A ESCOLA DA PERIFERIA (ENSAIO INSPIRADO EM PIERRE BOURDIEU)

A ESCOLA DA PERIFERIA COMO CATEGORIA SOCIOLÓGICA.

Por Luciano Silva de Medeiros

Professor EBTT do IFBA – Sociologia

Barreiras BA.

1. INTRODUÇÃO:

O sociólogo francês Pierre Bourdieu (“burdiê”) procurou, nos anos 60 e 70 do século XX, mostrar a falácia da ideia de que a educação iguala as oportunidades das pessoas. Com sua análise sobre o sistema de ensino francês apontou para dois tipos de escola: 1) a escola da burguesia; 2) a escola do proletário.

Nestas escolas o ensino e a aprendizagem ocorriam de maneira distinta, sendo a primeira com êxito e a segunda sem, no que toca ao acesso às universidades.

Por razões bem conhecidas também no ensino brasileiro, façamos nossas ilações abaixo.

2. DESENVOLVIMENTO:

2.1 Antecedente histórico brasileiro:

As ideias pedagógicas são parte da superestrutura do Modo de Produção Capitalista, o qual tem uma estrutura que convalida suas classes sociais que produzem e se apropriam do excedente de maneira desigual (a burguesia fica com a mais-valia e o proletário produz a mais-valia).

Não é um “mimimi” de esquerda afirmar que há concentração de renda e esta concentração é uma cilada da realidade e suas manhas ideológicas: é?

Dessa maneia, assim como há uma pluralidade de ideologias jurídicas, políticas, artística, haveria também uma diversidade de ideologias escolares – todas, de maneira subjacente, com interesses de preservar o domínio de uma classe sobre outra.

Uma das mais perversas é a de privar os filhos dos trabalhadores ao acesso à universidade, por conta do cinismo frente à necessidade de programas de apoio financeiro aos estudantes carentes. Sabe-se que estudar tem custo, pois quem estuda não pode trabalhar, em muitos dos casos.

Em 1932, no caso brasileiro, Anísio Teixeira e outros intelectuais liberais lançaram O Manifesto dos Pioneiros, um conjunto de ideias escolares que interligam o ensino com o aumento do PIB (Produto Interno Bruto). Um trabalhador letrado poderia ser bem mais produtivo do que um analfabeto, já que saberia ler melhor as instruções das máquinas e saberia fazer contas básicas.

Trata-se O Manifesto de 1932 dum documento que busca romper com a superestrutura oligárquica que permeava a República do Café com Leite, no Brasil – sendo um marco progressista, sem sombra de dúvidas, por pretender enterrar o analfabetismo que assolou o Brasil Império e Republicano até 1930: data da Revolução Getulista.

Como o campo não exigia, até os anos 30, um trabalhador letrado, a partir do momento que a industrialização assume parte de um projeto de poder de uma classe burguesa, o ensino público torna-se um aliado do projeto de modernização.

Sendo assim, Anísio Teixeira e sua trupe defendem a formação de um sistema nacional, burocrático, uniforme, gratuito e laico de educação que abranja todos os brasileiros, independente de qualquer classe ou raça. Mas não é educação universitária, mas sim educação nas séries de letramento: e ponto final.

Nasce na primeira metade do século XX, para os que não poderiam cursar universidades, o ensino profissional, com foi a Escola de Artífices de Salvador, em 1902, embrião do IFBA de 2008. Um ensino nas periferias, como é o bairro do Barbalho em Salvador, afastado da orla onde ficam os bairros nobres.

As barreiras de classe social sempre existiram na educação, que, segundo Pierre Bourdieu, poderia a transformar em elemento de manutenção e não de superação da sociedade de classes.

Vejo a ideia de Bourdieu claramente, a partir do momento que ocorre segmentação nos níveis e modalidades de ensino, sendo claro que EJA (antigo supletivo, hoje, Educação de Jovens e Adultos), ensino profissionalizante, educação no campo, dentre outros, são ensino do proletário.

Muitos educadores liberais afirmam que a escola é um instrumento de acesso dos mais pobres à classe média, mas nem sempre o ensino é igual na escola da burguesia e na escola do proletário, por exemplo.

Estas barreiras educacionais que as classes sociais inferiores enfrentam são além de ordem econômica (pois a educação nos níveis mais elevados envolve a abdicação de não trabalhar, como é o caso do ensino médio e superior), são também de ordem intelectual, pois os mais pobres nem sempre obtiveram conteúdos necessários à vida universitária. Prova disso é que 50% dos jovens brasileiros não terminam o ensino médio, variando um pouco conforme a região brasileira, para trabalharem aos 16 anos de idade.

2.2 O IDEB:

Passados algumas décadas do Manifesto dos Pioneiros de 1932, é inegável que este sistema de ensino foi implantado como Anísio Teixeira sonhava. Porém, a educação não promoveu a distribuição de renda conforme ele apregoava.

Podemos citar o caso do Município de Barreiras, no extremo Oeste do Estado da Bahia, no qual eu sou professor numa universidade tecnológica, que também opera com ensino médio integrado ao profissionalizante.

Nossos alunos são ingressantes em 50% oriundos do sistema de cotas, por raça e por serem do ensino público.

Barreiras está com 3.8 de IDEB (índice de desenvolvimento de educação básica), contra 5.0 da cidade Luís Eduardo Magalhães, a cerca de 80 km, na BR 242.

3.8 é uma nota muito baixa. Porém, o que chama atenção é que os alunos sempre cumprem os 200 dias letivos e as 800 horas que são obrigatórias pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1988. O que nos leva a concluir que alguém está fingindo que ensina e alguém está fingindo que aprende.

Um nível que está muito mal e precisa de atenção especial é o do fundamental II, o qual marca a passagem da alfabetização em direção aos conteúdos científicos mais especializados, com Ciências, Geografia e História, por exemplo. Trata-se do momento que o aluno passa da sala regida por um pedagogo para salas regidas por professores especialistas.

Bourdieu afirma que nas primeiras séries do ensino infantil e no fundamental I, como no caso brasileiro, os filhos tanto dos ricos como dos pobres ainda estão em certo grau de igualdade. Porém, a partir da 5° série começa a mudar este panorama, em especial, pelo fato dos pais mais ricos e instruídos atentarem para importância do ensino de línguas, música e reforços que vão além do ensino regular. Fora isso, na casa dos pais mais ricos e mais cultos há um exercício maior dos saberes apreendidos em sala e um consumo maior de bens simbólicos que marcam a desigualdade de classes que a educação pode reproduzir pelo sistema meritocrático.

Dentro do contexto da luta entre as classes sociais emergem duas categorias, que procurarmos dar conceituação:

i) A escola burguesa: poucos alunos por sala; pais com nível superior; professores com cursos permanentes de capacitação, com mais prestigio social e salários maiores; conteúdo diversificado; valorização dos bens culturais; ócio criativo.

ii) A escola proletária ou da periferia: excesso de alunos por sala para diminuição das despesas de orçamento público; pais com pouca escolaridade e dificuldades financeiras que prejudicam o relacionamento doméstico; professores sem prestígio, com baixos salários e com carências de formação intelectual que não podem ser supridas por falta de tempo de ócio; tensão no espaço escolar que não possibilita que a escola desenvolva atividades culturais no momento de ócio.

3. CONCLUSÃO

A escola de periferia é hoje uma categoria de análise que emerge no contexto da Sociologia da Educação.

Sem pensar o conceito de escola de periferia não há como se frustrar com os baixos índices de resultado da mesma, isso frente às escolas destinadas aos filhos das classes mais elevadas.

A ideia de implantação do tempo integral na escola de periferia precisa ser pensada para que esta escola não seja, na realidade, um grande depósito de crianças e jovens, sem que nela sejam assimilados os conteúdos transformadores.

LUCIANO DI MEDHEYROS
Enviado por LUCIANO DI MEDHEYROS em 16/03/2018
Reeditado em 05/04/2020
Código do texto: T6281635
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