UM EXEMPLO DA EMERGÊNCIA DE GÊNEROS NO FACEBOOK

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AN EXAMPLE OF THE EMERGENCE OF GENRES ON FACEBOOK

Vicente de Lima-Neto 1

Mestre em Linguística

Universidade Federal do Ceará

(netosenna@gmail.com)

RESUMO: As práticas discursivas em sites de redes sociais no Brasil não são novas: desde

2004, com o Orkut, os brasileiros têm a experiência de se comunicar em tais sites. Desde

2010, o Facebook tem grande feito parte da vida dos brasileiros, o que exige uma grande

produção textual na internet. Este trabalho objetiva discutir a emergência de gêneros no

Facebook, orientado epistemologicamente pelo conceito de gênero de Miller (1984 [2009])

pelo conceito de emergência trazido pela Teoria da Complexidade (LARSEN-FREEMAN,

2008; BRAGA, 2009). Para isso, analisamos o comportamento do mural do Facebook de

variados usuários e chegamos à conclusão de que um dos elementos que contribuem para

práticas de linguagem novas é entender as Redes Sociais da Internet (RSIs) como Sistemas

Adaptativos Complexos (SACs).

Palavras-chave: Sistemas Adaptativos Complexos; Emergência de gêneros; Facebook.

ABSTRACT: Discursive practices in social networking sites in Brazil are not new: since

2004, with Orkut, Brazilians have the experience to communicate on such sites. Since 2010,

Facebook has made big part of Brazilian life, which requires a large production of texts on

the Internet. This paper discusses the emergence of genres on Facebook, epistemologically

driven by the concept of gender Miller (1984 [2009]) the concept of emergency brought by

complexity theory (Larsen-Freeman, 2008; BRAGA, 2009). For this, we analyze the behavior

of the Facebook wall of various users and came to the conclusion that one of the elements

that contribute to practice new language is to understand the social networks of the Internet

(RSIs) as Complex Adaptive Systems (CASs).

Keywords: Complex Adaptative Systems; emergence of genres; Facebook.

Considerações iniciais

As pesquisas com redes sociais da internet (RSI) em Linguística têm ganhado

grande relevância desde o surgimento do Orkut, em 2004, quando se trouxe novas

formas de interagir na rede e, principalmente, práticas de linguagem (re)criadas que,

no decorrer do tempo, ganharam características próprias e certas regularidades que

nos levaram a imaginar tratar-se de gêneros novos. Quando voltava-se o olhar para

a internet, os casos dessa natureza passaram a ser chamados de gêneros

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Artigo produzido no âmbito do Projeto REGE (Redes Sociais e Reelaborações de Gêneros) – Etapa

I – sob coordenação do Prof. Dr. Júlio César Araújo. Agradeço à mestranda Sayonara Costa por sua

leitura crítica e atenta à primeira versão deste trabalho e pelas sugestões metodológicas. Os

problemas remanescentes são de minha inteira (ir)responsabilidade.

1 Doutorando em Linguística. Bolsista CNPq.

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emergentes do meio virtual (MARCUSCHI, 2004), ou gêneros digitais, embora

ainda sem se entender exatamente como eles funcionavam.

Neste trabalho, propormo-nos a discutir o fenômeno da emergência de

gêneros no Facebook, com base na Teoria da Complexidade, que nos auxilia nesta

empreitada. Ao que parece, as RSIs funcionam como um Sistema Adaptativo

Complexo (SAC), o qual tem como uma de suas características a emergência.

Das RSIs

O estudo sobre redes sociais na internet no Brasil tem encontrado

respaldo principalmente nas pesquisas da Comunicação, com Recuero (2006; 2007;

2009), por exemplo. Em Linguística, embora tenhamos trabalhos neste campo

específico, como Santaella e Lemos (2011), precisamos fazer pontes com essas

outras áreas para que as explanações sobre redes sociais e as práticas de

linguagem que lá se realizam estejam a contento. Neste trabalho não será diferente.

Embora apenas no século XXI, com a chegada do Orkut principalmente, o

assunto tenha ganhado grande relevância e, por consequência, tenha passado a

fazer parte das conversas cotidianas, as redes sociais não são inerentes à internet.

Elas começaram a ser analisadas ainda no início da década de 1970, com o intuito

de verificar ações individuais e fenômenos coletivos, assim como a criação de

estruturas sociais e suas dinâmicas; as diferenças entre os indivíduos e os grupos

sociais etc. Isso significa que o que, no senso comum, entende-se por redes sociais

na Internet (RSI) – Orkut, Twitter, Facebook, Myspace, Hi5 etc. – não são as

próprias redes, mas sites que potencializam a formação delas, pois “[...] uma rede

social é definida como um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, instituições

ou grupos; os nós da rede) e suas conexões (interações ou laços sociais).”

(RECUERO, 2006: 26). Logo, de nada vale a web e os sites sem que, por trás deles,

estejam os indivíduos sociais agindo. Recuero (2007, online) trata dessa temática

em texto publicado online:

O sistema, sem o grupo, nada mais é do que um site/software. Já o

grupo, mesmo sem o sistema, continua sendo um grupo. O risco de

tratar todo o tipo de sistema como comunidade ou como a rede é

aquele de que nem todos os sites possuem um grupo social

associado. E nem todo o grupo social associado pode constituir uma

comunidade virtual.

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Em suma, a rede social é formada por pessoas e pela relação que elas

estabelecem entre si, interagindo socialmente. O sistema é sócio-técnico e apenas

possibilitará (ou não) a formação de rede. O Facebook, então, que é o universo onde

pensamos nosso trabalho, será entendido como software online hospedado em

sítios na Internet que possibilitam a formação de redes sociais construídas por todos

aqueles que têm conta em um desses sites (atores) e que interagem (conexões) por

meio deles.

Os atores, então, “são as pessoas envolvidas na rede que se analisa”

(RECUERO, 2009, p. 25). Quando se trata de uma rede social, eles ganham a

terminologia de nós (ou nodos). Logo, as estruturas sociais serão construídas a

partir das interações que eles desenvolverem. Já as conexões, o outro elemento que

é base das redes sociais, “são constituídas dos laços sociais, que, por sua vez, são

formados através da interação social entre os atores. De certo modo, são as

conexões o principal foco do estudo das redes sociais, pois é sua variação que

altera as estruturas desses grupos”. (RECUERO, 2009, p. 30).

É bom lembrar que muitas das conexões entre os atores do Facebook já

existiam fora da internet. Amigos da universidade, colegas do trabalho, pessoas que

há muito não são vistas e se reencontraram no Facebook, enfim, todas elas formam

uma rede social que é apenas metaforicamente materializada no site em questão. A

partir dele, amigos de amigos podem se vincular por laços virtuais ou mesmo

pessoas que pouco contato têm fora da web, mas são “amigos” no Facebook. Isso

significa que o site pode potencializar (ou não) a formação de redes sociais.

As interações que acontecem entre essas pessoas, que é o que nos

interessa, são feitas, muitas vezes, por práticas de linguagem emergentes, que são

usadas para que a interação nesses grupos atenda a propósitos comunicativos cada

vez mais variados. A interação acontece não somente pela semiose verbal, mas por

outras semioses cujos recursos para uso (aplicativos, por exemplo) são

disponibilizados nos próprios sites, o que termina por promover linguagens

emergentes.

Para Hornick (2005), estamos vivendo uma nova versão das redes

sociais, a 3.0. Ele faz uma retomada dessa evolução: primeiramente houve as RSIs

1.0, que emergiram no final dos anos 1990 e eram caracterizadas como um conjunto

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de serviços disponíveis para o consumidor e que propiciaram a comunicação em

tempo real através de redes coordenadas. Dentre elas, estão o ICQ e listas de

discussão, por exemplo. O autor enfatiza que elas não eram descritas como redes

sociais, mas fomentaram a base para o conhecemos hoje.

Depois, vieram as RSIs 2.0, que começaram no início dos anos 2000 e

surgiram a partir do momento que alguns empresários viram a potencialidade da

Internet de agrupar pessoas em uma rede online. Então, Orkut, Friendster, LinkedIn

etc. foram serviços que tinham como intuito organizar as pessoas a depender da

finalidade: entretenimento, negócios, marketing pessoal etc. Aqui houve uma

consciência real dos usuários sobre o que é uma rede.

É importante ressaltar que são nas RSIs 2.0 que acontece uma explosão

de novas práticas de linguagem. Exemplos desse movimento são as listas de

discussão, antes centradas num único site, passam a ser ampliadas e coocorrem no

Orkut, por exemplo: são os fóruns; depois, vêm os comentários (ou posts, que

deixam de existir apenas em blogs); quadro de recados (no caso do Orkut, o

scrapbook), mensagens coletivas, felicitações, sem contar dos gêneros que se

mesclam nesses ambientes, chegando a formar novos gêneros.

Atualmente, estamos nas RSIs 3.0. Segundo Hornick (2005),

[...] tornou-se claro que a construção e o gerenciamento de uma rede

social não era, em si mesma, uma experiência do consumidor

convincente. Em um aceno de volta às instâncias iniciais das redes

sociais, os empresários têm percebido que as redes sociais são

facilitadores de outras experiências do consumidor convincente.

Assim, as redes sociais vêm a ser um importante ingrediente para

todos os tipos de experiências de consumo. Redes sociais informam

sobre as conversas que acontecem entre amigos no LiveJournal.

Redes sociais permitem a descoberta de uma nova música no

MySpace. Redes sociais melhoram a experiência de jogo entre

vários jogadores no Xfire. Redes sociais agora empoderam o

recrutamento no LinkedIn 2 . (HORNICK, 2005, online)

2 Nossa tradução de: “it became clear that the building and management of a social network was not,

in and of itself, a compelling consumer experience. In a nod back to the earliest instantiations of social

networking, entrepreneurs have come to realize that social networks are enablers of other compelling

consumer experiences. Thus, social networks are becoming an important ingredient of all sorts of

consumer experiences. Social networks inform the conversations that take place among friends on

LiveJournal. Social networks enable the discovery of new music on MySpace. Social networks

enhance the multi-player gaming experience at Xfire. Social networks now empower recruiting on

LinkedIn. And dozens of new social networks are emerging to enable specific, valuable consumer

experiences that are enhanced by the underpinnings of the network” (HORNICK, 2005, online).

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Logo, é fato que as redes sociais sempre foram formas de agir no mundo. O que

difere as RSI 2.0 das 3.0 é que, nessas últimas, elas não se prendem

exclusivamente ao agrupamento de pessoas. Agora, também servem como

extensões da vida humana no meio virtual. Há perfis de empresas, por exemplo,

com o intuito de vender seus produtos; outras com o propósito de realizar denúncias;

outras com serviços de atendimento ao cliente, enfim, preocupações que

ultrapassam as que havia durante o seu surgimento, em meados dos anos 2000.

Agora, mais do que nunca, há, como diz Santaella e Lemos (2011), um

amadurecimento da sociabilidade em rede, inclusive permitindo a integração e a

comunicação entre elas. A tela do computador deixou de ser a única materialidade

possível de acesso às RSIs: tablets e smartphones já permitem o acesso, de forma

que algumas especificamente foram criadas para funcionar fora dos computadores 3 .

Então, com base num aparato tecnológico deste porte, é possível estar em qualquer

lugar a qualquer tempo: “Informações pessoais privadas trafegam livremente entre

os diversos repositórios, indo parar em bases de dados gigantes que analisam

gostos e preferências individuais para inúmeros fins: governamentais, gerenciais,

estatísticos, publicitários, estratégicos” (SANTAELLA e LEMOS, 2011, p. 59), o que

apenas corrobora o posicionamento de que a evolução das redes sociais já está

arraigada na cultura dos que se utilizam da Internet constantemente.

Como se sabe que as culturas são heterogêneas e que não deixam de

evoluir, há sempre uma grande demanda enunciativa que age sobre o que já existe.

Como a internet está em estágio de beta eterno 4 (PRIMO; RECUERO, 2006), há

momentos em que os programadores de softwares não atendem a essas demandas

com novos aplicativos, novas ferramentas, portanto os usuários buscam alternativas

para suprir tal necessidade com o que já tem. Este é um dos motivos que

potencializa a emergência de gêneros: a demanda enunciativa (jamais satisfeita) dos

usuários, que pode ser explanada com as luzes da Teoria da Complexidade.

3 Veja o exemplo do Foursquare.com – trata-se de um geolocalizador, responsável por um

rastreamento espacial em tempo real. Consiste em se postar a localização precisa num dado

momento. Ou seja, só faz sentido existir em dispositivos móveis.

4 “Beta eterno” significa que um determinado software nunca está em estágio final de

desenvolvimento.

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Dos Sistemas Adaptativos Complexos e do fenômeno da emergência

Os estudos sobre os sistemas adaptativos complexos (SAC) tiveram início

com a Teoria da Complexidade, esta com bases epistemológicas ainda da Grécia

Antiga. Também conhecida atualmente como Teoria do Caos, em nada ela se

aproxima do que o senso comum acredita: da desordem, da bagunça. Pelo

contrário, “na engenharia, a teoria do caos é chamada de teoria da estabilidade – ou

seja, o estudo da estabilidade implícita na desordem e na instabilidade, muito

embora alguns cientistas nos lembrem que, inversamente, a desordem está implícita

na ordem” (SLETHAUG, 2000, p. xxiii apud OLIVEIRA, 2009, p.c15).

A Teoria da Complexidade, segundo Martins (2008), apresentam

diferentes linhas de pesquisa, atuando em distintas áreas do conhecimento. As mais

proeminentes têm sido a Teoria do Caos, a Teoria das Estruturas Dissipativas –

essas duas com preocupações com modelos matemáticos de sistemas – a Teoria

dos Sistemas Complexos Adaptativos – estudada também por diferentes ciências,

como as exatas – Matemática, Física –, as biológicas e as humanas, onde nos

enquadramos. Mesmo na Linguística, diferentes vertentes têm se utilizado das

pesquisas com SAC, como a Linguística Aplicada (MARTINS, 2008; D´Andréa,

2011), a Semiótica (SANTAELLA; LEMOS, 2011) e nós, da Análise de Gêneros

(LIMA-NETO, 2012).

Se consideramos um SAC como um sistema “que enfoca os processos de

adaptação que permitem que os agentes se ajustem uns aos outros e ao sistema,

possibilitando, assim, que o sistema como um todo sobreviva” (MARTINS, 2008, p.

41), então podemos argumentar, com Santaella e Lemos (2011), que as RSI

resguardam essas características e se comportam como tal. As bases utilizadas pela

Teoria da Complexidade lançam luzes sobre o que parece haver nas práticas de

linguagem em RSI: um aparente caos de informações no qual todos acabam agindo

socialmente e se comunicando na mais perfeita harmonia.

Para Santaella e Lemos (2011), uma RSI é um sistema, pois “é um

conjunto interrelacionado, uma totalidade integrada de partes diferenciadas,

formando um todo organizado que propicia a consecução de algum fim a partir de

suas interações conjuntas” (SANTAELLA; LEMOS, 2011, p. 18). Neste estudo,

entendemos que, para o perfeito funcionamento da RSI, muitos elementos

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funcionam em conjunto, como o suporte digital (o hardware e o software do

computador, a internet), os atores, os gêneros que são utilizados para se interagir

etc.

A RSI é adaptativa, porque é passível de se adaptar em ambientes de

mudanças, embora resguarde estados que mantenham a sua estabilidade e

identidade. Logo, as RSIs atuais, como Twitter e Facebook, têm seus layouts

alterados constantemente, em virtude das demandas enunciativas dos usuários e

das demandas exigidas pelo mundo exterior. A cada dia, novos aplicativos são

desenvolvidos e novos objetivos tendem a ser alcançados com as mudanças de

layout, sempre, claro, mantendo o objetivo maior: a construção e manutenção das

redes sociais. Por fim, ela é complexa porque funciona a partir de muitos elementos

heterogêneos que se entrelaçam; “há uma indissociação e uma relação intrínseca

entre as partes do sistema” (OLIVEIRA, 2009, p. 15), o que é mostrado pelas

relações interrelacionadas das conexões (estabelecidas pelos gêneros, pelos

aplicativos disponíveis nas RSIs etc.) e dos atores (os usuários, cujas demandas

enunciativas são satisfeitas nas RSIs), elementos básicos de uma rede social.

Assim como todos os SACs, as RSIs possuem, dentre tantas, duas

características fundamentais: a auto-organização e a emergência. Falar em auto-

organização de sistemas complexos é entendê-la como a “emergência espontânea

de novas estruturas e de novas formas de comportamento em sistemas abertos,

afastados do equilíbrio, caracterizados por laços de realimentação internos e

descritos matematicamente por meio de equações não lineares.” (CAPRA, 2001, p.

69). Neste caso, um SAC é auto-organizado porque, diante de sua dinamicidade

inerente, tem potencial de criar novas estruturas e novos modos de comportamento,

moldando-se à situação exigida. Tais alterações para se moldarem a uma nova

exigência do mundo exterior são espontâneas.

Quando ajustamos a lupa para o Facebook, vemos que ele se enquadra

na característica de auto-organização dos SACs, já que, em virtude de novas

demandas constantes, outras formas de se comunicar emergem nelas, além de

novos aplicativos e novos layouts recorrentemente, o que naturalmente provoca

mudanças de comportamento dos atores. Esta RSI constantemente cria novas

ferramentas para seus usuários, o que, no início, causa certo estranhamento –

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característica do desequilíbrio – mas, a partir dos usos, estabelece-se um padrão

comportamental, permitindo uma tendência à estabilização – traço do equilíbrio.

Quando chegamos ao conceito de emergência, entendemos, com Larsen-

Freeman e Cameron (2008, p. 59), que é um “aparecimento, em um sistema

complexo, de um novo estado em um nível de organização maior que o anterior”.

Trata-se de um comportamento novo, não previsto pelo sistema, mas que tende a

entrar em uma padronização dentro de certo tempo, para, depois, sofrer nova

mudança, novo comportamento emergente. Em SAC, os comportamentos

emergentes são recorrentes, não findam.

Braga (2009) traz duas propriedades fundamentais da emergência:

(1) Imprevisibilidade, pois os fenômenos emergentes estão ancorados na

surpresa; não é possível prever que aconteçam;

(2) Irredutibilidade, pois as propriedades estudadas nos níveis superiores

não podem ser compreendidas com elementos dos níveis inferiores.

Em geral, as estratégias de linguagem emergentes nas RSIs enquadram-

se em ambas as características. Em nenhum momento elas foram previsíveis,

enxergadas como potenciais por seus engenheiros, mas somente pelos usuários

(são eles que as utilizam e as mudam, com o fim de atender a um propósito

específico); e não podem ser entendidas se não estiverem ancoradas num sistema;

não preexistem a ele, mas ajudam a mantê-lo em funcionamento.

Para D´andrea (2011, p. 120),

Para que haja emergência, a correlação entre as partes tem que ser

lógica e consistente, isto é, coerente, o que permite a manutenção de

uma certa identidade ao longo do tempo. Nesse sentido, mais do que

atuar de forma paralela, as partes precisam interagir entre si, mas

sem que um controle centralizado direcione o comportamento do

nível macro.

Logo, as partes do sistema (entre elas os atores) realizam conexões e, a

partir de uma demanda enunciativa existente nas RSIs, os gêneros tendem a

emergir num processo coerente e espontâneo, de forma que, ao longo do tempo,

atendam a certas recorrências que vão permitir o reconhecimento daquela prática de

linguagem por parte dos usuários. É, praticamente, impossível encontrar o momento

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em que um comportamento emergente surge, assim como é impossível dizer o

primeiro uso de uma determinada prática de linguagem nas RSIs, mas, com o tempo

e com a apropriação de tal prática por outros usuários, a tendência é que eles

adquiram determinados padrões e possam ser reconhecidos pelos usuários das

redes.

Num gráfico, entendemos a o fenômeno da emergência da seguinte

forma:

Gráfico 1: Percurso histórico dos gêneros

Parece haver pelo menos três momentos na história de um gênero: o

surgimento, que é único: o gênero surge de uma demanda enunciativa de um

grupo; de uma negociação da linguagem que precisa atender a determinados

propósitos discursivos, por meio dos quais será possível que os indivíduos desse

grupo realizem práticas sociais. O gênero é criado por uma instância enunciativa. A

princípio, são práticas discursivas não necessariamente existentes autônomas;

podem aparecer presas a outras ou reelaboradas.

O segundo momento é a emergência, que ocorrerá quando houver certa

recorrência de estruturas, e os usuários as reconhecem e passam a adotá-las.

Logo, uma identidade estará se formando aqui, talvez, a longo prazo (ou a curto,

em se tratando de velocidade da internet), mas tal prática já se figura como

autônoma, o que parece tratar-se de um indício de emergência de um gênero.

Depois, o último momento é o da estandardização, termo que utilizamos

emprestado de Costa (2010), quando se refere a um possível alto grau de

estabilização de um determinado gênero. Na verdade, também corroboramos com o

ponto de vista do autor, quando demonstra que existe sim uma certa gradação entre

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a emergência e estandardização: há gêneros digitais mais estandardizados do que

outros.

Em suma, todos os gêneros utilizados na sociedade passaram por esses

momentos. Na internet, parece que essa linha do tempo é muito diferente, já que a

relação espaço/tempo varia em função da ambiência. Em 1995, por exemplo, o chat

era absoluta novidade, que ganhou adeptos muito rapidamente, o que representava

haver uma demanda enunciativa bastante grande para atingir a ação social de bater

papo na internet. O chat também passou por um momento de emergência, quando

ainda todos buscavam entender todas as suas potencialidades enunciativas, durante

o seu período de popularização. Hoje, já é um gênero reconhecido socialmente pela

grande maioria dos usuários da rede, ou seja, enquadrar-se- ia, em nossa gradação,

mais à frente, voltando para o polo + estandardizado do que o scrap do Orkut, por

exemplo, ou certas práticas de linguagem utilizadas no Twitter.

Se entendemos os gêneros como ações retóricas tipificadas baseadas em

situações retóricas recorrentes (MILLER, [1984] 2009), é necessário que

entendamos onde eles se atualizam na rede. Como funcionam nas RSIs deve ser

analisado, já que a situação comunicativa imediata é requisito básico para o

reconhecimento de um gênero.

Da emergência de gêneros no Facebook

Práticas de linguagem emergentes na internet são comuns, exatamente

em função da natureza das RSIs como SACs. Desde 2009, com a ascensão do

Facebook como o site de rede social com mais adeptos no mundo, as formas de

(inter)agir socialmente vêm sendo recriadas e reelaboradas na internet, a partir da

valorização e do reconhecimento de tais práticas de linguagem como legítimas pelos

usuários da rede. Durante nossa pesquisa de doutoramento, realizamos uma coleta

de dados nos meses de abril a dezembro de 25 textos propagados no mural de

informações de nosso próprio perfil no Facebook. Os textos tinham como requisitos

os seguintes:

1) Ser um enunciado construído por montagem de informações, a partir de

programas como Photoshop, Corel Draw etc;

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2) Apresentar em sua composição uma temática cuja relevância seja social;

3) Mostrar um posicionamento crítico.

Por limitações de espaço, desenvolvemos nossas reflexões a partir de

uma amostra do corpus de dois exemplares, que apresentavam as características

mencionadas.

Figura 1: Prática de linguagem emergente no Facebook

A imagem é um exemplar de práticas de linguagem relativamente novas

que a toda hora se manifestam no Facebook. O que se realiza é uma crítica ferrenha

a um comportamento social comum no Brasil: a desvalorização do professor. Em

tempos de RSIs, diante da criatividade do usuário, potencializada ainda pelas novas

tecnologias e pelo layout do Facebook, é recorrente o uso de estratégias de

montagem, como vemos, com a finalidade de atingir um determinado propósito.

Em 1, temos a imagem de dois profissionais: de um lado, a professora; de

outro, o futebolista Neymar, atacante do Santos atualmente e dono do maior salário

de jogador entre os brasileiros. As imagens apenas dão amparo multimodal às

questões colocadas pelo enunciador no que diz respeito à gritante diferença de

salário entre eles. Além disso, o enunciado é constituído também por links que

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levam a notícias da economia mundial, que afirmam que o Brasil passa a ser a sexta

economia do mundo. Logo, o grande questionamento é como um país tão grande e

muito bem economicamente pode pagar tão mal os profissionais que são os

responsáveis pela educação do país?

Este exemplar parece ser um comportamento emergente. No mural do

Facebook, ao responder à questão “What´s on your mind?” (No que você está

pensando?), o usuário tem a liberdade de simplesmente se manifestar

linguageiramente da forma que lhe convier. Logo, muitos gêneros são ali

materializados: aforismos, anúncios, críticas, charges, clipes musicais, quadrinhos

etc. Neste exemplo em específico, vemos que o usuário atinge um determinado

propósito – manifestar seu repúdio à desvalorização do professor – por meio de uma

artimanha de montagem: recortou figuras, colocou suas indagações e ainda reforçou

o seu posicionamento com um argumento de autoridade: implementando links para

notícias legítimas sobre a atual situação da economia brasileira aliada ao o

détournement, em 3 (KOCH, BENTES e CAVALCANTE, 2007): “Brasil, um país de

tolos”, que faz referência ao slogan “Brasil, um país de todos”, do Governo Federal.

É evidente que montagens com recortes de jornais, por exemplo, não são

exclusivas da internet. Entretanto, a maneira de construir críticas no Facebook tem

se tornado recorrência, o que nos garante um mínimo de emergência genérica.

Acompanhando a seta, vemos que a sua estratégia deu certo: nada menos que

6.477 compartilhamentos foram efetuados, ou seja, isso significa que tal prática foi

aceita, reconhecida socialmente por outros usuários e está sendo espalhada pela

rede. As críticas sociais montadas dessa forma – com uma certa mescla de

elementos multimodais e hipertextuais, além das relações intertextuais, como o

détournement mostrado, tendem a ser recorrentes na rede, o que pode levar, daqui

a certo tempo, a um padrão. É este momento que denominamos de emergência:

esta forma não foi prevista pelo sistema; foi criada pelos usuários, embora, seja

reconhecido socialmente e está sendo utilizado por outras pessoas que têm o

mesmo propósito. A composição a seguir também demonstra características dessa

natureza:

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Figura 2: Gênero em emergência

O exemplo em tela mostra uma montagem com uma cena do filme

Homens de Preto. Para a apreensão do sentido do texto, o leitor deve recuperar a

cena do filme que mostra o ator segurando um objeto cuja característica é lançar um

flash que provoca o esquecimento imediato de ações vividas pelos personagens

pouco tempo antes. No caso, o intuito é fazer com que eles não lembrem que viram

seres extraterrestres circulando pela Terra no meio de humanos.

Neste enunciado, a cena do filme é recategorizada. Uma cena do filme é

recortada e utilizada como elemento de argumentação para justificar o

posicionamento do enunciador do texto sobre a mentalidade do cidadão brasileiro.

Para defender seu ponto de vista, ele se utiliza da estratégia da ironia, marcada por

suas palavras: “No Brasil, não existe corrupção; você será trabalhador, passivo,

apático, conformado, fanático por futebol e novelas. E jamais se voltará contra o seu

governo”. Com esse enunciado, ele aponta características típicas da sociedade

brasileira, a qual tem como esporte predileto o futebol e como atividade de lazer as

novelas criadas por emissoras de televisão e faz uma crítica ao cidadão que,

estando preso a essas duas atividades, será conformado com situações que são de

conhecimento do senso comum, como o fato de o país ter um governo marcado pela

corrupção e de não haver represálias populares.

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Note que, para construir esse posicionamento sobre um assunto de

interesse coletivo, o enunciador se utilizou de programas de computador para

realizar uma montagem e uma estratégia de textualização que marca o seu

posicionamento crítico quanto à sociedade brasileira, no caso, a ironia.

Em suma, exemplos dessa natureza mostram que novas formas de

enunciar estão nascendo na internet: não que montagens dessa natureza não

existissem antes do Facebook, mas a maneira como elas são feitas (usos de

programas de edição de imagem), as consequências dessa montagem na relação

entre os atores da rede (a partir das RSI 3.0, ficou mais fácil defender um

posicionamento abertamente; as pessoas concordam, discordam, compartilham etc.)

e o impacto que isso tem nas relações sociais (veja-se o caso da Primavera Árabe,

por exemplo, cuja queda do ditador egípcio Hosni Mubarak foi organizada pelo

Facebook, em 2011) parecem gerar práticas discursivas em emergência, que

possivelmente, em pouco tempo, passarão a ser nomeadas e terão status de

gênero.

Considerações finais

Entender como acontece a emergência de gêneros na Internet é um desafio.

Sabe-se que os gêneros surgem a cada dia, para atender a necessidades

enunciativas variadas, e, nas RSI, tal prática parece ser bastante naturalizada,

embora poucos se deem conta de que estão (re)criando gêneros. Uma forma de

compreender o fenômeno é por meio da Teoria da Complexidade e dos Sistemas

Adaptativos Complexos, que têm características que se enquadram no

funcionamento natural das RSI. No Facebook, a ferramenta de compartilhamento

nos auxilia bastante a trazer indícios de emergência de gêneros, a partir do

momento em que se reconhece socialmente e se utiliza do mesmo enunciado para

atender ao mesmo propósito. A longo prazo, tal enunciado pode se tornar mais (ou

menos, em se tratando de RSIs) estandardizado.

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Enviado por J B Pereira em 24/01/2014
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