Deus e as causas na justiça

Algo que me incomoda nos testemunhos de igrejas são os que falam em “causas ganhas na Justiça” por conta da ação de Deus. Ninguém pergunta a essas pessoas qual era o mérito em questão, a fim de ver se elas realmente estavam com a razão e mereciam uma ajuda sobrenatural. Bem pode ser que a causa que foi ganha na Justiça dos homens represente uma injustiça para a outra pessoa envolvida, aquela que perdeu a causa – e, então, como seria possível reivindicar a atuação de Deus no caso?

Ou digamos que havia um pouco de razão nos dois lados do caso, como geralmente acontece. Por que é que Deus ajuda a um lado e não ao outro? Porque um lado “fez por merecer” a ajuda? Mas nesse caso nem se pode falar em “graça” de Deus, apenas em uma consequência natural do cumprimento de certos ritos.

A mim ainda é um bocado estranho quando um cristão, por qualquer razão que seja, decida entrar na justiça contra outra pessoa – normalmente, contra outro cristão. É o tipo de coisa que não imagino Jesus fazendo. Toda a lógica do seu Sermão da Montanha aponta na direção contrária.

E, até porque, a partir do momento em que decido usar de todo o aparato judicial do Estado, eu estou legitimando a sua existência e concordando com o sistema de violência que o justifica. Pode um cristão usar a violência a seu favor e chamar isso de favor de Deus? São coisas que não me descem.

Imaginem um grupo de cristãos que decidam fazer essa coisa ousada e nunca antes tentada: viver como um cristão. Isso significa levar o Sermão da Montanha ao pé da letra e às últimas consequências. Isso significa dar a outra face e não resistir ao mal. Com esse objetivo, claro está que simplesmente acabariam todas as pendências judiciais envolvendo esse grupo, já que todos aceitariam o mal que os outros quisessem lhe impingir.

Mas quem é que aceita o mal, quem é que tolera a injustiça contra si ou contra os seus? Nem os cristãos, também eles bradam, também procuram os meios legais para que não sejam prejudicados – e colocam Deus no meio, oram para que em nome de Jesus ele possa recompensar a minha resistência ao mal, ao fato de eu não aceitar dar a outra face.

No fim, o que queremos é salvar as nossas próprias vidas – e quem quiser salvá-las, está dito, irá perdê-las.

Frederico Milkau
Enviado por Frederico Milkau em 27/12/2017
Reeditado em 27/12/2017
Código do texto: T6209893
Classificação de conteúdo: seguro