ENSAIO SOBRE O PERDÃO
As mídias sociais criam lugares comuns instantâneos e insistentemente persistentes no imaginário coletivo. A sensação de anonimato e a fluidez dos temas torna difícil a reflexão sobre o que é compartilhado e pior, passa a moldar irritantes padrões de comportamento que extrapolam o virtual.
Em situações diversas envolvendo gente famosa, anônima e também o autor desse ensaio, ante um mal perpetrado ou ofensa sucedeu enxurrada de “conselhos” relativos à necessidade imperiosa de perdoar. Segundo a lógica, o perdão seria um ato de elevação e força em benefício ao ofendido não ao ofensor.
Resulta disso que quem teve a reputação conspurcada, foi traído, humilhado, sofreu prejuízo ou desonra se vê socialmente compelido a perdoar ou será aguilhoado pela própria consciência e pelos hipócritas zelosos da perfeição alheia.
A dor de cada um é pessoal. Idêntica ofensa resulta reação diversa em cada pessoa, a dor da ofensa é idiossincrática e não se pode exigir ou mesmo sugerir a ninguém um padrão de comportamento que fique bonito no facebook.
Munida de uma visão de mundo forjada por frases como “O rancor envenena”, “O fraco nunca perdoa” e outras tolices recebidas via whatsapp e facebook a turba hipócrita azucrina o ofendido com “conselhos” sem perceber que, com isso, o agride novamente.
Quem foi ofendido, traído, menosprezado ou humilhado já tem sérias questões psicológicas para tratar. Vergastá-lo com frases feitas e clichês sobre sua pretensa incapacidade de perdoar é punir duas vezes. É sal na ferida aberta...
Se a pessoa não quer ou não consegue perdoar, não há nada de errado com isso. Se ela guarda rancor, também não. É uma questão de precaução, de auto defesa, de pesar as dores da alma...
A hipocrisia é tanta que, segundo a tese do perdão ilimitado, o perdão não requer nem pedido de desculpas, sendo portanto um perdoar superior ao divino, já que não exige arrependimento ou pedido de perdão ...
Uma importante questão de fundo: Qual o efeito pedagógico do perdoar irrestrito? A ideia-clichê de perdoar para “tirar o lixo da alma” ou “seguir rumo à felicidade”, embora agrida a lógica, faz a proposição de eventual benefício ao ofendido. Mas e o que acontece com o agressor? “Cuide-se para não ser lesado novamente” diria a filosofia de wattsapp... e deixe-o ir azucrinar outra pessoa, eu complementaria...
Sem sentir as consequências pelo mal causado, o ofensor fica livre de corrigir seu modo de agir e pode continuar com o mesmo padrão de comportamento confundindo convenientemente, como é próprio dos canalhas, o perdão com aceitação da conduta.
Não há nada de errado com o perdão, ele, como o amor, na ética judaico-cristã é um conceito revolucionário, sublime. O que não é correto é querer que isso seja padrão para os corações e mentes que habitam ao nosso redor. Cada cabeça um mundo, cada coração um universo inteiro...
Existe a ira justa e legítima. Não há nada de errado em sentir rancor ou em não perdoar. Não se pode exigir isso das pessoas.
É preciso que o livre arbítrio saia do campo da metafísica e transmute em direito das pessoas. É preciso deixar que as pessoas decidam como tratar suas feridas.
É preciso, sobretudo, deixá-las em paz com suas dores...