O coletivo e o individual
Como pode alguém querer cuidar de outro, se não cuidar antes de si próprio? Um indivíduo debilitado, tanto fisicamente como emocionalmente, não terá forças para cuidar ou se dedicar a cuidar de outro.
A partir desta lógica pode-se raciocinar que é preciso ser antes egoísta para depois poder ser altruísta. Ou: deste pensamento pode-se concluir que o indivíduo vem antes do coletivo. Se o indivíduo não existir a contento, ele não participará a contento do coletivo.
Estas frases provocam velhas feridas nas discussões políticas entre esquerda e direita. O pensamento anterior, por mais lógico possa parecer, é classificado como neoliberal ou de direita, como se dizia antigamente, por uma esquerda rançosa, na medida em que sustenta que o indivíduo vem antes do coletivo - e, concluem eles, que, portanto, o coletivo é menos importante que o indivíduo.
Mas este portanto não foi dito antes. Para mim é questão inócua discutir a importância do coletivo e do individual, uma vez que um não existe sem o outro! Se os indivíduos não existirem, obviamente não haverá coletivo. Se o coletivo desaparecer, o indivíduo isolado terá chances mínimas de sobrevivência, uma vez que os seres humanos são biologicamente gregários, foram feitos para viver em grupo.
Assim, os indivíduos parecem estar fadados a descobrir o preço do livre-arbítrio: se forem exclusivamente egoístas, viverão numa sociedade infernal, a sociedade do cada um por si, cuja conseqüência será a deterioração do ambiente onde vivem, do descaso como premissa cultural, o que reverterá inexoravelmente contra eles próprios, no seu desaparecimento. Se a cultura estabelecida for esta do cada um por si, ai daquele que cair na rua, desamparado, pois só terá a indiferença de seus pares.
Ai daquele, no entanto, que pensar em se dedicar somente ao coletivo, sem antes ter passado por um estágio de amar e cuidar de si próprio. Este indivíduo não terá a estrutura necessária para entender e amar seus pares, pois nunca se mirou no espelho e gostou do que viu. Sua auto-estima será duvidosa. E como se pode amar aos outros quando não se ama a si próprio? Como acreditar no amor de outra pessoa quando não se acredita na possibilidade de ser amado, na possibilidade de ser digno de amor?
A menos que tal indivíduo coletivista parta do pressuposto que sabe o que é bom para os outros.
Neste caso, tentará impor ao coletivo suas próprias escolhas. Como apenas os outros têm condições de saber o que realmente é bom para eles, tal indivíduo, se poderoso por algum caminho escuso, tratará de restringir as liberdades coletivas, desacreditar as vontades individuais, mantendo pela força suas idéias. Para isto terá que desrespeitar muitas vontades coletivas, sendo apoiado apenas por quem deseje retirar alguma vantagem da relação com o poderoso, o que resultará numa óbvia contradição.
Uma forma eficiente de ser coletivo é estar feliz muito feliz comigo mesmo, como dizia o filósofo Jorge Benjor, e então olhar a humanidade com olhos de solidariedade, amor e compaixão.
O diabo é que existe a tentação de pensar: ainda não estou suficientemente feliz, ainda preciso conseguir mais um pouco, os outros terão que esperar...
Então, afinal, tudo acaba dependendo da minha consciência, do meu caráter, das verdades que sussurro para mim mesmo em silêncio...