A verdade ou Deus

Escreveu o grande Dostoievski: “Se alguém me provar que o Cristo está fora da verdade e que esta não se acha nele, prefiro ficar com o Cristo a ficar com a verdade”. Embora eu admire a fé que está por trás da frase, não deixo de pensar nos riscos que teríamos se a estendêssemos para toda a Bíblia, da forma que fazem muitas igrejas cristãs.

São muitos cristãos, afinal, que, caso apareça alguma contradição entre qualquer trecho do relato bíblico e a verdade, não hesitam em abandonar esta última. Bem, talvez não se sintam abandonando a verdade, na medida em que tentam adequar a ela o relato bíblico, e, caso os fatos sugiram coisa diversa, tanto pior para os fatos.

É por preferir ficar com uma interpretação literal da Bíblia que muitas igrejas se veem na obrigação de acreditar em um mundo criado há cerca de 6 mil anos, após um trabalho divino que durou seis dias, apesar de o Sol só ter sido criado no quarto dia.

Para se defender dessa contradição e outras mais que surgem da leitura do relato da criação em Gênesis, se confrontado com as evidências científicas, é preciso criar teorias das mais mirabolantes e engenhosas possíveis, pois não se pode admitir que haja algum tipo de erro na Palavra de Deus. É uma batalha árdua e inglória, pois não é simples ter que enfrentar a ciência, em uma sociedade cada vez mais racionalizada.

E, no entanto, é uma luta desnecessária, pois é cada vez maior o número de cristãos que entendem o relato da criação bíblica como uma alegoria, sem que isso signifique qualquer prejuízo para a sua fé em um Deus criador.

Se Deus existe, por certo ele não contraria a verdade. Se Deus existe, ele reflete a verdade. Não há uma verdade ou uma razão que possa desmentir um Deus que exista. A busca pela verdade seria um meio de descobrir o próprio Deus verdadeiro. Se no caminho do conhecimento é preciso fazer ajustes em nossa própria visão de Deus e do mundo, que assim seja. A verdade não se compara a uma mentira agradável.