Sobre Argumentos Definitivos ou De Como Não Me Tornei Marxista

Meu amigo Galli conta uma anedota que presenciou em seu tempo de estudante secundário. Numa aula no Colégio Gonzaga um estudante levanta e diz para a turma e para o professor:

- Eu sou burro. Mas esse cara aí é muito mais burro do que eu...

O acusado ficou furioso, mas não pode fazer coisa alguma, já que o outro iniciara a afirmação com o que chamo de “argumento definitivo”: de que ele próprio não era inteligente. Ninguém poderia contestá-lo quando afirmava isso dele próprio. O outro até poderia tentar argumentar que, sendo ele burro, como ele mesmo admitia, como poderia ter razão e inteligência para essa percepção? Mas esse argumento seria muito complexo para pessoa de pouca inteligência e, a essas alturas, a turma estava delirando com a cena, impedindo qualquer diálogo razoável.

Recentemente, numa discussão, aleguei que a falta de solidariedade humana, a falta de empatia, o desamor para com o próximo, próprio dos egoístas e egocêntricos, faria de nós seres humanos menores, canalhas e fdp. Meu opositor iniciou seu argumento dizendo que sim, ele era um fdp egoísta. Um argumento definitivo. Quem seria eu para rebatê-lo? Quem o conhece melhor do que ele mesmo? A partir deste ponto não houve mais discussão, pois qualquer argumentação seria invalidada pela premissa do oponente.

Foi por causa de um argumento definitivo que não me tornei marxista.

Corria o tempo da militância sindical universitária, onde grandes discussões político-filosóficas tinham lugar em assembléias, prolongando-se por altas horas em bares, utilizando o tempo parado do movimento grevista. Foi numa dessas horas que um colega que se dizia marxista resolveu tirar-me a profunda ignorância em que eu vivia, iniciando-me nas idéias de Karl Marx. Ofereceu-me uma espécie de cartilha, um livro para principiantes.

Como é da minha formação a experiência e a compreensão de idéias, aceitei, sinceramente, de espírito aberto. Procuro ficar neutro com respeito a novas idéias, procuro não pré-julgar, já que tenho comigo que este é o melhor meio de aprender: o de mergulhar com profundidade sincera no que se está aprendendo. Como dizem Fagot-Lobel & Neyt: a melhor maneira de não aprender algo, é associar o que se está aprendendo ao que já se sabe. Quando alguém começa a dizer muito “sei” e a fazer associações sobre o que estou dizendo, percebo logo que terei que me esforçar mais para explicar o meu ponto de vista, uma vez que o ouvinte está apenas reforçando o seu próprio ponto de vista sobre o assunto e não está procurando entender o que digo.

Assim que fui para casa me tornar marxista. Abri o livro e li (juro):

Deus não existe.

Fechei o livro de devolvi no dia seguinte. Não porque, assim, não mais do que de repente, eu tivesse sido iluminado pela fé e me tornado um crente. Mas é que eu havia enfrentado um argumento definitivo. Ora, pensei eu, o sujeito que escreveu este livro não pode provar a primeira frase basilar, a frase sobre a qual irá construir o restante da argumentação. Não há como discutir com ele. Sobre essa premissa que não iria provar ele poderia construir o que quisesse, ensinava-me a velha formação de engenheiro que eu havia recebido.

Sobre um sinal trocado, equivocado, numa equação matemática, o pobre aluno poderia chegar a um resultado estapafúrdio. Pelo menos foi o que me pareceu, quando calculei a iluminação de um pavilhão industrial, numa prova de Eletrotécnica e encontrei o resultado de... 0,8 lâmpadas...

O Selby, afinal, tinha razão em me deixar em exame de segunda época.

Ou não.