Reflexão sobre uma frase

"O analfabeto do futuro será aquele que não souber fotografar" (1931). Não é hoje esse um dos maiores problemas que temos? O consumo desenfreado da imagem por "analfabetos funcionais", sujeitos massificados socialmente sob a ilusão da escolha e liberdade pela adaptatividade de mecanismo, mas que não sabe refletir e digerir sobre os ataques audiovisuais que lhe impingem diariamente?

Ainda predomina um pensamento perigoso de que a imagem técnica (fotografia) é equivalente à visão (ao testemunho, à experiência, ao "estar ali, presente"). Já em 1880, princípio do auge da fotografia na Europa, sabia-se que não se tratava da Imitação do olho pela máquina. O retoque das fotografias, primeiro feito por pintores, hoje por programas de computadores, é a parte sutil da evidência de que não se trata disso, não se trata de uma imitação do aparelho visual humano. Os próprios estúdios de fotografia, a pose, a iluminação artificial, tudo isso é apenas mais evidência de que a imagem técnica está mais próxima da calculadora que da experiência orgânica.

Decerto creia-se na exclusão do não-fotógrafo, não está excluído da "sociedade civil per se" (do trabalho), mas está, sim, excluído da convivência, das curtidas, dessa fama em pequena escala que se propaga de selfie a selfie, dando "seguidores" (importante notar o uso religioso deste termo há não muito) a indivíduos cotidianos, a humanos tão feios e falhos, pouco tempo atrás tão insignificantes e dissolvidos numa massa social amorfa como nós.

Nas distribuições de curtidas parece haver formação de minúsculos núcleos sociais de adoração – retornamos ao culto do ídolo – que tomam o adorado não como divino, tampouco como messiânico, mas como objeto de desejo, entidade mais profana que sacra, laica e intocável, misto de cola social para sustentar grupos, juntá-los e mantê-los unidos, e alvo de afetos, espécie de relacionamento íntimo e particular que se desenvolve "ao sabor de cada um" (retomemos aqui a ilusão de liberdade pela via adaptativa da customização). Creia-se sermos panteístas uma vez mais.

A imagem e o próprio ídolo se tornam pornográficos, isto é, a exposição plena, sem recurso à sugestão, é seu caminho para o sucesso, é sua escalada à fama. Escalada que se faz, sim, sobre os corpos prostrados dos curtidores, dos adoradores do ídolo, que crêem fazer bem ao alimentarem a imagem, prostrando-se diante dela em reverência, combinação de auto-humilhação e adoração.

Daqui se pode extrair a mudança da continuada repetição da imagem – ainda vigente em certas situações e meios – à produção e acumulação de imagens, proliferação desenfreada e acelerada, forma competitiva de buscar a hegemonia imagética, que é, cada vez mais, forma não plenamente de controle, mas de influência e movimentação social. Ascender não é mais uma questão de trabalho tradicional, manufatura, trata-se de trabalho "criativo" (que está mais honestamente posto como "empreendedorismo", ainda que seja muito amigável para representar realmente do que se trata). Talvez seja ainda mais claro chamar-lhe "persuasão" ou "propaganda".

Há, simultaneamente, extremização de posições – não radicalização – e partição social. O jargão próprio dos adoradores os reconhece uns aos outros, lançando luz sobre quais são os aliados e quais são os estranhos, "os Outros", além da afinidade temática/conteudística (jamais esqueçamos da forma enquanto conteúdo) dar-lhes material para a união. Não bastasse sermos panteístas, somos também sectários.

Esse vocabulário próprio e segregado(r) é altamente referencial; não se trata de uma tradição à qual se prestam contas – gratidão e aprendizado – mas um estoque referencial vazio, sempre renovável e em constante movimento (não só de preenchimento e renovação interna, como também de negociação, queda e ascensão com uma fama minúscula sucedendo outra, um ídolo angariando o que outro perdeu, nessa espécie de mercado voraz e veloz altamente imagético). Não é o acúmulo de bagagem, fruto de viagens, senão a mania de colecionador, juntando panfletos e pedaços sagrados, como o antigo iconófilo.

A resistência da qualidade se dissolve, soterrada sob a proliferação imagética ininterrupta. Novamente a ilusão de liberdade sob a adaptabilidade, a customização. Dada a troca rápida, a acelerada transição impossibilita algum desenvolvimento de aprofundamento. Não que realmente impeça, mas impede ao interesse do adorador, do iconófilo, que troca, tão rápido quanto o veloz mercado de imagens (quase uma guerra), seu interesse de assunto, impedindo, virtualmente, que se aprofunde o que quer que seja.

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Creio, como os surrealistas, na potência transformadora da imagem. Creio no sem sentido, insano, indecifrável ao primeiro olhar, misterioso (mas não enigmático), não meramente como mímese da irracionalidade social contemporânea, mas como pausa, silêncio, choque, breque abrupto e necessário à reformulação, como calar-se é necessário para poder falar.