Tênue e refém das circunstâncias, prazer, Autonomia

É quase que um pecado ferir a autonomia, i.e, a capacidade de poder arbitrar, protagonizar, redigir, ser divino e profano e ter poder sobre si e sobre a própria vida, seja em relação a hierarquia das instituições, até o nosso ciclo de relações mais ordinárias.

E quando isso nos atinge mais profundamente? Teoricamente, nossos planos, sonhos e esforços tem direcionamentos: A realização pessoal, financeira, espiritual, etc. O mundo dispõe possibilidades e nós mergulhamos. Cada mergulho, oportunidade acolhida, é feito com planejamentos precisos. Calcula-se planos: de carreira, de saúde, de família.

São muitos planos. Mas o que fazer quando a felicidade escapa? Quando tudo parece escapar pelos dedos e o desgaste consome rumo ao objetivo traçado? Acredito que chorar não seja a melhor opção, frente aos obstáculos precisamos de uma posição firme. Em outras palavras, se o que te ocupa a maior parte do tempo te torna depressivo, reduz a tua potência de existir, como o seu trabalho, família, amigos é necessário ressignificar a forma como essa relação está sendo conduzida. Ora, mas você pode se afirmar nesse instante completamente autônomo para tomar essas decisões. Que bom! todos nós, potencialmente o somos. Porém, creio que é importante salientar as razões que ratificam essa autonomia e o que nos pode afugentar, nos tornar reféns.

Pensar em circunstâncias é perceber o que fere a minha autonomia, a partir do momento em que, por exemplo, o meu trabalho me desgasta a opção que me parece mais eficaz é de pedir demissão, porém ao fazer uma análise situacional como por exemplo, a emergência de fatores financeiros, a dificuldade de encontrar um novo emprego, a dúvida, o medo, o conforto do atual emprego e tantas outras questões, a situação vai se afunilando e a decisão complexificando-se.

Não se trata de abrir mão de todas as coisas que lhe atravancam o caminho, até porque, como já diria o poeta, elas passarão, você passarinho. É de repensar a condução da vida. Você já pensou em um plano B? Os dilemas amontoam-se, fatores se contrapõem, algumas coisas nos competem mais que outras. Na escola, enfrentávamos leituras "obrigatórias". O meu desgosto sempre foi muito grande por elas. Sempre gostei de ler, mas o meu problema consistia na obrigatoriedade que era conferida àquelas obras. Aquilo me irritava, era como que o meu direito de decidir que se verificava pelos espaços virtuais e reais que eu transitava, sofressem naquele momento um choque. Hoje, na faculdade, reconheço a necessidade das leituras recomendadas. Diferente da obrigatoriedade sem fim aparente, a recomendação torna-se fundamental, tanto para discussões quanto para possíveis vida pessoal e profissional.

Quantas coisas já nos foram impostas? Somos coagidos a todo instante por avassaladoras propagandas, a exigências estatais como a apresentação ao exército, a obtenção de "identidade" e porções de milhares e milhares de números. Não há o que contestar, o mundo parece que está pré-moldado e quem pensa diferente é desconvidado a fazer parte da festa. O que não deveria ser, talvez entramos em um campo mister para a discussão. A autonomia para pensar, falar, discutir, criticar.

O silenciamento é uma ferramenta eficaz para a manutenção de ditaduras, a democratização dos meios torna, comunidades como o recanto das letras uma realidade para a circulação do pensamento e de produções independentes, mas nem sempre foi assim. Vivemos tempos sombrios. Não se choque com o tempo presente do verbo, isso é para tornar imagético o que é quase palpável. Raciocinem comigo, se surge um sujeito que diz o que pensa a nossa reação é estupefata, "ah, mas esse sujeito é um ator" ou "tem coragem" ou, ainda, "gostaria de falar como ele" a verdade é que nós podemos falar o que pensamos, a não ser que isso signifique infrações no que convencionamos como leis. Não cultuo, exatamente, a essa coisa de "dizer sempre o que se pensa" sempre, até porque, se assim fosse, com certeza enfrentaríamos problemas de toda ordem.

A questão é, a circulação do seu pensamento é refém de um partido? Ou de um salário? Ou de um grupo? Há muitas ideias boas sendo castradas por pensamentos sectários e grupos extremistas, as vezes, até a própria religião nos cerceia de um pensamento mais crítico. Que bom seria, se não vendêssemos os nossos ideais, nossas reflexões, aquilo que a gente acredita ao dinheiro. Daí surge as massas de manobra, sujeitos reféns do poder, espantalhos, que quando dizem o "que querem" o fazem por um interesse que está para além do que acreditam, mas por aquilo que, possivelmente, os movem: a ascensão numa empresa, prestígio, dinheiro, a admiração dos outros. O problema é que nesse processo, feridas vão se abrindo e o mundo vai revelando-se cruel.

As circunstâncias sempre irão nos atravessar, o problema, em suma, não são elas e nem elas representam um verdadeiro problema. Deveríamos pensar em estratégias que consolidem o espaço do pensamento e da ação voluntária em meio a tantas coações modernas. Como lidar com meu espaço político? A minha voz? As minhas palavras? O ego frente ao mundo e o avolumamento dos desafios. A autonomia presenteia os sábios, lidar com ela envolve o exercício de alfinetar-se e, vez ou outra, envolver-se por abraços metafísicos. Não precisa se preocupar constantemente, porque nem sempre a fragilidade acomete o sujeito que se pretende autônomo, as vezes a tenacidade bate a porta, ocupa uma lugar e dialoga com a existência sofrida.