tão cruel a esse ponto?
Foi então que ela tomou aquela decisão. Ficaria com ele e não se importava mais com o que as pessoas fossem dizer a seu respeito. Se preciso fosse não voltaria mais àquela vila. Quando ela decidiu por tomar essa atitude uma amiga lhe confidenciou que aquele rapaz havia tido um relacionamento com uma garota e que ela havia desaparecido. Não deu importância a isso. Provavelmente seria mais uma forma de impedir que o seu relacionamento desse certo.
Dois dias depois que dormiram juntos ele, agora mais sério do que sempre fora, confidenciou-lhe algo estarrecedor. Era soropositivo. Ficou perplexa e perguntou-lhe porque não a avisou desse fato. Sem remorso disse-lhe que se iria morrer que levaria consigo o maior número de pessoas que pudesse.
Ela, em seu desespero, não sabe se conta para os seus pais ou se tira a própria vida. Diz que sente seus pés sem o chão. Que todas as noites, nas quais não consegue dormir, vê monstros saindo de um abismo...
(Fragmentos Confidenciais)
Odair José, Poeta e Escritor Cacerense