A MAÇONARIA, ONTEM E HOJE.
A Maçonaria não é tão antiga como alguns românticos autores querem destacar, nem tão nova quanto os pretensos racionalistas buscam provar. Na verdade, ela é e não é. Esta afirmação, que parece paradoxal, se torna mais clara quando isolamos, na estrutura do vocábulo que designa a Ordem maçônica, os três componentes básicos que a informam. Eles são os seguintes:
A Maçonaria não é tão antiga como alguns românticos autores querem destacar, nem tão nova quanto os pretensos racionalistas buscam provar. Na verdade, ela é e não é. Esta afirmação, que parece paradoxal, se torna mais clara quando isolamos, na estrutura do vocábulo que designa a Ordem maçônica, os três componentes básicos que a informam. Eles são os seguintes:
- 1. o ideal maçônico, que é a imagem mental de um estado de ordem, harmonia e felicidade, desenvolvido pelo inconsciente humano desde os primórdios da civilização;
2. a prática maçônica, que consiste numa forma de viver e pensar, praticada por grupos iniciáticos desde épocas muito antigas, e por fim,
3. a instituição maçônica, que é a Irmandade, propriamente dita, representada por uma organização mundial, cuja atuação se pauta por Regras e Estatutos, como qualquer outra associação. Esta só nasceu em 1723, com a edição das Constituições de Anderson, produzida exatamente para dar secularização á uma idéia e á uma prática que já existiam na cultura humana desde tempos imemoriais.
O ideal maçônico
Precisamos ter em mente essa informação, toda vez que falarmos em Maçonaria. Se assim não for poderemos cair no logro de falar de coisas diferentes como se fossem a mesma coisa, violando assim o princípio da identidade, fórmula que deve estar implícita em toda e qualquer análise que se queira fazer de um objeto.
A Maçonaria é, pois, uma estrutura que repousa sobre três formulações básicas desenvolvidas pelo homem no seu processo de aculturação. A primeira dessas formulações é o ideal maçônico. Esse ideal tem suas raízes em uma crença que está vinculada ao próprio processo de socialização dos grupamentos humanos. Essa crença é a de que Deus criou um universo unificado em suas estruturas, de forma tal que matéria e espírito se completam e formam um todo inseparável. Essas estruturas se apresentam desmembradas aos nossos olhos e muitas vezes antagônicas, mas essa é somente uma ilusão dos nossos sentidos. Essa ilusão precisa ser desfeita através de uma prática que “ensine” nossos sentidos a “ver” a unidade do universo. E através dessa visão, que é a verdadeira sabedoria, a Gnose divina, a iluminação, seremos capazes de participar, conscientes, do processo de construção do universo, na forma desejada pelo seu Grande Arquiteto.
Esta é, como se pode perceber, uma visão religiosa. Dai, muitas vezes, a Maçonaria ser confundida com uma religião. A própria religião, no sentido etimológico do termo, significa “religar”. Expressa um sentimento que está presente nos seres humanos desde os dias da sua primeira experiência psíquica sobre a terra, quando ele pressentiu a existência de uma realidade que não estava nos limites do seu conhecimento, mas que indubitavelmente o atingia, por que lhe ditava comportamentos e dele exigia reverência e respeito. Essa realidade era o mundo espiritual, onde se situavam os deuses, e para onde supostamente seus espíritos retornavam, depois de cessada a existência terrena. A vida, nesse sentido, passou a ser considerada como uma espécie de exílio do espirito, na qual ele era encerrado para cumprir uma jornada de aperfeiçoamento e aquisição de mérito, com o que ele voltaria a fazer parte do Grande Princípio que deu origem ao universo.
De um modo ou de outro todas as religiões operam com esse mesmo tema: uma ideia de aperfeiçoamento que leve o individuo a um modelo, capaz de “religá-lo”, devolvê-lo ao estado de beatitude que perdeu quando encarnou. Assim, as religiões e as complicadas cerimônias litúrgicas que elas desenvolveram têm essa finalidade. Seja através de rituais, seja por meio de preces, jejuns e outras formas de superação das barreiras da matéria, o que se procura é sempre essa forma de realizar a união do espírito com a matéria. Essa comunhão se consuma em uma fórmula, expressa pela palavra Gnose: quer a chamemos de Verbo Divino, Nirvana, Iluminação, Pedra Filosofal, Nome Inefável, Palavra Sagrada, etc. ela sempre encerra a mesma esperança: a de obter a verdadeira sabedoria, ocorra ela como forma de produzir um estado de consciência superior, ou como desenvolvimento moral e espiritual do individuo, tornando-o melhor e mais feliz.
A prática maçônica
Como atividade psíquica do individuo, e algumas vezes até de uma coletividade inteira, essa esperança tem animado os sonhos da espécie humana. Torna-se arquétipo que se instala na consciência coletiva dos povos a passa a inspirar práticas sociais, religiosas e políticas. Sabemos que essa idéia se desenvolveu no antigo Egito a partir do conceito altamente abstrato da Maat, e como foi praticada, ao longo do tempo e das culturas que se seguiram, pelos israelitas com sua noção de povo eleito, pelos essênios com sua mística de homens puros, e pelos primeiros cristãos com suas crenças numa Nova Jerusalém, como símbolo do reino governado pelo Messias. Na Idade Média foi essa mesma esperança que animou a prática de algumas Ordens de Cavalaria e balizou o comportamento de algumas seitas, como os Cátaros, por exemplo, que se diziam herdeiros da verdadeira doutrina de Cristo.
Tanto individualmente, como coletivamente, esse ideal instruiu á prática dos seres humanos ao longo da História. Individualmente, os alquimistas constituem um bom exemplo. Coletivamente, grupos de pensadores místicos, como os Monofisistas, os Rosa-Cruzes, comungaram da mesma esperança. Os próprios filósofos iluministas, apesar do seu racionalismo e do positivismo científico que marcou esse sistema de pensamento, não escaparam ao apelo emocional desse sonho. Essa idéia também animou os sonhos dos homens que produziram a tragédia do Nazismo, e não raramente estão no cerne de doutrinas nacionalistas, que tanto mal têm causado á humanidade como um todo.
A instituição maçônica.
Toda prática, mais cedo ou mais tarde, só sobrevive se for institucionalizada. Em se tratando de comportamento de grupo, ela normalmente acaba se tornando elemento de estado. Especialmente quando a ela se chumbam motivos políticos, que identificam as classes que detém o próprio controle do estado e nelas ancoram o seu poder. É o caso dos Antigos Mistérios, cerimônias religiosas que eram praticadas, com algumas variações, por praticamente todos os povos antigos. Essas cerimônias, que geralmente tinham sua prática administrada pelo próprio grupo que exercia o poder, notadamente os reis e a classe sacerdotal, tinham como marcas características uma simbologia cujo objetivo era sempre o de identificar o iniciado nesses Mistérios como um “eleito dos deuses”, alguém que, através dos ritos previstos naquelas cerimônias, efetivava a sua “religação” com o substrato divino e doravante deixava de ser um profano para se tornar sagrado. Isso significava que, ainda em vida, os iniciados nos Mistérios participavam de uma comunhão com os deuses. Daí o fato de a instituição que administrava esses sacramentos ser sempre corporativa e elitista, fechada ao homem comum e aberta somente aqueles que o grupo dominante entendesse ter mérito suficiente para dele fazer parte.
Foi na sombra desse espectro que nasceram as sociedades corporativas que o homem desenvolveu para assegurar as suas conquistas e mantê-las, tanto quanto possível, sobre controle do grupo que as instituiu. Todas as Irmandades e sociedades corporativas da antiguidade têm como origem esse núcleo comum, que está inscrito na necessidade humana de preservar suas conquistas. Registre-se que o termo “fraternidade”, que na origem era aplicado a um grupo de tradições comuns, vem do grego frátria, que na antiga Atenas designava uma associação de cidadãos, unidos pela mesma cultura religiosa e compartilhante dos mesmos arquétipos. Cada frátria formava uma unidade política e religiosa. A legislação de Sólon legitimou essas associações, determinando a sua composição em 30 frátrias.[1]
A tradição antiga da frátria como núcleo fundamental da elite comunal se perdeu, mas essa noção jamais deixou de existir no Inconsciente Coletivo da humanidade. Ela seria conservada na tradição de todos os povos, através dos grupos que então se formaram para o compartilhamento de tradições e defesa de interesses comuns.
Foi dessa tradição e do que ela representa, em termos de compartilhamento de uma estrutura feita de arquétipos comuns, que evoluiu a idéia que nutre a vida corporativa. De uma de suas vertentes fluiu a noção que informa a moderna Maçonaria, que por definição é uma sociedade universal de homens de boa vontade, cujo objetivo é defender a liberdade de pensamento, a igualdade entre as pessoas e a fraternidade entre os povos da terra.
Essa definição é colocada tendo em vista a Maçonaria moderna, ou seja, a Organização que se tornou conhecida por esse nome em algum momento, no início do século XVII, formada pela associação entre os profissionais da construção civil, – conhecida como Maçonaria operativa – e membros da sociedade (militares, intelectuais, artistas, comerciantes, cientistas, etc). Essa Associação usou como inspiração as antigas corporações dos pedreiros livres, mas na sua constituição elas se tornaram verdadeiros clubes de pessoas ilustres, formados com o objetivo de defender um ideal de progresso e liberdade.
É com essas noções que a Maçonaria trabalha hoje. E só assim podemos entendê-la e dela participar com inteiro proveito de tudo que ela representa como estrutura de organização social e fórmula de desenvolvimento espiritual.
1. Sólon, (638 a.C. – 558 a.C.) foi legislador, jurista e poeta. Considerado pelos filosófos como um dos sete sábios da Grécia antiga, é referenciado como um dos grandes sábios da humanidade. Em 594 a.C. a pedido do governo de Atenas, realizou um trabalho de reforma das estruturas social, política e econômica da república ateniense, trabalho esse que é considerado uma das bases da democracia moderna.