O GOSTO ESTÉTICO

Cada leitor vê (ou lê) o mundo segundo o concebe, e este concepto pessoalíssimo vai conformar o seu gosto estético. Tudo na razão direta do que o seu quantum de viver no mundo permitiu que fosse amealhado em sua "lucidez enternecida". Entre o leitor neófito e o experimentado há um abismo diferencial. Quanto maior for o acúmulo de conhecimento e informações, mais exigente será o seu patamar estético. Portanto, é lícito esperar que o leitor pouco aquinhoado culturalmente se contente com qualquer proposta que lhe chegue ao coração... É o que temos, em regra, no sertanejo musical, em que as letras das canções são muito precárias sob o aspecto estético-poético, na ótica do leitor que tenha obtido maior espectro estético-cultural. Porém, o sertanejismo atende aos anseios emocionais da grande massa popular, especialmente entre os jovens de baixa instrução, os quais se limitam a sentir com o coração, sem maiores exigências racionais até porque ainda não aprenderam a pensar com maior abrangência e veem o mundo com a singeleza própria de seu universo sem maiores opções. Na atualidade, o que chama mais fortemente a atenção é a exploração da linguagem do corpo – o desejo sexual explícito e suas nuances. É exatamente neste amplo e humano universo popular em que não se tem possibilidade de escolha, pois que não houve (ainda) acúmulo de maior dose de conhecimento, que o derramamento emocional faz sucesso como fora exemplar aparentando conteúdo poético e aparentemente satisfaz o eventual receptor. Portanto, o que estás a dizer, ilustre poeta Oneida Maria Di Domenico, tem muito sentido: "A emoção não precisa de muito rodeio para atingir um objetivo... o sentir no leitor!", que eu preferiria que se dissesse "o sentir do leitor". No entanto, a emoção (no poema) necessita ser transmutada em palavras, que não é nada menos do que o sábio poeta gaúcho Armindo Trevisan conceitua como "lucidez enternecida", porém esta "lucidez" não se aplica a qualquer poeta-autor ou poeta-leitor, porque o patamar “de lucidez” resulta dos mecanismos que provêm da Razão. Mesmo que num primeiro momento a centelha original nasça do "exercício do sentir poético", através da instantaneidade do singelo mecanismo psíquico da Intuição. A minha função, como “condenado” ao sentir e ao pensar, nos amplos domínios estéticos da Poesia é a instigação a este pensar através da centelha poética, provocando, além da reflexão peculiar, que em regra leva ao estado de poesia, possa permitir ao receptor a criação do intertexto poético ou ao poema de temática correlata... E me dou por satisfeito caso o meu interlocutor abra o seu universo e registre sua concepção sobre a Poesia e também sobre a sua materialidade: o poema. Nada mais. Até porque cada leitor, conforme foi exposto acima, tanto como criador, quanto como receptor, tem a sua específica concepção do espectro poético, que se vai ampliando na exata medida de suas leituras (poéticas) no decorrer do tempo. Seria desarrazoado pensar que só há uma concepção de Poesia, tal como fosse um teorema matemático. No entanto, para mim, reitero que, como analista crítico, só consigo encontrar o gênero literário Poesia se em sua materialidade formal, em seu conteúdo escritural, apareçam figuras de linguagem, especialmente as metáforas de palavras ou as de imagem. O que fazer, se eu tenho mais de 43 anos de exercício do sentir poético? E a condenação à reflexão persiste em mim mais viva do que nunca. E este já longevo rolar no mundo, curiosamente, mais e mais aprofunda o poço das inquietações estéticas...

– Do livro OFICINA DO VERSO: O exercício do Sentir Poético, vol. 02, 2015:17.

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