Por Um Sentido na Existência III
Por Um Sentido na Existência III
As dúvidas ainda resistem. Fortes como uma muralha inderrubável. Misteriosas como os grandes enigmas da humanidade. Haveria para tais dúvidas uma resposta?
Buscando conforto em filosofias existenciais, em contemplação da natureza e em conversas com amigos, eu pensei, raciocinei, refleti. A que conclusões posso eu ter chegado afinal? Qual filosofia, atéia ou cristã, seria mais reconfortante?
Ainda ali, parado, contemplando o mundo no exterior da caverna, me vejo perdido entre tantas dúvidas e perguntas, e também entre tantas respostas contraditórias. Qual é, afinal, o sentido da existência?
Parto de inicio, portanto, daquilo que já tenho em mãos. Sartre e Marcel buscam, cada um a sua maneira, um sentido para a existência. O ponto de partida da qual ambos iniciam o caminho é o mesmo. No início do caminho, enquanto a estrada é a mesma para ambos, admite-se nos dois pensamentos que a existência precede a essência. Portanto, é necessário ao homem existir, para somente então definir sua essência. Mas eis, então, a problemática da questão, pois agora cada um segue se próprio caminho, um ateu e outro cristão.
Mas o que fazer se, em ambos os casos, não houver a satisfação ou realização nas respostas encontradas? Não haveria, talvez, de surgir alguém que pudesse ousar caminhar por entre ambos os caminhos, sem realmente pertencer a nenhum deles? Pois eu o ouso fazer. Portanto, para a existência, dou o seguinte sentido, que caminha entre ambos os pensamentos, sem pertencer inteiramente a nenhum deles:
1. admito, portanto, o homem como “criatura”. Como tal, o homem é um ser criado por uma artífice-superior, ou Deus. Porém, sua essência não é criada neste mesmo ato, pois ela ainda há de se formar e se definir.
2. o homem, como “corpo criado”, recebe o primeiro sinal de essência, que não possui definição, mas apenas uma capacidade infinita de se formar diante das possibilidades que surgirem. A essa essência, costumo me referir como “alma”. O homem é, portanto, uma criatura encarnada, assim como admitia Marcel, mas não se limitando apenas a seu corpo, mas também transcendendo à sua alma, ou essência, que há de se formar a cada dia de vida do ser.
3. o homem, após sua criação, é jogado no mundo. Encontra-se só e desamparado, em sua incompletude, sem essência definida, mas com uma definição a priori: está condenado a ser livre, como dizia Sartre.
4. o homem é um ser condenado a ser livre. Sua liberdade existe pelo fato de sua essência não possuir uma definição, e se encontrar em constante fazer-se, diante de suas possibilidades e suas circunstâncias, moldando-se como um novo e único ser a cada nova decisão a ser tomada.
5. como ser livre que é, o homem também é o único responsável por esta liberdade. Todas as suas ações são feitas de livre escolha, mas a lei Física de que toda ação causa uma reação é válida para todas as atitudes do homem enquanto ser.
6. o Deus-Criador, ao fazer o homem, não lhe deu outro propósito senão o da liberdade. Tanto que o largou a esmo neste mundo, só e desamparado, livre em suas ações e pensamentos, para aceitá-Lo ou negá-Lo, sem interferir em suas escolhas ou oprimindo sua liberdade.
É, portanto, ouso eu dizer, que desta forma se encontra um caminho diferente para o que possa ser sua existência. Não é de todo o caminho seguido por Marcel em sua fé cristã, e tampouco o caminho trilhado por Sartre e seu pensamento ateu. Esta é uma terceira proposta, que admite o divino e a liberdade ateísta em conjunto.
Cito, como exemplo, o caso dos pais. Os pais, ao verem seus filhos nascerem, desejam para eles a mesma liberdade que tão arduamente conquistaram, mas, no entanto, realmente há essa liberdade dos pais para com seus filhos? Os pais sempre aconselham qual caminho deve ser seguido, oprimem algumas escolhas, usam de castigos e punições para evitar certas decisões, tudo para que, no final, os filhos sigam o caminho que os pais haviam determinado, fazendo com que a liberdade dos filhos seja apenas uma suposição.
Neste exemplo, fica claro que a liberdade é impedida de acontecer, ou seja, os pais tomam as decisões por seus filhos, os impedindo de caminhar com suas próprias pernas, e evitando assim que sua essência fique “mal formada” de acordo com seus conceitos. Com Deus, o tratamento é outro. Deus cria o homem e o lança no mundo, e apenas isso. Não dita as regras que devem ser seguidas, ou o que deve ser feito; qual o caminho que deve ser o único a ser seguido; não faz sequer um piscar para que a condição humana seja alterada, e tudo em nome da liberdade.
Então somos renegados por Deus? Abandonados e ostracisados pela vontade divina?
Ora, talvez sim, talvez não. E digo isto por não ser exatamente esta a questão que trabalho, mas sim a de que Deus o faz justamente para que sejamos livres, para que tenhamos o direito de escolher o que queremos e como vamos agir. Não há nenhuma lei a priori que dite o que é certo e o que é errado, ou qual caminho e como ele deve ser trilhado. Existe apenas a liberdade.
Sócrates dizia que aquele que impossível para o homem que conhece o caminho do bem, seguir o caminho do mal. E por que? Certamente não é pelo fato de haver um a priori universal que diga o que é o certo e o que é o errado. Mas existe o certo e o errado na visão de cada ser como indivíduo, e cada qual escolhe por qual caminho deseja seguir, e a isto Santo Agostinho diria se tratar da “vontade”.
Seguimos fazendo de acordo com nossa vontade. Portanto, somos absolutamente livres. Mesmo que Deus tenha mandado se logos ao mundo, o homem ainda sim é livre para escolher, e é imperfeito por sempre ter de fazer-se, e um fazer-se constante, para definir sua essência, ou alma, que não se encontra, em momento algum, completamente definida, mas sempre em definição.
No fim, o propósito do homem como criatura é a liberdade. Liberdade para viver ou matar, para aceitar ou negar, para acreditar ou duvidar, para agir ou pensar.