A que Loiça Partida te referes?

Em tempos, sempre que um padre ordenava às suas ovelhas rezas pela intenção da ‘loiça partida,’ as ovelhas sabiam a quem deviam rezar: às ovelhas tresmalhadas da casa encostada à igreja. Que, por acaso, era a de Santo António, que, por acaso ainda, além de ser patrono das causas perdidas era ainda patrono das coisas partidas.

Escolhemos Loiça Partida para título deste trabalho como metáfora simétrica do trabalho arqueológico: a tentativa de perceber vidas tresmalhadas pelos tempos.

Em arqueologia, encontrar provas materiais de vivências, é só o primeiro dos passos da caminhada.

A arqueologia do período moderno nos Açores, a partir do primeiro impulso de Sousa de Oliveira nos anos sessenta nas escavações de Vila Franca do Campo, se não tem dado maior contributo ao conhecimento dos Açores apenas se deve à falta de maior e mais sistemático investimento nesta forma de conhecimento.

Trato aqui do mosteiro do Santo Nome de Jesus da Ribeira Grande (1555-1831): de freiras clarissas. A bula que o criou data de 1543, porém, só começou a ser mosteiro em 1555. Esta fase inicial durou pouco mais de oito anos, visto ter sido arruinado pelos sismos de 1563. Em 1577, após reconstrução, entra na sua segunda e derradeira fase que perduraria mais de trezentos anos até ser compulsivamente encerrado em 1832. Em 1833, é adquirido, demolido e transformado.

Os materiais desenterrados fora do contexto original, dizem respeito a quatro períodos de ocupação daquele espaço: um primeiro, antes da construção do mosteiro; um segundo, de 1555 a 1563; um terceiro, de 1577 a 1832; e, um quarto, grosso modo, de 1832 às escavações.

Além das recolhas de superfície, das pesquisas nos arquivos e do estudo comparativo com outros espaços conventuais, entre o ano de 1986 e o de 2001, decorreram cinco campanhas: uma inicial (Mário Moura: 1986-88), uma segunda (Associação Arqueológica do Arquipélago dos Açores; 1988: Manuel de Sousa de Oliveira), uma terceira (Mário Moura e colaboradores: 1988-2000), uma quarta em 2000 (IPPAR e Museu da Ribeira Grande: Clementino Amaro e Mário Moura) e uma quinta, de acompanhamento da obra, (2000 até à inauguração do Palácio de Justiça: Mário Moura).

Neste artigo, trato de artefactos recolhidos na primeira (1986), terceira (1988-2000) e quinta campanhas (2000 por diante). Este prato de aba larga, primeiro exemplar, hoje conservado no Arquivo Arqueológico do Museu da Ribeira Grande (desmantelado?), foi objecto de restauro no seu Laboratório Arqueológico (desmantelado?).

Prato de aba larga: de faiança - loiça de barro impermeabilizada -, utilizado para ir à mesa com alimentos sólidos ou sopa.

Não dispondo de documentos que nos provem a proveniência e a data do fabrico, nem dispondo de exames à composição das pastas e ao vidrado, a resposta só pode ser aproximada. Que se baseia, no entanto, em dados comparativos: de materiais semelhantes exumados em contextos arqueológicos seguros e em provas de arquivo.

Assim, por observação formal, o nosso prato, será de fabrico português, da cidade de Lisboa. Como este tipo de faiança começa a ser produzida em Portugal e em Lisboa no século XVII e se prolonga pelo século XVIII, o nosso prato pode ter sido feito em data incerta durante este longo período. É uma resposta plausível.

(continua)

Mário Moura

Mário Moura
Enviado por Mário Moura em 06/02/2014
Reeditado em 13/02/2014
Código do texto: T4680364
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